Às sextas-feiras à noite temos um acordo. Fingimos que somos namorados outra vez e saímos para jantar. Enquanto trato da barba, a Rita faz uma trança. Enquanto ela escolhe o vestido, eu tento não ir para a rua com um sapato de cada nação.
Desta vez fomos ao Bao’s – Taiwanese Burger, na Rua de Cedofeita, especializado em baos, uns pãezinhos taiwaneses recheados e cozinhados a vapor. Temos este fraquinho pela comida asiática. Desde o início. Conheci-a num restaurante em Lisboa de pho, que se dedica a preparar robustas sopas vietnamitas. Lembro-me como se fosse hoje. Às 22:45 uma funcionária começou a reclamar com a Rita, que sorvia, graciosa e afogueada por causa do picante, a sua sopa numa mesa ao lado da minha. A mulher batia com o indicador no pulso, avisando carrancuda que o restaurante estava a fechar e que ela precisava de comer mais depressa. Às 22:47, a Rita mandava a mulher dar uma curva enquanto mastigava, insolente, uma almôndega. A discussão escalou rápido. O meu amor por ela também.
No Bao’s ficámos lado a lado, outra vez, mas sem mesas a separar-nos os beijos ou as conversas, e sem empregados mal-humorados a cortarem-nos o clima. Aqui, o atendimento foi rápido e atencioso.
À janela do restaurante, sentados em bancos altos e com as pernas a balançar, mandámos vir praticamente tudo o que havia. Não demorámos a encontrar dois grandes vencedores. O Gua bao, tradicional, vinha recheado com uma suculenta barriga de porco cozinhada a baixa temperatura. A carne era húmida e adocicada, e a doçura era cortada pela frescura dos coentros e pelo travo salgado do pickle caseiro. A envolvê-la havia ainda pedaços de amendoins torrados que conferiam textura à sandes. Note-se que o pão que agregava tudo isto e que apesar de ainda ser importado de Taiwan (espero que um dia o consigam fazer de raiz no espaço) era fofo e doce.
Depois, um incrível bao de frango, que nos levou das bancas de street food de Taipé a Nova York em duas dentadas. A carne tenra e saborosa tinha também uma camada estaladiça de amendoim, um toque de coentros, e alface Iceberg a acompanhar.
Fiquei satisfeito e mais do que isso, feliz. Há boa street food a acontecer no Porto. Não menos dignos de elogios são o pulled pork bao e o de nugget de bacalhau. Apesar de os ingredientes principais estarem ligeiramente cozinhados demais, o resto funcionou bem. O primeiro, com carne de porco desfiada, tinha um bom coleslaw com uma gema curada; no segundo, o peixe era envolvido por um molho aioli que criava uma boa combinação de sabores.
Concordámos também que tanto o bao de caranguejo de casca mole, como o de tofu crocante (um pouco doce demais por causa do chutney de manga e das chalotas caramelizadas), saíram a ganhar por conta do pickle agridoce de daikon, uma espécie de cruzamento entre o rabanete e o nabo, que equilibrava a composição.
Umas boas chips de mandioca acompanharam, durante a refeição, uma sidra de Taiwan e um bubble tea, o chá típico de manga com infusão de jasmim, que trazia umas bolhas de gelatina que volta e meia subiam pelo canudo e estouravam na boca numa explosão de sabor. Fizerem na língua o que a Rita me fez com a vida.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.