O primeiro restaurante de fine dining do país onde se cozinha exclusivamente com o fogo abriu no Porto. À frente do projecto está o chef Ricardo Dias Ferreira, que trabalhou durante vários anos em restaurantes de topo na Austrália. Com produtos quase 100% portugueses e, sempre que possíveis, de pequenos produtores, este restaurante é um daqueles que vale a pena conhecer.
Crítica
Há muito que os restaurantes deixaram de servir apenas para comer. Tornaram-se experiências gastronómicas onde todos os detalhes contam. Do serviço à decoração. Da garrafeira ao que vem no prato. O Elemento tem tudo isto. E quer tudo isto. Que a refeição perdure, muito depois da digestão, na memória de quem lá vai.
A cozinha, aberta sobre um balcão de mármore branco, curvo e convidativo, cheio de turistas, exala um cheiro a madeira queimada que se propaga pelas paredes graníticas e pelo chão de cimento afagado. Ao fundo, um pequeno terraço com uma oliveira e, antes dele, a garrafeira debaixo de uma arcada, compõem o espaço. É de lá que vem o vinho com o qual iniciamos a refeição. Um Beyra, da Beira Interior, muito fresco e com um toque mineral, resultado da uva ter crescido num solo xistoso. Para quem gosta de vinhos salgados, a saber a maresia, é uma boa escolha. O pão de azeitonas do couvert chega à mesa ainda morno, com uma boa crosta, muito ar e uma ligeira acidez da fermentação. Acompanha-o uma manteiga cítrica aromatizada com cebolinho e alecrim. A meio do jantar pedimos uma segunda dose.
O primeiro prato do menu de degustação do restaurante do chef Ricardo Dias Ferreira, onde toda a comida é preparada no fogo, sem recurso a electricidade, marca o statement da casa: um peixe-galo fresco, curado em citrinos e a saber a fumado, que se desfez em lascas num molho suave de salsa, misturando-se lindamente com um escabeche doce de cebola. Simples e bom, deixou vontade para mais. Da água do mar veio ainda o lavagante, cozinhado no ponto num molho de marisco, ainda rijinho e a estalar entre os dentes, com um puré terroso de pastinaca e alga codium, elemento que foi também transportado para o prato seguinte. A perna de polvo grelhada e muito tenra, vinha mergulhada num caldo de bonito fino e translúcido – com um toque de azeite fumado a dar ares de tradicional –, onde boiava alga alface-do-mar, salgada e de consistência delicada. Foi também aqui que comi um dos melhores filetes de pregado da vida, prato que vale a pena pedir se optar por uma refeição à la carte. Com tudo isto, até senti uma ligeira pena em abandonar os pratos de mar.
Antes da sobremesa (limão assado com iogurte e suspiro, o momento menos interessante de todo o jantar), serviram-nos dois pratos de carne. O primeiro, um peito de pato rosado com uma crosta de gordura coberta por mel e sementes de abóbora, bem guloso, vinha com alface iceberg coberta pelo avinagrado molho béarnaise. A doçura das cenouras baby e o umami dos cogumelos chanterelle equilibravam os sabores. Depois, uma entrecôte basca – um dos meus cortes de carne favoritos – suculenta e cheia de veios de gordura, com um molho feito com miso e uma mistura de especiarias (togarashi, talvez, não me souberam dizer) que explodia na boca. Ao lado, um kimchi, mais suave do que seria de esperar.
Estas cinco estrelas vão para a ousadia do projecto; para a atenção dispensada ao cliente; para os pratos bem executados e com fio condutor entre eles ao longo de toda a refeição: e para o Ricardo, que está claramente no seu elemento, e que conquistou um lugar cativo. Primeiro na minha barriga, depois na minha memória.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.