A geração millennial não sabe muito bem o que há-de fazer com a vida. Anda assim para o descompensado. Pelo menos uma parte, aquela parte que sonha em ir viver para o campo e deixar de arrendar a casa, partilhada com desconhecidos, por um valor que há muito se tornou insuportável. Aquela parte que até gostaria de ter uma horta biológica no jardim, mas que por enquanto vai buscar um cabaz, por 3,50€, à Fruta Feia. Aquela que come menos carne vinda dos supermercados e que fica com pesadelos à noite à conta de documentários como o Cowspiracy. A que apoia a Greta e odeia o Trump.
Do outro lado do balcão – um robusto, maciço e centenário tronco de árvore – está Nuno Castro, um desses millennials que parecem tão bem inserir-se naquele grupo de pessoas cheias de vontade de mudar o mundo. É o chef ao leme de uma cozinha aberta sobre uma bonita e acolhedora sala forrada a vegetação suspensa, ferro e madeira.
No Verão de 2018, e depois de convencer Ricardo Rodrigues (o restaurateur por excelência em Leça da Palmeira, também dono do Esquina do Avesso, mesmo ao lado, e do Terminal 4450 a poucos metros), de que o vegetarianismo era o caminho, o Fava Tonka abria as portas e posicionava-se, quase de imediato, na pole position. A ideia era ser, em pouco tempo, um dos melhores restaurantes do género no Grande Porto. E apresentou-se como um espaço de matriz vegetariana, com uma forte aposta em produtos orgânicos e sazonais.
A refeição começou, portanto, com um apetitoso couvert que seguia essa mesma lógica: muito terroso, quente e orgânico. Um bom cartão de visitas composto por pão artesanal – um crocante de sésamo e outro de fermentação lenta –, azeite biológico e hummus de feijão com sésamo tostado (2,50€). As estações do ano têm destas coisas, possuem a capacidade de se fazerem sentir na boca, e o Outono estava aqui muito bem representado. E por falar nelas, eis que Nuno Castro nos dá mais Verão num prato do que aquele que tivemos este ano. O bolbo de funcho grelhado, envolto em caril e coentros, com um leve granizado de arroz jasmim e toques de clorofila de manjericão levaram-nos de volta ao estio, com a ajuda do surpreendente molho doce de alperce, típico desta época e que na altura desta refeição ainda era muito bem-vindo nas bancas dos mercados (10€). O amendoim torrado rematava este primeiro conjunto com o seu toque gordo.
Ao lado, um copo de sangria Fava Tonka, a da casa. O restaurante foi buscar o nome a este fruto (também presente na bebida servida e muito bem sugerida), que cresce na Amazónia, com travos a caramelo, baunilha e cravo. Com maracujá, espumante e vodka escorregou muito fresca e, claro, bem doce.
A sopa de cebola, trufa e queijo São Jorge prometia uma boa continuação, atentando apenas nos ingredientes e, atrevo-me a dizer, foi um dos melhores e mais gulosos pratos de toda a refeição (6,50€). Num caldo aveludado, carregado de especiarias na dose certa, com ervas simples, como louro e alecrim, estava mergulhada uma rechonchuda rabanada coberta de queijo gratinado, escoltada por cebola tenra e caramelizada e raspas de trufa negra por cima. Uma maravilhosa bomba de umami, que despertava um calorzinho cá dentro, perfeita para receber a estação que se avizinha. Um prato que (faço figas) espero que se mantenha na carta de Inverno.
Seguiram-se ainda mais dois, que evangelizaram o carnívoro inveterado que jantava comigo e que, por força da convivência (no início do ano jurei que comeria menos carne – faço parte desse grupo de millennials com vontade de ir cavar batatas para o campo), se viu forçado a aceitar uma cozinha mais vegetal na sua dieta.
A beringela chegou à mesa em tiras, enrolada em forma de flor, e cozinhada em duas levas (10€). Primeiro no sauté, para que os seus aromas ganhassem densidade e a sua textura aquele tão característico toque guloso; e depois no forno, para secar um pouco a humidade e ganhar um lado estaladiço que permitiu que a composição s e aguentasse sobre o molho asiático aromatizado com soja, pequenos cubos de beringela, malagueta, cebolinho e coentros, onde navegavam amendoins tostados. Uma espécie de East meets West muito bem conseguida.
Depois, um puré de raiz de aipo – este com um travo exótico, picante e fresco –, onde se sentava comodamente um ovo cozinhado a baixa temperatura e cogumelos boletos carnudos em seu redor. Tudo regado com um caldo robusto, feito a partir de uma redução de vinho do Porto e rematado por trigo sarraceno tostado (12€). Muito bom.
Da secção das sobremesas, devoraram-se duas (ambas a 6€). Uma com um doce de abóbora muito sedoso e gordo e uma generosa colher de mousse de chocolate de grande qualidade, muito redonda na boca. A outra, um bestseller desde o início, dividia-se entre leite creme queimado, bolacha de mel, gelado fresco de alfazema, caramelo de mel e pólen. Muito bonito.
Resumindo: pouco mais de 70€ por um jantar para duas pessoas que descobriram a paz campestre bem no meio do caos citadino. E há coisas que não têm preço. Os millennials sabem disso.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.