É indiferente o que se pensa sobre as medidas de combate à pandemia, se são ou não adequadas; as indecisões, os ziguezagues. É indiferente porque o mal está feito e é anterior a qualquer resolução do Conselho de Ministros: a pandemia está a ser implacável com a restauração, desde logo porque o sector estava a crescer alavancado em particular pelos inebriantes números do turismo em Portugal – e o turismo há meses que está em suspenso. O pouco que dele se viu no Verão foi insuficiente, mesmo se para algumas casas o mês de Agosto foi melhor este ano do que no anterior. Estávamos fartos de estar em casa. Desconfinámos, fomos, gastámos. Mas nada que salve este ano da desgraça. Bastou os novos casos de Covid-19 aumentarem para a clientela se retrair. O Governo chegou a promover as idas dos portugueses aos restaurantes, e houve até quem encarasse esse encargo como uma obrigação moral, tendo em vista a sobrevivência destes negócios. Dever ou não, tal como Bartleby, há uma maioria silenciosa que prefere não o fazer. Resguarda-se. O teletrabalho não ajuda, deixando as salas de almoço para as moscas. As ajudas públicas em vigor, diz o sector, não são suficientes. Talvez mais grave do que isso seja a impossibilidade de se planear para além do curtíssimo prazo. Como será o Natal e a passagem de ano? Boa pergunta.
“O panorama neste momento está negro. Falando em restauração clássica, os restaurantes estão sem clientes. Não estamos só a falar de uma questão de normas ou directrizes governamentais, mas estamos a falar da população que deixou de ir a restaurantes. E sem clientes o propósito do nosso trabalho fica vazio”, diz Sérgio Cambas, o empresário por detrás d’O Paparico e das cervejarias Brasão, no Porto. O vizinho Rui Paula, chef da Casa de Chá da Boa Nova (duas estrelas Michelin), do DOP e do DOC, corrobora: “Está um terror. Para ter uma noção em percentagem, posso-lhe dizer que está com quebras de facturação de 75% nos restaurantes. É um problema grave. Há um dia em que se trabalha e dois dias em que não se faz nada. Já houve dias de zero clientes, tanto ao almoço como ao jantar. É uma desgraça.”
Em Lisboa, Marlene Vieira abriu em contracorrente o seu Zunzum Gastrobar, em Julho. “O panorama era negro e tivemos a casa cheia, dentro dos 50% permitidos, e foi óptimo. Tínhamos a perspectiva de que nem estava a correr assim tão mal. Já vínhamos com perdas grandes, mas quando abrimos a esperança renasceu. E não estávamos atentos ao que acontecia à nossa volta. Isso não era o que estava a acontecer em alguns espaços. O cenário era negro em muitos outros sítios. Agora, com as novas medidas de fechar ao fim-de-semana e com o fim do Verão, as coisas mudaram um bocadinho”, nota. “Neste momento, os restaurantes que estão fora das zonas residenciais sofrem muito. E os restaurantes nas zonas de bairro estão a beneficiar muito. As pessoas estão mais concentradas num sítio, portanto não dá para todos.”
“A fase que estamos a atravessar é complicada”, acrescenta José Paulo Rocha, d’O Velho Eurico. “Não tem sido muito fácil, principalmente a fechar aos fins-de-semana e a ter de fechar às 22.30 durante a semana. Tornou a facturação da noite quase nula. A facturação baixou para metade, vá.” O Velho Eurico é, apesar do nome, novo. O Solar dos Presuntos é uma instituição, estando de portas abertas desde 1974. O proprietário, Pedro Cardoso, garante que sem a “folga financeira” amealhada ao longo de todos estes anos, estariam perdidos. “Se não fosse isso, estaríamos sem saber o que fazer.”
A falta que o turismo faz
“Estamos no centro nevrálgico de Lisboa, onde a população que circula é turista. Estamos a passar um momento bastante difícil”, sublinha Pedro Cardoso. Para muitos restaurantes, tirar-lhes o turismo é puxar-lhes o tapete. “Estamos com quebras na ordem dos 55%, mas sou um homem feliz, porque continuo com o restaurante composto ao almoço e ao jantar e para mim é uma vitória tremenda.” O Solar dos Presuntos fica numa paralela à Avenida da Liberdade, O Velho Eurico na Mouraria, a caminho do Castelo. Também sentiu esse impacto. “Uma coisa que notámos bastante depois do primeiro confinamento foi que ganhámos bastantes clientes locais. Algo que não tínhamos antes”, revela José Paulo Rocha. “Baixámos os preços, aumentámos as doses, e baixámos o preço da cerveja, que foi muito importante.”
