No meu imaginário, e na minha reduzida experiência de restaurantes 100% argentinos (alguns numa curta passagem por Buenos Aires), pensar num restaurante de alma argentina leva-me de imediato para dois cenários: um sítio grande, em estilo de barracão, com madeiras escuras – calma, não estou em delírio a pensar no Chimarrão – e em grelhas à vista dos clientes, com muitos homens à volta, legumes lado a lado com carnes e salsichas, o lume bem quente.
Talvez seja estúpido, talvez só aconteça comigo (ou há por aí algum leitor que me acompanhe nesta panca?), mas onde quero chegar é a um só ponto: esperava tudo deste luso-argentino, tudo menos umas mesas de madeira amorosas, com almofadas igualmente amorosas, pequeninos jarros de flores a enfeitar algumas prateleiras, uma micro-esplanada (óptima, note-se), a respirar a palavra amoroso por todo o lado. Nada contra as opções decorativas do Belos Aires. Gostei bastante do espaço e do ambiente. Só esperava outra coisa.
Assim como esperava outra coisa da comida. Por mais que tente, acabo sempre por sentir um pequeno desconforto quando me dizem “olha Francisco, abriu um luso-japonês, um luso-argentino, um italo-japonês”. Fico sempre com a ideia de que, nestes casos, menos é mais – até acho que me estou a repetir, que já terei tocado neste assunto em tempos e, se assim foi, peço desculpa. Bom, mas no caso fui com as expectativas em baixo.
Mal cheguei, fui surpreendido por uma equipa simpática e um chef de cozinha argentino falador, que em 10 segundos me resumiu a vida: apaixonei-me por uma portuguesa, vim para cá atrás dela e abrimos um restaurante com as duas gastronomias. A cozinha, à vista dos clientes, ajuda a ver (e a conversar) com o chef. E pronto, lá vislumbrei a grelha com o lume quente. Ufa.
Para começar, o couvert com um pão banal, para molhar em azeite com sal e uma excelente – e original em couverts – brandade de bacalhau com cebola, puré de batata e coentros. Muito leve, tudo bem desfeito, mas a deixar notar alguns pedaços de bacalhau saboroso. E devo contar que, daqui em diante, só andei pela América do Sul – não é todos os dias que abre um argentino no Porto.
Vieram duas empanadas feitas com massa caseira, ligeiramente queimada nas pontas. Mas nem isso apagou os belíssimos recheios. A criolla trazia pequenos pedaços de novilho, passas, cominhos e pimentão doce, uma mistura forte que explodia na boca depois de ser mergulhada no molho picante. A de queijo trazia um provolone com cebola e manjericão, também a casar bem com o molho.
Veio de seguida um chouriço criollo e morcela com chipa guazu e tomate seco. Trocado por portuguesismos, um chouriço bom e uma morcela com um topping picante, muito gulosos, com uma deliciosa minitortilha de milho com queijo derretido no interior a equilibrar bem o picante dos enchidos.
So far so good. Vieram depois os dois nacos de carne, temperados com sal, muito bem passados por fora, com uma boa selagem, muito mal passados no interior. Um ojo de bife com alguma gordura nas extremidades, mas ainda assim muito bom e um bife de chorizo divinal, muito tenro. Três molhos acompanharam as carnes: o barbecue, o criollo, com azeite, alho e orégãos e o obrigatório chimichurri, muito bem apurado. Boa a salada de verdes, tomate e cenoura laminada, menos boa a polenta, que apesar de ter saído do forno esfriou rapidamente e se tornou num puré rijo com pouco interesse.
Para fechar, panquecas de doce de leite com chantilly de cacau. São, na realidade, uns crepes fininhos, com um óptimo doce de leite no interior (vem da Argentina), o açúcar a ser cortado pelo ligeiro amargo do cacau. O único problema foi virem quase frias. E eu que esperava por um morninho para aquecer o fim de noite – tive que ir buscá-lo ao vinho.
Nota positiva para a carta de vinhos, com referências argentinas a preços bons. E nota positiva para o Belos Aires. Apesar de se pagar bem a carne, 18€ o ojo e 20€ o bife, o que faz disparar logo a conta, tudo o resto tem um preço acessível. Foram 35€ por pessoa, com entradas, um óptimo vinho argentino, carnes e sobremesa. Não está mal.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.