Assim que se passa a porta, uma mercearia. Nas prateleiras bons azeites, boas conservas, bons pães – muitas coisas raras (como uma leve e extraordinária broa de Avintes) de produção nacional e de qualidade. Logo a seguir, na refrigeração, legumes da época e ao lado vinhos seleccionados. Tudo sem aquele ar de ostentação gourmet que se banalizou em cada esquina. Uma loja de bairro com o que o vizinho exigente precisa, guardanapos de papel incluídos.
Valendo por si, este ambiente funciona também como um atestado para o restaurante, que se funde no mesmo espaço. Muito do que está exposto para comer há-de ir parar ao fogão, ou simplesmente ser aberto, fatiado e servido sem mais. Quem quiser sentar-se pode fazê-lo logo ali ou avançar uns metros para uma mesa mais recatada, mas sentirá sempre esse conforto de ver o produto antes de ser transformado.
O conceito existe desde a inauguração, há quase um ano, embora uma remodelação este Verão tenha levado a acertos na decoração e na carta. Nada que tenha, em qualquer caso, desvirtuado o espírito da casa: petiscaria simples, com um ou outro toque de criatividade, tecnicamente muito bem feita.
As minhas visitas começaram quando a cozinha ainda estava a arrancar, mas fui sempre feliz. Na primeira vez lembro-me de umas sardinhas avinagradas com tomate e cebola com coentros, de uma frescura estival; de um salmão fumado de grande nível e de uma surpreendente combinação de pancetta de porco com cogumelos e queijo de cabra.
Pouco disto ainda permanece no menu, mas é provável que boa parte do que lá fui comendo também desapareça entretanto, que a ideia é rodar os pratos e adequar a oferta ao que a terra e o mar oferecem em cada estação. O que é sempre absolutamente garantido é a qualidade da matéria-prima, a começar no cesto de pães (1,6€), na manteiga com chili (0,80€) e nas azeitonas (0,40€). Quem dera a muitos restaurantes com ambições ao estrelato Michelin conseguirem um couvert assim. De resto, podemos dizer o mesmo das sopas: seja a que agora é o esteio da carta (maçã com aipo, 2,50€), seja a do dia (1,60€). Ambas mostram um talento especial da cozinha para cremes saudáveis e caldos reconfortantes, quase sempre com um toque de originalidade.
Quanto aos sólidos, mais do que uma cozinha de fusão (Deus nos livre e guarde de saladas de polvo com soja, como se chegou a fazer por aí), o que há é uma cozinha do mundo. Portugal tem primazia, naturalmente. Destaque para as tostas de enchidos e queijos (entre os 4 e os 5€), tábuas de queijos e enchidos (9€ e 5€); ovos mexidos com farinheira (3,50€); muito saborosas também as amêijoas à alentejana (7€), pena o bivalve um pouco raquítico; de grande nível a cavala marinada (5,20€) e as migas de espargos e enchidos.
Saindo da Ibéria – mas não muito – nota alta para o risoto de cogumelos (7,50€) e para o tabbouleh (4,50€), meio cuscuz meio salada, aqui com cenoura e pimento em cubinhos minúsculos e crocantes, aromatizados com hortelã-pimenta.
Nas sobremesas, há sempre um bolo de chocolate (1,80€), mas lá está, a cozinha tem frequentemente surpresas das boas. Numa visita recente, comi um pudim de abóbora castanha que me deixou em êxtase durante uns bons minutos, momento só interrompido pelo também muito bom café gourmand (2€).
Em síntese, este Nabos da Púcara não procura o foguetório culinário, mas faz uma coisa dificílima e rara: consegue bons produtos a preços muito razoáveis, e tem na cozinha uma mão delicada e conhecedora que os sabe tratar. Amor e ética. Assim continue.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.