Vamos jogar ao “Adivinhem que figura pública não aparece retratada nas paredes de A Cozinha do Manel?” Eu faço de Fernando Mendes, campeão de concursos sem preço e de galerias de fotos de restaurantes (presente também neste, obviamente). Vou dando umas ajudas.
Pensem numa grande figura do Porto.
- Pinto da Costa? Rui Moreira?
Não acertou. Ambos estão em fotos nas paredes deste magnífico restaurante do Bonfim. Ok, agora uma personalidade do jet set mas que também se assuma como um intelectual.
- Margarida Rebelo Pinto?
Errado. Aparecem logo no corredor da entrada. Apontemos então para cima, primeiros- ministros?
- Sócrates. Sócrates não pode lá ter ido e muito menos ter sido lá fotografado. A Cozinha do Manel não tem pratos italianos e a conta não ultrapassa os 100 euros.
Está enganado. Aparece em várias fotografias.
Fim de concurso. Venha a comida.
Não tenho uma teoria definitiva sobre restaurantes com clientes notáveis emoldurados. Mas há um padrão. De uma forma genérica, podemos dizer que o receituário das casas com fotos nas paredes é tradicional português. Não é diferente aqui, com a culinária portuense e nortenha a dominar a carta. A uma quinta-feira, os dois pratos que mais saíam ao almoço eram a vitela assada e as tripas. A vitela, uma peça do nispo, no joelho, tinha sido temperada de véspera e estava perfeita. Nem demasiado avinhada e alhada, nem monótona, a capa dourada da assadura em forno a lenha, por dentro a carne a desfazer-se. Hei-de lembrar-me dela por muito tempo e do arroz de forno que a acompanhou. As tripas ficaram uns furos abaixo, leve aroma a queimado, demasiadas tripas e demasiado grandes para o acompanhamento.
Penitenciei-me por não conseguir já ir aos medalhões de novilho nem ter experimentado o cabrito assado, de grande fama. Nos doces, provaram-se as rabanadas e não podia ter sido melhor escolha: fritas sem serem gordurosas, por cima abóbora, figo e pinhão – um luxo.
Mas há outras características dos restaurantes que expõem os seus clientes-personalidades. Por exemplo, são sítios onde uma refeição pode custar menos de 20 euros mas há carros à porta que ultrapassam os 200 mil. Passa-se o mesmo aqui: os preços foram muito razoáveis, com pratos a 10 euros ou menos e, logo à entrada, estava estacionado um Ferrari 458.
É também óbvio que a maioria são restaurantes com pessoal e proprietários de origens humildes (pessoas sofisticadas têm pudor em pedir aos clientes para interromperem o carpaccio, limparem os beiços e posarem para a foto). Também confere com A Cozinha do Manel.
A decoração, por sua vez, não usa normalmente dos serviços de arquitectos e designers de interiores com avenças na Baixa. Embora por vezes se vejam remodelações opíparas, impera o tradicional, uma ou outra alfaia agrícola, quadros de naturezas mortas, uma paisagem campestre. A aposta n’O Manel foi manter a traça, azulejos, paredes graníticas, madeiras escuras, uma casa antiga mas bem posta.
Outra coincidência é o pão.
Não vai encontrar pãezinhos em restaurantes com galerias de notáveis. N’O Manel, há uma broa que chega praticamente todos os dias de Avintes e que vem húmida como poucas, excelente para acompanhar a morcela, assada em rodelas de cinco centímetros de altura e polvilhada de cominhos.
Enfim, pensando bem, talvez tenha uma teoria sobre isto. Restaurantes com notáveis nas paredes têm boa cozinha tradicional portuguesa.
Check.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.