Quando cheguei, ele já lá estava. Extremamente pontual. Mais um ponto a favor. Conheci-o no Tinder e à terceira mensagem estávamos a falar de fatias de toucinho do céu, ovos moles, queijadas de Sintra e pastéis de nata. À quinta, enviou-me um daqueles tutoriais sobre como cozinhar um bife na perfeição – o meu ponto fraco gastronómico, já que vivo sempre em stress com medo de o deixar passar demais.
Por isso, já que a conversa se desenrolava mais na cozinha do que em qualquer outra parte da casa, pareceu-me adequado convidá-lo para uma visita ao novo Euskalduna Studio, o restaurante do chef Vasco Coelho Santos, que passou pelas cozinhas bascas do Mugaritz, duas estrelas Michelin e em 9.º lugar do World’s 50 Best Restaurants, e do Arzak, com três estrelas e em 30.º da lista. Euskalduna quer, precisamente, dizer basco, em basco.
Sentaram-nos ao balcão, com vista para a cozinha – pena que o chef não estivesse por lá – e começaram com as apresentações. Seria servido um menu de degustação de 10 pratos; perguntaram por alergias e alimentos menos preferidos, mas fomos estóicos em tudo. Outro ponto a favor: ele não é dado a esquisitices.
A refeição começou com duas flutes de espumante de Joaquim Arnaud, seguidos de um snack composto por uma tosta de queijo da Ilha curado durante seis meses, com barriga de pampo e de porco, e borragem por cima. Interessante, mas longe de ser a entrada apoteótica esperada, talvez por causa da falta de sabor.
Mas se há coisa que a vida me ensinou é que em três tempos tenho de dar a mão à palmatória. O que se seguiu, um topinambur com pickle e molho hollandaise, que um dos chefs emulsionava freneticamente ao fogão, equivaleu a uma explosão de sabores na boca. Era ácido, fresco e doce. Uma boa premonição do que aí vinha.
Assim foi. Veio, então, a sopa. Um dashi feito com cavala, ao invés do tradicional bonito. Um caldo suave e saboroso, salgado no ponto ideal, e guarnecido com uma gema curada, carne fumada e algas, acompanhado por um copo de vinho da Madeira – esse sim, um match perfeito, falando ainda na gíria do Tinder.
A gamba crua num molho de carabineiro e caril cortou-nos o andamento. Trazia um granizado que destoava do resto, quente e apimentado. Somos adeptos dos típicos caris indianos, de preferência daqueles que vêm em tachinhos de cobre para a mesa, ainda com uma velinha a arder por baixo (estávamos em sintonia mais uma vez). Mas valeu pelo bom chá de curcuma que o acompanhava.
A partir daí foi fazer superlikes (que na app de encontros significa que se gosta muito da pessoa) em tudo o que aparecia. Prato após prato, brilhava o produto, sempre bem confeccionado. A começar pela tainha de mar mal passada, mergulhada num escabeche de cebola caramelizada e cenoura baby com jus de vitela. Muito português.
E se eu fiquei encantada com o peixe-galo, numa tempura fina e crocante, sobre uma açorda feita com o pão biológico da casa, cuja massa-mãe repousa numa das prateleiras do restaurante; ele perdeu-se de amores pelo atum braseado com raspas de macadâmia e uma flor de curgete recheada com um bom kimchi, a saber a coreano, puxado nas especiarias, forte na pimenta e no gengibre, tal como deve ser.
A corvina foi o último prato de peixe, antes de mais dois de carne. Chega, então, um rabo de boi estufado, inspiração que o chef foi buscar às receitas da avó. Desfazia-se na boca, juntamente com uma couve portuguesa braseada no carvão e raspas de trufa de Verão.
A refeição aproximava-se do fim e o meu Tinder date já estava mais relaxado (talvez do vinho?). E, enquanto nos serviam um belo naco de porco ibérico, preparado a baixa temperatura, tenro e cheio de sucos, e escoltado por um molho feito com os pés do animal, cozinhado durante dois dias até ganhar consistência e um travo adocicado, ele começou a tentar impressionar-me com as suas façanhas culinárias. Disse-me que comprou na internet uma panela de slow cook onde faz um entrecosto de porco de comer à colher, que fica a cozinhar pela noite dentro. E eu, cada vez mais interessada.
A fechar o espectáculo, deu-se a apoteose que faltou no início: uma rabanada, uma receita basca maravilhosa que nos faz querer que o Natal seja todos os dias. Um pedaço de pão embebido numa doçura leitosa e consistente, com uma bola de gelado de queijo da Serra ao lado.
Pousamos os talheres, pedimos os cafés. Ele ainda não sabe, mas haverá um próximo encontro. À mesa, pelo menos por enquanto. E se o Euskalduna Studio estivesse no Tinder, eu casava-me com ele.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.