Eu bem tento ser um homem elegante. Encostado a uma das laterais do guarda-roupa há um fato que todos os dias me desafia: “Quando é que me voltas a vestir, seu gordo?”. Há uns dias enchi-me de coragem e enfiei-me dentro dele. A minha mulher perdeu-se de riso e, antes que tivesse oportunidade de me tornar num alvo da sua chacota, convidei-a para jantar. E a Rita, habituada a ver-me sempre mal-amanhado, nem se importou de sair à rua com um boneco da Michelin.
Arranjei estacionamento à porta do Almeja numa sexta-feira à noite (estava com uma sorte dos diabos), mas o casaco apertado restringia-me os movimentos, pelo que só à terceira tentativa é que consegui enfiar o carro no lugar. Uma fila de condutores impacientes e invejosos atrás de mim chamava-me nomes feios. Nada que abalasse a minha confiança, ainda assim.
Entrámos no bonito espaço de casual fine dining de João Cura, um jovem chef de Coimbra, com passagens por restaurantes de Barcelona. As expectativas eram altas e sempre que assim é ponho-me nas mãos do chef. Escolhi, portanto, o menu de degustação (55€).
Primeiro, os snacks. Uma madalena de linguiça com gel de maçã. A contraposição de sabores não me convenceu. O bolo estava demasiado doce e o salgado do enchido pouco se sentiu. Depois, uma espécie de torresmo de bacalhau com alho negro, este último, adocicado, era o elemento mais interessante do conjunto. O alho-negro é um ingrediente fabuloso, tenho-o sempre na despensa, apesar de a dona Odete, que me trata das lides domésticas, os mandar sempre para o lixo. De nada adianta dizer-lhe que é uma cena gourmet.
O terceiro e último snack foi o mais surpreendente. Uma chamuça de vegetais com especiarias, levava açúcar e canela sobre a massa estaladiça. Uma viagem entre a Índia e o Natal. Assim, sim.
Segue-se o momento do pão, uma moda dos restaurantes com menus de degustação. O pão de mistura caseiro, feito com massa-mãe e levedado lentamente, era acompanhado por um bom azeite alentejano acidulado e uma manteiga cremosa polvilhada com leite em pó.
Entretanto chega uma entrada composta por ervilhas levemente escaldadas para manter a crocância, num óptimo caldo salgado feito com a casca da ervilha, mais gema de ovo curada e uma atractiva flor de alho que quando apertada entre os dentes revelava um sabor levemente picante. Em seguida, o arroz negro, estrela do prato, cozinhado no ponto, tal como o peixe branco e o lingueirão, e rematado por pés de salicórnia. E mais um copo de Riesling. O serviço, atencioso e informado, passava quase despercebido. E isso é bom.
A Rita ria-se das minhas piadas quando aterrou na mesa uma presa de porco bísaro em molho de cabidela. Tudo muito bem feito, cozinhado by the book, dir-se-ia, mas lamentei a falta de alguma diversão em toda a refeição. Em poucos meses, o Almeja conquistou um lugar entre os melhores restaurantes do Porto, por isso há que pisar mais o risco, ser mais arrojado.
Uma pré-sobremesa à base de granizado de clementina e ovo preparou terreno para o banoffee, uma festa que reuniu na boca um bolo de banana, uma bola de gelado e crème fraîche, tudo regado com um delicioso molho Butterscotch, carregado de manteiga e açúcar. A noite correu bem. A Rita gostou da comida (e do fato). E eu dei-me ainda melhor do que estava à espera.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.