Reza a história que o químico Kikunae Ikeda teve uma epifania enquanto sorvia ruidosamente (como devem ser ingeridos os caldos japoneses) o seu dashi ao jantar. Naquela noite de 1907, espantou-se quando percebeu que a comida estava mais saborosa do que era costume por causa da adição de kombu ao prato. Daí até começar a estraçalhar esta alga em laboratório foi um instante e o resultado foi a descoberta do ácido glutâmico, responsável pelo quinto gosto: o umami, que é também a palavra-passe para aceder à internet deste restaurante.
A casa é bonita, decorada com painéis em madeira, cerâmicas cuidadas em cima das mesas e até os pauzinhos delicados diferem dos que se vêem na maior parte dos restaurantes asiáticos da cidade. O tecto do andar superior (possivelmente o elemento mais instagramado do espaço, até mais do que a comida), está coberto de cranes em origami, o pássaro que para a cultura nipónica é sinónimo de felicidade.
Na cozinha, Christian Oliveira e Agnaldo Ferreira, os dois sushimen há muitos anos. O primeiro passou pelas cozinhas do Gull e do Terra. O segundo rumou à capital onde trabalhou com Oliver no Yakuza, antes de abrir o seu Hikidashi, um dos melhores restaurantes de sushi de Lisboa.
Mas vamos à comida. Para começar, o risco. Pedimos as espetadas de vieira com ameixa japonesa (12€). A vieira fresca, vinha ligeiramente braseada e envolta num molho de amendoim e soja adocicado, que contrastava com o sabor ácido e picante do fruto. Foi tão desconcertante como entusiasmante. Foi como se no ringue levasse um murro na boca. Um gancho de esquerda assim sem contar. Depois, a defesa. Umas gyosas de frango e vegetais com molho ponzu (7€). Boas, mas banais. Venha daí o the thrill of the fight que torna a vida muito mais emocionante, como o new style sashimi que se seguiu (16€).
Este, uma espécie de carpaccio de peixe congelado (que facilita o corte dos mesmos em fatias muito finas), trazia atum, peixe branco e salmão envoltos num molho trufado, ligeiramente picante, com ovas de peixe voador e sésamo. Tau. Outro K.O. bem dado. O meu ramen chega entretanto à mesa mas recusa-se a dar-me luta (15€). Baixou os braços, um pouco desenxabido. Trazia as carnes do porco secas e revelou-se muito parcimonioso com os seus cogumelos. A minha companhia, pronta para atirar a toalha ao tapete perante o meu sofrimento, salvou o round quando me deu a provar da sua Gyu Bowl (23€).
Umas fatias de picanha maturada braseadas, quase cruas e muito finas, repousavam lindamente sobre uma massa de trufas negras e parmesão, muito gorda e carregada de manteiga, óptima para recuperar energias entre combates. Pedimos ainda um chá matcha (5€). O ritual preparado à nossa frente, apesar de bem-intencionado, foi um pouco trapalhão como, aliás, praticamente todo o serviço.
O último round veio em forma de gelado de saquê (4€). Um golpe perfeito para rematar a refeição. Forte no sabor e agradável na consistência.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.