Não houve antecipação aos problemas. Não podemos pôr gasolina em cima do Estado. Tivemos a nossa quota-parte de culpa. Não é com o take-away que um restaurante se vai salvar, nem é ao fim-de-semana.
Pedro Cardoso, empresário
“O turismo faz falta à cidade num todo”, avalia Sérgio Cambas, a partir do Porto. “Sou um defensor do turismo: torna a cidade mais divertida, estimula o investimento e a diversificação de projectos.” Rui Paula acrescenta que “todas as empresas começaram a gravitar à volta do turismo. Os investimentos que fizeram, as remodelações, o aumento de equipas. As equipas são redimensionadas para a dimensão do turismo”. O chef vai ao encontro de Pedro Cardoso, que identifica como o maior dos desafios a manutenção dos postos de trabalho. “Temos de manter as pessoas que sempre nos acompanharam. Temos que honrar os nossos compromissos”, afirma. “Mantenho a minha equipa na íntegra e estou a renovar contratos de trabalho que terminavam nesta altura. Tenho um funcionário que teve uma criança há dois meses e não me sinto moralmente com capacidade para não renovar o contrato a um funcionário nessa situação. Tenho outro que a mulher foi despedida e que ele está sozinho a trabalhar para a casa. Eu nesta altura não posso olhar só para o meu umbigo, tenho de ajudar as pessoas que estão comigo.”
As grandes despesas
“É nas rendas e no staff [nos salários] que isto tem que ser mexido. Resta é saber como”, indica Rui Paula. “Eu sei que isto é difícil para toda a gente mas também sei que, se vem dinheiro da Europa, é preciso que seja bem aplicado. Têm que estudar isso bem estudado mas é preciso fazê-lo para ontem.” O chef dá valores e oferece soluções: “No DOP pago praticamente 5000€ de renda. Diga-me como pago isso. Tem que haver um compromisso entre o Governo, o empresário e o senhorio e a partir daí distribui-se uma percentagem. No Canadá, por exemplo, são 50% governo, 25% empresário e 25% senhorio. Consegui uma baixa na Casa de Chá da Boa Nova porque o senhorio tem sensibilidade. Quando os senhorios não têm sensibilidade têm que ser chamados à atenção pelo Governo.” Mas é nos ordenados que está a fatia de leão para os projectos de Rui Paula. “Os ordenados passam os 100 mil euros. Embora o ano esteja perdido, aguentei isto tudo e não despedi. Mas outra vaga destas ninguém aguenta. Impossível. Ou há ajudas ou temos que despedir. Entre salvar o negócio e não despedir ninguém, nós temos que escolher”. “Tenho dias em que não pago um funcionário por estar aberto. E depois há rendas, água, luz, IVA, TSU.” Em poucos meses, Marlene Vieira já começou a dispensar trabalhadores: “Quando há uma quebra de 60% é impossível. Um avião com o motor a 40% o que faz? Vai largando peso.”
Se calhar o IVA não baixa porque há um desequilíbrio muito grande, há uns que pagam e outros que não. Na restauração há pouca fiscalização. São falhas burocráticas que não vêm de hoje. E torna tudo pior agora.
Marlene Vieira, chef e proprietária
Os senhorios, infere Sérgio Cambas, estão à espera de que seja o Governo a dar o primeiro passo. “Estão um pouco inflexíveis nesta fase porque estão na expectativa de terem algum apoio. O peso das rendas é importante, principalmente na Baixa [do Porto], que teve um período de inflação um pouco descabido. E acredito que em algum momento esses valores terão que ser normalizados até haver uma retoma.” Pedro Cardoso vê nessa espera um impasse – porque acredita que “o Governo não recebe feedback dos problemas que se passam na restauração”. O empresário aponta o dedo à AHRESP, que diz não estar a fazer o trabalho que lhe cabe. “Não temos nenhuma organização que represente o nosso sector. As pessoas atacam o Ljubomir [Stanisic, chef do 100 Maneiras, que tem sido um dos rostos da contestação no sector], mas ele não pode ser atacado. Só pode ser atacado pela forma como se expressa. A essência do discurso e o seu conteúdo estão lá. Ele sente que está a lutar completamente sozinho e que não tem o apoio que deveria ter da maior associação empresarial de turismo do país. O Governo recebe que informação dessa associação? Quando forem para as mesas de negociação olham para eles e nem os conhecem tão pouco. Esse é que é o grande problema até hoje.”
