Num cenário tão desastroso, há coisas positivas a retirar?
Rui Sanches (RS): Sim. A resiliência e a capacidade de reinvenção. Não apenas do sector, de toda a sociedade. A restauração é dinâmica e tem um potencial de crescimento e reinvenção grandes.
Ricardo Rodrigues (RR): Por um lado, considero uma mais-valia sermos um grupo com 97% de consumidores portugueses; por outro, percebi que estávamos muito focados em agarrar nichos de mercado e não posso garantir que, no futuro, restaurantes como churrasqueiras ou pizzarias não possam fazer parte da nossa estrutura.
A cena gastronómica em Portugal estava em crescimento exponencial. O que vai acontecer agora?
RS: A curto prazo vai haver um impacto grande. Infelizmente acredito que muitas centenas de restaurantes pelo país irão fechar. Mas o crescimento vai voltar e mais cedo do que se espera. Algumas tendências vão extinguir-se mais rapidamente do que se previa, mas outras irão aparecer.
RR: Acho que o arranque vai ser difícil. Nós [empresários] estávamos induzidos em optimismo, estávamos com uma grande taxa de turismo em Portugal e o próprio Governo incentivava esse investimento.
Enquanto o turismo não retoma, como se faz a reaproximação ao público português?
RS: Estamos a considerar adaptar menus e produtos. O caminho sustentável e desafiante nos próximos tempos é o de uma redescoberta de raízes e da ideia de proximidade.
RR: Acho que grande parte dos restaurantes vão ter que se reajustar, principalmente no serviço. Precisamos daquele calor humano da restauração de antigamente.
Consegue contabilizar as perdas de funcionários e de lucro total?
RS: Ainda não estamos em condições de fazer contabilizações. Estamos a trabalhar para contrariar este momento de crise e para garantir a manutenção do máximo de postos de trabalho. Mas, em termos de prejuízo, podemos apontar já para uma perda de dois meses de facturação até agora.
RR: Eu nunca recorri à banca para abrir um restaurante e neste momento, para cobrir as minhas necessidades e preparar o futuro, vi-me obrigado a fazê-lo. Fizemos um cálculo a dois meses e estamos a falar numa perda na casa dos 800 mil euros. E tinha outra grande mais-valia que eram os casamentos. Este ano íamos fazer 90 casamentos na Quinta do Avesso.
Há alguma maneira de o take-away e as entregas ao domicílio conseguirem reproduzir a experiência de uma ida a um restaurante?
RS: São experiências totalmente diferentes. Enquanto empresário, vejo um grande potencial nestas duas formas e é necessário que existam. Enquanto restaurateur, sei que a experiência gastronómica num restaurante é insubstituível.
RR: Não há comparação. Há casos mais fáceis, como o Terminal 4450 e a Sushiaria, mas no caso da Esquina do Avesso e do Fava Tonka, é muito difícil. É a decoração, é o serviço, é a vertente trendy. Nada disso consegue ser replicado em casa.
Até quando pretende manter esse modelo de negócio nos restaurantes?
RS: Este modelo de negócio veio para ficar. Não sou eu que o digo, são os dados, o comportamento do cliente.
RR: Vamos manter. Não é um volume de negócio inacreditável, mas está a permitir-nos estar mais próximos do consumidor e vai equilibrar um pouco as contas.
Na sua opinião, qual será o restaurante mais fácil de voltar à normalidade e qual será o mais difícil?
RS: Os restaurantes de casual e fine dining são os mais difíceis. Requerem uma maior adaptação operacional. Nesta fase inicial começaremos por alguns restaurantes de rua, também porque os centros comerciais ainda não têm permissão para abrir.
RR: Acho que o Terminal 4450 terá mais facilidade em aparecer porque é um espaço grande, em que as pessoas respiram e consegues sentir esse distanciamento. No caso da Esquina do Avesso e do Fava Tonka vão ser processos mais vagarosos, e em relação à Sushiaria, estou curioso.
Os restaurantes de fine dining poderão continuar a oferecer a mesma experiência ao cliente?
RS: Como todos os restaurantes, vão ter de se adaptar a uma nova realidade social e económica. Ainda não conseguimos prever com exactidão o impacto total nem o comportamento dos clientes após o levantamento das restrições, mas afectará bastante os restaurantes de topo, muito ligados ao turismo e a um público estrangeiro. Mas vai ser possível continuar a oferecer experiências gastronómicas elevadas, sempre dentro das configurações impostas por uma nova realidade.
Quais os apoios estatais que são necessários nesta altura?
RS: As medidas que o governo implementou foram úteis numa primeira fase. No cenário de uma recuperação mais difícil a longo prazo, seria desejável um pacote de medidas que se prolongue por um tempo mais alargado. A restauração é um dos principais empregadores nacionais e, mesmo com um regresso à circulação, vai continuar a ser largamente prejudicado pelas necessárias restrições de saúde pública. São necessários apoios com as rendas e contratos, tanto nos restaurantes de rua como de centro comercial, incentivos a fundo perdido para auxiliar a tesouraria dos restaurantes, prolongamento dos períodos de lay-off durante o período de constrangimento da lotação dos restaurantes, um alívio da carga fiscal mediante revisão das taxas de IVA e um reforço das linhas de crédito de apoio à Economia Covid-19, parecem-me ser os apoios mais urgentes para o sector.
Como ficam os projectos que estavam previstos abrir antes disto?
RS: Vamos continuar a trabalhar neles, repensando várias questões. É um panorama totalmente diferente. Mas vão acontecer.
RR: Tenho muita pena de não ter conseguido abrir o La Dolorosa [restaurante mexicano com abertura prevista para o Outono] antes disto tudo, mas as obras estão a decorrer.