A minha mãe acha que eu ainda tenho 15 anos. Liga-me meia dúzia de vezes durante o dia a perguntar se tomei o pequeno-almoço, se comi bem ao almoço, o que é que vou jantar e se trinquei qualquer coisa a meio da tarde, para não me dar a fraqueza. Numa destas semanas ligou-me a avisar que andava pelo Porto, às compras, atrás de uma gravata para o meu pai.
“Anda, que eu pago-te o almoço”, disse, chantagista.
Encontrei-a minutos depois, sentada num banco da Praça Carlos Alberto, cheia de sacos enfiados nos braços. Da gravata do meu pai, nem sinal.
Fomos até à Adega do Carregal, na Baixa, a poucos metros dali. Uma adega como se quer, com um atendimento caloroso e uma decoração tradicional. As paredes são de pedra, as vigas de madeira do tecto estão à vista, e têm murais de azulejos que retratam o universo das vindimas, com homens de calças arregaçadas até meio da coxa a pisar uvas. Em cima da mesa, umas peneiras substituem os cestos de pão, de onde fui retirando pedaços de broa.
“Posta de novilho à transmontana ou arroz de sarrabulho?”, pergunta-me.
“Eu quero o polvo cozido com molho verde...”, respondo.
“Ok, então para mim pode ser um bitoque.”
O meu polvo era gordo, de grossas pernas cheias de carne, quase impossíveis de enfiar na boca (15€). Vinha carregado de cebola e de salsa, que me vi obrigada a empurrar para o lado, correndo o risco de ficar com um bafo insuportável. Ao lado, quatro meias batatas cozidas nadavam em azeite. Estava bom. A minha mãe não teve tanta sorte. A carne do bitoque não era má, disse, mas queixou-se, enquanto remexia infeliz no prato, que as batatas fritas eram congeladas (8€). A tristeza acalmou quando lhe trouxeram um prato de arroz e desapareceu quando lhe pedi uma fatia de bolo de bolacha.
“Ai, adoro bolo de bolacha. Já não como há anos”.
Esta ultima frase é mentira, garanto-vos. Mas faço uma vénia a esse remate perfeito, feito com bolachas embebidas em café, barradas com uma pasta de manteiga fresca e com pedacinhos de amendoim torrado com açúcar por cima (2,50€).
A meio da tarde voltou-me a ligar. Não para o follow up alimentar do costume, mas para lhe comprar a gravata da qual se tinha esquecido.
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