As ajudas públicas
“Não houve antecipação aos problemas. Não podemos pôr gasolina em cima do Estado. Tivemos a nossa quota-parte de culpa. Não é com o take-away que um restaurante se vai salvar. Não é ao fim-de-semana que o restaurante pode salvar-se. Tem de haver uma ajuda do Estado”, continua Pedro Cardoso. Elogiando a opção do Governo em basear pelo menos parte dos apoios no e-fatura, o dono do Solar dos Presuntos sublinha que “tem de haver uniformidade de critérios, tem de haver um valor para ressarcir por igual todos os restaurantes. Desde os mais pequenos aos maiores”. “Tem de se ajudar nos impostos, nos trabalhadores e em ressarcir as perdas. São as grandes áreas em que o Estado tem de intervir, mas tem de haver igualdade de tratamento. As despesas dos que facturam muito são muito maiores do que as dos que facturam pouco. Não é prejudicar os grandes em benefício dos pequenos.” Pedro Cardoso acusa a AHRESP de ignorar a realidade do mercado que representa. “As pessoas que falam com o Governo não sabem minimamente o que se passa no nosso sector. Não percebem minimamente do que estamos a falar. Não falam com ninguém e depois vêem que as leis não são passíveis de serem executadas. Os maiores grupos de restauração de Lisboa não foram ouvidos no processo de reabertura. É de uma prepotência inacreditável. Não posso culpar o Governo, tenho de culpar primeiro quem dizia que nos representa a todos nós, a AHRESP.”
Rui Paula concorda que “as empresas têm que ser ajudadas mediante o que pagam de impostos”. Esse é o centro da questão, refere Marlene Vieira: “As medidas já estão a ser tomadas para aqueles que têm tudo direitinho. Há muitos restaurantes que não cumprem na íntegra a facturação. Se calhar o IVA não baixa porque há um desequilíbrio muito grande, há uns que pagam e outros que não. Na restauração há pouca fiscalização. São falhas burocráticas que não vêm de hoje. E torna tudo pior agora.” Ainda assim, Sérgio Cambas contrapõe com uma prática dos tempos da monarquia, para advogar uma espécie de amnistia fiscal para este período de crise mais aguda. “É preciso alguma honestidade. Isto é, o Governo sabe que estamos sem clientes. Aquilo que peço e acho fundamental é que, já que sabem que não estamos a ter receita nenhuma, pelo menos que o Estado não produza receita sobre os nossos negócios nesta fase. Seja qual for a medida. Mesmo no tempo dos reis, só era imputado um custo de um campo ou de qualquer tipo de negócio quando havia uma receita”, atira o empresário do Porto.
Fugas para a frente
Quando a primeira vaga da pandemia pareceu esboroar-se, entre Maio e Junho, os restaurantes puderam reabrir as portas com inúmeras cautelas e obrigações de desinfecção e higiene. As esplanadas surgiram então como uma panaceia para todos os males relacionados com um coronavírus que convive pior com o ar livre. Mas era uma solução de encher o olho, mais do que os bolsos. “Há uns meses havia as esplanadas e os meus colegas pensaram que o negócio ia ser fantástico mas esqueceram-se que estavam a dois meses do Inverno”, diz Pedro Cardoso. “Há restaurantes com 200 lugares no interior e com esplanadas para 20 pessoas. Têm as esplanadas completamente cheias, mas lá dentro está deserto. Desabituaram as pessoas dos interiores”, observa. “Tudo o que seja modificar o que fizemos de bem anteriormente é um erro crasso que iremos pagar no futuro.” Sérgio Cambas, por seu lado, acredita que as esplanadas “são lugares onde continua a haver aglomerados”. “Sempre achei que, para fazer uma esplanada bonita e como deve ser, isso obriga a um investimento. Mas fazer um investimento e a esplanada ser mais um foco de contágio…”
É preciso alguma honestidade. O Governo sabe que estamos sem clientes. Aquilo que peço e acho fundamental é que, pelo menos, o Estado não produza receita sobre os nossos negócios nesta fase.
