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O plástico que está nas solas destas sapatilhas poderia ter sido engolido por peixinhos e golfinhos. Poderia ter esganado uma tartaruga. Poderia ter começado a decompor-se tão milimetricamente que ia parar ao nosso estômago. As espécies marinhas e humanas estão a ser afectadas pelos plásticos, que representam 80% do lixo dos oceanos.
Para combater isto, Adriana Mano teve “uma ideia tonta”. Um dia, estava na praia a olhar para o plástico que se acumulava no areal e perguntou: “Não conseguimos fazer sapatos com este lixo?”. O plástico é um mau material para o calçado, mas começou a magicar até se lembrar de o incorporar nas solas. Em 2018, lançou as primeiras sandálias da Zouri através de crowdfunding com um amigo, mas cada um acabou por seguir o seu caminho. Em Janeiro do ano passado, desenvolveu sapatilhas com as mesmas solas e relançou a marca. “Cometemos muitos erros, mas aprendemos com eles”, conta Adriana. “A vida de um activista, de uma pessoa que sonha com um mundo melhor, não é fácil. Não tem um grande retorno monetário. As pessoas têm de estar aqui pela causa.”
A ideia de transformar o lixo em luxo vem do espírito reivindicativo da fundadora da Zouri: “Desde miúda que era muito inquieta e revoltada em relação ao mundo e à inércia das pessoas. Fui escuteira e depois voluntária na Cruz Vermelha e na Greenpeace. Trabalhei em gestão, empreendedorismo social e na área do calçado, onde fui directora de desenvolvimento de produto. Aprendi muito, principalmente sobre materiais.”
No final de 2019, a Zouri recebeu um prémio do Banco de Investimento Europeu na área de economia circular. Um dos elementos do júri perguntou-lhe se não tinham medo de ser copiados. “Até podemos ser copiados no aspecto, mas no processo? Acho que não há ninguém mais maluco do que nós para se meter nisto”, conta, entre risos.
O processo é complexo. Com a ajuda de voluntários, autarquias e associações ambientais, já levaram toneladas de lixo plástico das praias de Esposende. Com a FOCA (Focus on Critical Actions) fazem recolhas na costa portuense e com a Brigada do Mar já limparam as praias de Mira e da Tocha. A maioria do plástico que apanham não é reciclável – vai normalmente parar a aterros ou incineradoras – mas desta forma conseguem reutilizá-lo com “valor acrescentado”. Após ser recolhido e transportado em camiões, o plástico é limpo, trabalhado e triturado na Ecoibéria, uma fábrica em Famalicão. Depois, é incrustado em borracha natural. As solas são feitas em empresas de Felgueiras e Gaia e depois seguem para Guimarães, onde são produzidas as sandálias e sapatilhas. Cada par tem o equivalente a seis garrafas de plástico. Os restantes materiais são sustentáveis e com certificados de comércio justo, como algodão orgânico, linho, cânhamo e piñatex, uma alternativa ao couro obtida da fibra das folhas do ananás.
Produzir 100% em Portugal com uma filosofia ecológica aumenta os custos. “Os produtos deviam ser taxados de acordo com o seu grau de impacto no ambiente”, defende Adriana. “Nunca foi objectivo nosso enriquecer, mas queremos que o projecto possa crescer e que as pessoas que trabalham na Zouri tenham boas condições. Que seja tudo justo.” A proposta de redução do IVA em produtos sustentáveis já foi feita várias vezes, mas ainda não conseguiu chegar à Assembleia da República.
O futuro da marca está em incorporar o lixo dos oceanos em novos produtos como o mobiliário, mas as linhas de calçado ainda têm pernas para andar. Na colecção da Zouri há sapatilhas clássicas com preços desde 89€. Os modelos são intemporais e unissexo, para incentivar um consumo consciente e lutar contra a sazonalidade supérflua da indústria da moda, uma das mais poderosas e poluentes. “Há todo um monstro para mudar. Estamos muito formatados para estar sempre a comprar coisas novas e a desconstruir o nosso guarda-roupa a cada estação”. A solução passa por comprar menos, mas melhor. Por apoiar produtos locais que não explorem as pessoas. Ninguém – animal ou humano – tem que sofrer para ficarmos mais bonitos e confortáveis.
Para que nada se perca e tudo continue a se transformar, a Zouri tem pilares assentes na economia circular. Se o calçado começar a ficar desgastado, disponibilizam solas novas para o remendar. Quando já estiver a dar as últimas, enviam-no para empresas que o trituram e transformam em mobiliário urbano ou tijolos. Passo a passo, a Zouri vai ajudar-nos a reduzir a pegada ecológica. A aumentar a esperança de vida do nosso planeta e, quem sabe, a salvar o mundo.
A Zouri está disponível online em www.zouri-shoes.com.
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