Anda aí uma certa empresa nórdica a pagar formações fora de Portugal, desde o final do ano passado, a conceituados chefs da nossa praça, alguns deles até estrelados. O objectivo é tentar criar hábitos de consumo com o bacalhau fresco. Pessoalmente, acho-o muito pouco interessante e sensaborão. Mas, à parte os gostos pessoais, só não está a deixar mais mazelas às tradicionais empresas de bacalhau, que tantas famílias sustentam, porque felizmente os portugueses não estão a aderir a essa moda.
Este Bacalhau, que fica, quem diria, no Muro dos Bacalhoeiros, na Ribeira, apela à portugalidade e é também uma loja de vinhos, azeites e queijos. Tem três mesas no exterior, com vistas magníficas sobre o rio e mais meia dúzia delas no interior. Mesas de madeira, copos apenas razoáveis para quem assume a atitude vínica do espaço e mobiliário em madeira clara a fazer lembrar uma mercearia.
Fazendo de conta que não vi o bacalhau fresco na lista, iniciamos com os petiscos. Abriu o queijo gratinado com compota de pimentos. O queijo era de vaca, tipo merendeira, tinha sabor muito neutro, sem raça e que apenas compensava com uma deliciosa compota de pimento verde e vermelho, com canela e doçura no ponto. Fosse o queijo mais espevitado e faria um bom contraste.
As línguas de bacalhau vinham envoltas num polme muito fofo e estaladiço, mas estavam demolhadas em demasia e tinham pouca gelatina. Pousavam num agradável molho com abóbora, pimento, toque de vinagre, pó de azeitona e salsa. Foi pena.
Nos principais, pedi umas originais tripas de bacalhau à moda do Porto. Feita com os sames (ou samos) do bacalhau em salmoura e posteriormente demolhados, partes menos nobres e que raramente vemos nos nossos restaurantes, excepção feita à zona de Aveiro e Costa Nova, com bom chouriço, cenoura, feijão branco, salsa e polpa de tomate a fazer um molho espesso e saboroso. Estava bem apurada, com os sabores da terra e do mar em plena sintonia. Acompanhava um empapado arroz branco, tipo “unidos venceremos”. Não havia necessidade, pois um arroz solto e seco qualquer um sabe fazer.
A ideia da posta de bacalhau com frutos secos era interessante, não fosse a fraca qualidade do bacalhau. Bacalhau “de pacote”, posta pequena, palhudo, excessivamente demolhado e sem qualquer gelatina entre as lascas. Já não há muito mais a dizer a não ser que a cobertura dos frutos secos,alembrarobacalhaucom broa, com a avelã e alho a sobressair, estava muito interessante, pois era crocante e tinha azeite de muito boa qualidade.
Nas sobremesas, fomos para o queijo com figo. Vinha com queijo da Ilha que cobria o figo em compota, servido inteiro e ao qual faltava doçura. Mais uma vez, era importante um reforço no açúcar para melhor contrastar com o salgado do queijo de São Jorge. Comia-se com algum agrado. Melhor estava o gelado de ovos-moles, com estes na consistência perfeita, que envolviam numa cama de frutos secos e que levavam alegria à boca em cada colherada de gelado de baunilha.
O serviço é pouco conhecedor e timidamente agradável.
Neste terceiro projecto do simpático engenheiro Civil Pupo Lameiras, que virou cozinheiro, ainda há muito a afinar na matéria-prima, para que este bacalhau não seja apenas codfish para turista.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.