Sérgio Cambas, empresário
Antes (e depois) disso, os clientes viraram-se sobretudo para os serviços de entrega. Acreditavam que assim, além de continuarem a usufruir dos seus pratos favoritos, estavam a apoiar os restaurantes. Bom, mais ou menos. Intermediários como a Uber Eats e a Glovo, os maiores operadores nesse segmento, cobram comissões de 30 a 35% e emagrecem significativamente as margens de lucro. “Esse é um dos grandes erros e agora os meus colegas estão revoltados pelas taxas que essas empresas cobram, mas isso foram eles que permitiram. 30%, eu fico maluco quando vejo o desespero de colegas meus a darem 30%”, volta a atacar Pedro Cardoso. “Não é possível. Se desse 30% do valor final da minha factura a uma empresa, qual era a margem que tinha? Estamos a viver o veneno da serpente que andámos a criar. Agora queixam-se, mas o desespero leva muitas vezes a situações em que é complicado voltar atrás.” O Solar dos Presuntos tem o seu próprio serviço de entregas. N’O Velho Eurico, pondera-se fazer o mesmo. “É algo que estamos a pensar fazer. Vamos fazê-lo por nossa conta, acho que as plataformas são mais um entrave. Temos uma equipa de seis pessoas, não será difícil fazer as entregas em casa”, antecipa José Paulo Rocha.
A polémica estalou há cerca de duas semanas, quando a Deco Proteste acusou as duas plataformas de “abuso de poder”, tendo a Glovo respondido com a oferta de comissões a novos parceiros. A alternativa passa pelos próprios clientes irem buscar comida aos restaurantes, mas também isso não basta. “O negócio de take-away é simplesmente uma forma de adaptação e motivação das equipas porque, em boa verdade, representam 15% da facturação habitual. Se tens uma empresa que está a trabalhar para o 100%, depender pura e simplesmente do take-away é um desajuste tremendo em relação ao investimento. É um acessório, porque só isso não é suficiente para manter uma estrutura que está pensada para trabalhar a outra velocidade”, contemporiza Sérgio Cambas.
O medo dos clientes
A terceira via é, de facto, a original: comer nos restaurantes. Mas os clientes têm medo de entrar. Todos o notam. “O número de casos, os hospitais a abarrotar... tudo isto interfere psicologicamente com as pessoas”, segundo Rui Paula. “Entendo perfeitamente. Porque eu tenho que me pôr no lugar das pessoas que não têm restaurantes. Se eu não tivesse restaurantes também não ia tantas vezes.” José Paulo Rocha anui: “Nesta fase, vejo as pessoas a não quererem entrar. A querer ficar na esplanada. Coisa que há um mês não acontecia. Está a voltar ao que era depois de sairmos do confinamento. Sinto esse medo.” Não é um receio infundado. Mesmo cumprindo todas as regras, os restaurantes continuam a ser espaços fechados ou quase, onde pessoas de diferentes bolhas sociais se encontram durante o tempo de uma refeição, passando a maior parte do tempo sem máscara. Na pior fase desta segunda vaga, Alemanha e França, por exemplo, optaram por encerrar os restaurantes. Um recente artigo da Nature refere este e outros espaços (cafés, ginásios) como “hotspots” de contágio.
Nesta fase, vejo as pessoas a não quererem entrar. A querer ficar na esplanada. Coisa que há um mês não acontecia. Está a voltar ao que era depois de sairmos do confinamento. Sinto esse medo.
José Paulo Rocha, chef e proprietário
Em Portugal, apenas 2% dos contágios estão comprovadamente relacionados com o sector da restauração. O Solar dos Presuntos foi um dos poucos restaurantes com casos identificados (outros foram o Noélia, no Algarve, e o Museu do Arroz e a Ilha do Arroz, ambos na Comporta). Pedro Cardoso fala abertamente sobre isso: “Tivemos 16 casos. Não é nenhuma vergonha apanhar o vírus. [Divulgá-lo] era uma forma de encorajar os meus colegas para resolvermos as questões rapidamente e com bom senso. E perceber que esta é a única forma que temos de viver estes tempos”. “Eu só cumpro leis, mas ninguém vem para a rua ver se essas leis estão a ser cumpridas. Falo do nosso sector. Quem tem estabelecimentos tem de ser responsabilizado financeira e judicialmente.” Marlene Vieira afina pelo mesmo diapasão: falta fiscalização. “Há o pecador e o que não peca paga. Somos todos postos no mesmo saco e isso é que está errado. Falta muita fiscalização, há restaurantes lotados e é aí que as pessoas se estão a infectar.” A chef do Zunzum, que também tem um espaço em nome próprio no Time Out Market, diz que, “se se cumprir as regras, distanciamento das mesas e se houver o cuidado de se usar a máscara em circulação, não acontece. Onde acontece, a probabilidade é muito pequena”.
