Costumo tirar as medidas a um restaurante na primeira ocasião. Ou seja, ou vou logo com a cara do sítio ou não. Estou a falar, claro, do ambiente, da decoração, daquele primeiro embate com o serviço. E antes de provar qualquer coisa – reforço, tiro a pinta ao sítio, não à comida –, percebo se sou capaz de voltar ou não.
Estranhamente, não aconteceu isso com o Cruel, um dos restaurantes da moda, com a consultoria do chef Luís Américo. Gostei da luz da primeira sala, do aparador, da decoração, da solução encontrada para o sítio não parecer uma antecâmara. Não gostei da luz da segunda sala, muito escura, não gostei da decoração – molduras vazias penduradas na parede passam-me a ideia de desleixo – e sobretudo achei o terraço demasiado encafuado. Fez-me lembrar aqueles aldeamentos de férias no Algarve, casinhas todas iguais, com o vizinho do lado inglês, barriga proeminente, a fazer barbecues todos os dias a partir das sete da tarde. Resultado: se me perguntassem, “Então, gostaste do Cruel?”, diria o que só em raras excepções digo: “Nim.”
Três vezes depois, posso afirmar que o sítio é normal. Não me aquece nem me arrefece. Não morro de vontade de voltar mas também não me chateia lá voltar. (Perdoai-me, que devo estar a fazer pouco sentido). Eis os porquês.
Fui lá a primeira vez num jantar de amigos, muitos copos, pratos para dividir. Entre tudo o que debiquei ficou apenas na memória o risotto de cogumelos em alucinação. Óptimo o arroz, no ponto, bons os cogumelos, e por cima uns aparatosos flocos de atum – pele muito fina de atum seco, que vem para a mesa em movimento – que dão ao prato um excelente sabor e a dita brincadeira da alucinação.
Voltei lá para a avaliação num fim-de-semana de muita chuva e frio. As duas salas estavam cheias, o ambiente estava bom e o serviço foi, do princípio ao fim, simpático. Mas rápido demais. Tive de pedir que dessem um intervalo entre as entradas e o prato principal, sob pena de me engasgar em tanta comida a chegar ao mesmo tempo à mesa.
Antes de começar o banquete veio um cumprimento do chef, um enrolado de mostarda frito numa massa fininha, com molho sweet chili. Vinha frio, amolecido, nada crocante. Para cumprimento, vou ter que dizer o óbvio: não cumpriu. Boas as azeitonas do couvert, normal o pão, boas as manteigas.
Provei uns ovos rotos com chouriço e trompetas da morte que de bom só tinham os ovos e o sabor do chouriço. Às batatas faltava (muito) sal, aos poucos pedaços de chouriço faltava companhia e às trompetas faltava sabor. Pareceram-me desidratadas e a precisar de mais algum tempo na água para ficarem com uma textura menos borrachosa. Óptimas as batatas bravas, com um empratamento engraçado, servidas numa pá (sou da opinião que os olhos comem sempre) com um molho picante e viciante. Normal o carpaccio de novilho com flor eléctrica e pesto. A graça do prato está em trincar a flor antes, deixá-la actuar na boca – activa a produção de saliva – e depois comer o carpaccio. A experiência é gira, sim, diferente, mas o conjunto de carne, pesto e queijo não está à altura do arranque do prato. Não só pelas fatias de carne, demasiado grosseiras, mas também pela temperatura do prato: um carpaccio quer-se fresco. Aquele estava mais para o morno.
Veio depois o naco de novilho na brasa, com molho especial. Que de especial senti apenas a salsa e o alho a fazer uma crosta interessante no topo. Carne mal passada, tostada por fora.
Antes da sobremesa pedi um shot de cachaça com jambu, que me deixou a língua dormente, mas preparada para a espuma de baba de camelo com maçã caramelizada, amêndoas e pepitas de chocolate. Mais uma vez, achei um prato normal. A espuma tem pouco sabor a caramelo, não casa especialmente bem com as maçãs... Enfim. Ficou ali inacabado. Pagou-se 28€ por pessoa, com vinho, e saí com a tal sensação de indiferença.
Tirei as teimas num outro dia ao almoço, com uma belíssima sopa de laranja e cenoura e com o afamado novilho cru(el), com salada de folhas de jambu e tostas. Ora não me explicaram o que era o jambu – como vi explicarem a outras mesas –, que cria dormência na língua e apura o sentido do paladar. Tive quase para não provar, mas arrisquei. Repetiu-se a cena do carpaccio. O efeito interessante, o prato (adjectivarei como até aqui) normal. Vinha com ovo, os pickles, umas tostas boas. Mas não fiquei encantado com o sabor da mistura. E paguei, por tudo, 24€.
Ou seja, nem voltando ao local do crime pinto ali mais uma estrela.
Conselho final: mudem a banda sonora. Das três vezes que lá fui ouvi Jorge Palma e António Variações. Um e outro. Em loop. Sempre as mesmas músicas, sempre a mesma ordem. Nada contra, mas tudo o que é demais enjoa. Mesmo não sabendo se voltarei.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.