Corro o risco de ser preso, de ficar com um termo de identidade e residência, com uma pulseira electrónica no pé, ou pior, de levar com uma medida cautelar de afastamento e de me ver obrigado a dar uma distância mínima de 500 metros sempre que passar por um dos seus restaurantes. O chef Miguel Castro e Silva não sabe, mas tem um stalker, vai já para muitos anos.
Dos tempos do Bull & Bear, aqui no Porto, onde fui quando era ainda um jovem de barba rala, aos seus espaços em Lisboa, já com uma pilosidade facial mais aceitável no mundo dos negócios, segui-o. Foi ele que me fez gostar de favas e cheguei a levar para casa algumas das suas criações em vácuo cozinhadas a baixa temperatura, das quais foi pioneiro em Portugal. Por isso, se o Miguel tivesse uma banda, eu era uma groupie e pedia-lhe para me fazer um filho.
Quando me avisaram que voltava à Invicta, emocionei-me. Fiz o favor de esperar os três meses da praxe para que um restaurante ponha a sua máquina bem oleada e fiz-me ao caminho. Neste novo projecto na Ribeira, com vista para o Douro, numa guest house do grupo de vinhos Gran Cruz – com quem também colabora no seu DeCastro Gaia – aliou-se a José Miguel Guedes, o chef que comandou esta belíssima refeição.
Pedimos o menu de degustação Casario com sete momentos (58€) e uma harmonização de cinco vinhos reserva (22€). Há na comida do Miguel um cunho muito próprio, muito autêntico: o de cozinhar com produtos locais e sazonais, com sabores reminiscentes mas técnicas de alta cozinha. Era como se o Bocuse me cozinhasse um prato da minha avó.
Um pão de azeite caseiro, fatias de broa de Avintes, manteiga dos Açores e azeite serviram de preâmbulo a umas fatias de robalo servido à temperatura ambiente. Vinham marinadas em azeite e limão, com funcho, cebolinho e (demasiada) flor de sal que puxou bem pelo vinho que as acompanhava, um branco Malvasia Fina, também da Quinta do Ventozelo, de onde era a grande maioria dos vinhos servidos nessa noite. Um pouco mais de frescura não ficava mal. Seguiu-se uma incrível lula, muito tenra e fresca, que cozinhou durante 30 segundos num caldo fumado de peixe e cogumelos. Apreciou-se com um Viosinho da mesma casa. Depois, um arroz caldoso (como o MCS sabe tão bem fazer) de rúcula, opulento na boca, mas com uns berbigões que passavam despercebidos e pouco acrescentavam.
Entretanto, os pesos pesados: o Bacalhau como à Gomes de Sá, uma desconstrução do típico prato portuense, e um novilho com puré de tubérculos. O bacalhau, cozinhado lindamente, entre o cru e o cozido, desfazia-se em lascas sob uma emulsão de azeite. À parte, as batatas, o ovo e a azeitona desidratada. Muito agradável, assim como o Douro Azul que complementou o prato, um vinho de várias castas, ainda da Quinta do Ventozelo. A carne chegou à mesa rosada e tenra, bem selada e com flor de sal. Nadava num molho obtido com a ajuda de um Porto Dalva de 1997, bastante licoroso (que mais tarde foi servido com uma das sobremesas. Aplaudi a ligação). Ao lado, um puré adocicado feito com cherovia e raiz de aipo, cogumelos boletos e trompetas da morte. E um gole num Dalva Reserva. Muito bom.
A passagem do salgado para o doce foi brilhantemente conseguida através de um crocante açucarado, recheado com um creme gordo de queijo da Serra da Estrela, e equilibrado pelo sorvete de frutos vermelhos (aqui, um Quinta do Ventozelo vintage). A refeição terminou com um creme de manteiga sobre uma bolacha de café e um fresquíssimo gelado de café. Miguel tem anos de experiência. Rege-se pelos cânones, faz a coisa bem feita, não arrisca, joga pelo seguro, mas nunca de desilude. Óptimas qualidades de pai, diria. Miguel, já sabes o que quero.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.