Os fantasmas do Natal e do Ano Novo
Ainda é muito cedo para falar sobre a quadra festiva do final do ano? No discurso oficial, sim; para a restauração, nem pensar. É tarde. “Andamos a navegar à vista”, reclama Rui Paula. “Se fosse num ano sem pandemia, a esta hora já tinha os restaurantes praticamente cheios para a passagem de ano. Neste momento, não tenho quase ninguém. Temos uma reserva paga a 50% e não sei se vai haver, se vai haver confinamento geral.” José Paulo Rocha nem pensa nisso. “Não dá para programar muito nesta altura do campeonato. Eu falo por mim: prefiro pensar semanalmente e vamos trabalhando ideias a curto prazo. A longo prazo possivelmente vai sair furado”, afirma. “Nós não podemos antever”, suspira Marlene Vieira. “O que vai acontecer obviamente são cabazes de Natal com pratos preparados pelos chefs. Estamos a preparar-nos para isso, para podermos fazer pratos especiais.” É o que vai salvar o Natal? “Poderá fazer a diferença entre mais um posto de trabalho. Não é o que dita o encerramento de uma empresa. Falamos de micro-soluções que podem resultar em despedir menos uma pessoa.”
Sérgio Cambas recusa-se a baixar os braços e está confiante de que estará de portas abertas nessa altura. “Independentemente de haver normas que obriguem ao confinamento ou não, a minha equipa trabalha no sentido de organizar o calendário como se fosse acontecer. O Paparico terá menu de passagem de ano. Não festivo, mas intimista. O Brasão vai funcionar nos mesmos moldes dos anos anteriores, com decorações alusivas e o ambiente preparado para que as pessoas, nesses dias, possam sair com segurança e sintam que algo especial foi feito para elas. Há coisas que não devemos perder.” Pedro Cardoso optou pelo inverso: “Vou fechar, se calhar já na segunda quinzena de Dezembro. A nível de restauração vai ser um desastre. E portanto tenho férias para dar ao pessoal e irei fechar de 15 de Dezembro a 15 de Janeiro. Não consigo ver isto de outra forma. A pior crise irá acontecer nessa altura. Estou convencido que em quatro semanas as coisas ainda vão piorar e depois é que começa a amainar um bocadinho.”
Até quando?
As vacinas estão ao virar da esquina, mas ninguém tem ilusões quanto ao Inverno. Vai ser duro. A Primavera, um pouco menos. O alívio deve chegar com o Verão. Falta meio ano. Mais. “2021 vai ser um ano problemático, mais ou menos como este. Em Junho, Julho vai começar a melhorar, mas precisamos de ajuda agora. Não vai ser um ano para ganhar dinheiro, mas se der para pagar as contas já não é mau”, desabafa Rui Paula, que diz poder aguentar até “Janeiro, Fevereiro”. “A partir daí, já não sei.” Os prazos que estão a ser equacionados por Sérgio Cambas são idênticos. “Eu começo a ver o mercado interno a mexer um pouco mais através da segurança e das perspectivas de vacina a partir de Março, Abril. Começamos uma retoma, juntando o regresso do turismo, no Verão do próximo ano.” O empresário crê que, “se não tivesse poupanças, com certeza que não conseguiria” manter os negócios vivos. “Neste momento continuo a acreditar e por isso vou continuar a investir. Se o meu empreendedorismo estava focado para o crescimento, eu tenho que continuar a investir para a manutenção.” Para Marlene Vieira, “os objectivos são garantir que a empresa se mantém com liquidez. Para cumprir obrigações fiscais. Sem isso, bloqueiam-se muitas soluções. Está prevista uma fase muito difícil até Março de 2021”.
2021 vai ser um ano problemático, mais ou menos como este. Em Junho, Julho vai começar a melhorar, mas precisamos de ajuda agora. Não vai ser um ano para ganhar dinheiro, mas se der para pagar as contas já não é mau.
Rui Paula, chef e proprietário
Valeria a pena fechar portas até essa data? “Acho que sim, mas tínhamos que ter alguma ajuda”, avança Rui Paula. “Há países em que os restaurantes estão fechados e o governo paga 80% do rendimento dos funcionários e a empresa só paga 20%. Aqui não se fecha porque ainda não sabem como é que esse apoio vai ser feito.” Sérgio Cambas desconfia dessa solução: “Não penso fechar nenhum restaurante, só se for obrigado a fazê-lo. Porque acho que os restaurantes, reduzindo a sua energia ao mínimo, devem manter-se próximos das pessoas. Uma marca que desapareça e que feche por um, dois, três meses terá que ter uma reactivação muito grande na hora da retoma.” José Paulo Rocha também não quer fechar. Mais distanciamento do que o necessário, não. Aliás, o jovem chef tem é saudades de ajuntamentos. Sendo O Velho Eurico uma taberna, nem poderia ser de outra maneira.