Leitaria da Quinta do Paço
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Os 100 anos da Leitaria da Quinta do Paço

Conheça o passado, o presente e o futuro da marca que fez nascer o Doce do Porto e que comemora em 2020 o seu centenário.

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Símbolo de gulodice, memórias e tradição, a Leitaria da Quinta do Paço, a primeira empresa do sector a distribuir leite pasteurizado em garrafas de vidro no norte do país, comemora este ano o seu centenário. Visitámos a fábrica, em Vila Nova de Gaia, a primeira loja, em plena Baixa portuense, e descobrimos o passado, o presente e o futuro desta emblemática marca da cidade. Se é fã dos éclairs, do chantilly e de tudo o que, diariamente, enche as montras dos vários espaços da Leitaria da Quinta do Paço espalhados pelo Porto e arredores, leia o que se segue.

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Os 100 anos da Leitaria da Quinta do Paço

O leite como motor de desenvolvimento social

Foi em 1920, em Eiriz, uma freguesia de Paços de Ferreira, referência no Norte de Portugal pela quantidade e qualidade de gado bovino e pela produção de leite e manteiga, que se começou a escrever a história da Leitaria da Quinta do Paço. Mais concretamente, na Casa do Paço, a residência da família do engenheiro Alexandre Aranha Furtado de Mendonça, um homem que se dedicou à lavoura e à criação de gado para a produção de leite e que acabou por ter um papel de relevo na marca e "em toda a história dos lacticínios na zona norte", explica Alexandra Sotto Maior, directora de marketing da Leitaria da Quinta do Paço à data da reportagem, em Dezembro. 

Nesse mesmo ano, no Porto, na Praça Guilherme Gomes Fernandes – desde sempre ligada ao comércio de produtos alimentares (chegou a chamar-se Praça de Santa Teresa e, mais tarde, Praça do Pão, já que era lá que se vendia o que chegava de Valongo) –, o prédio com os números 47-51 era arrendado à Sociedade Fomento Internacional Lda., de César Batista Dinis e Amélia Silva Dinis, ligados à venda e à distribuição de produtos lácteos.

"Em 1927, esta exploração passou para a firma A.C. Lopes & Comandita, de Artur Correia Lopes e Júlio César das Neves" e, no mesmo ano, "para Vicente Ferreira Peres, José Pedro de Macedo Afonso e Arnaldo Fernandes Troviscal, que alteram a designação para Troviscal, Peres e Macedo Lda., tendo como objectivo comercial a exploração de lacticínios e representações", de acordo com dados recolhidos por Alexandra. Em Outubro de 1928, a firma volta a sofrer mudanças e transforma-se em Peres, Sousa e Campos Lda., continuando a actividade do "comércio de lacticínios e outros produtos agrícolas". É nesta altura que Alexandre Aranha Furtado de Mendonça volta a entrar em acção e é "obrigado a fornecer o leite necessário à actividade comercial da Leitaria". O contrato é feito a 31 de Dezembro de 1928.

A marca Leitaria da Quinta do Paço é registada em 1934, numa altura em que o depósito e a venda de leite eram feitos no rés-do-chão e os escritórios ficavam no primeiro e segundo andar. 

Numa época em que não existiam vacinas ou suplementação alimentar, o leite era o alimento por excelência de crianças, idosos e doentes, apesar de as condições de produção e distribuição não serem as melhores. Assegurar boas práticas de produção, tratamento, recolha e distribuição de leite era imperativo.

A tentativa de criação de uma associação dos produtores de leite iniciou-se em 1936, altura em que se produziam em Portugal mais de 100 milhões de litros de leite. Mas só em Novembro de 1956 é que foi criado o Grémio Nacional dos Industriais de Lacticínios. No ano seguinte, foi nomeada a primeira comissão directiva, presidida por Furtado de Mendonça.

Entre 1950-60, quando todos os processos de tratamento e engarrafamento de leite começaram a ser industrializados, à fábrica de Eiriz juntava-se uma estação de recolha em Paranhos, um armazém de garrafas e acondicionamento de leite na Rua da Ribeira Grande, no Amial, um depósito de venda no novo Mercado do Bom Sucesso, inaugurado em 1952, e o posto de venda da Praça Guilherme Gomes Fernandes.

As leiteiras, que calcorreavam as ruas com garrafas à cabeça, passaram a fazer parte da paisagem e da rotina dos dias na cidade. Conta-se que os fiscais da Câmara tentaram taxar as "entregadeiras" como vendedoras ambulantes, mas a Leitaria alegou que as "senhoras eram de facto empregadas da casa e apenas faziam chegar ao domicílio dos clientes as encomendas". Em 1964, a Peres, Sousa & Campos Lda. ganha um concurso importante: o do abastecimento do leite da cidade e de outros centros urbanos do Norte.

A ode ao chantilly e o nascimento do Doce do Porto

No início dos anos 1950, o chantilly da Leitaria, vendido em saquinhos de papel encerado, e que se popularizou até aos dias de hoje, era o responsável pelas constantes filas à porta da loja na Praça Guilherme Gomes Fernandes. Foi também neste período que Furtado de Mendonça se dirigiu à Suíça, onde terá provado um "éclair recheado de chantilly", conta a responsável de marketing. Regressado a Portugal, e depois de muitos testes, encontrou a melhor combinação.

"A massa leve e fofa, mas estaladiça por fora, o chocolate caseiro, rico e cremoso, e, claro, o recheio do chantilly, espesso e saboroso", eram os ingredientes perfeitos para o nascimento do Éclair Clássico, registado em 2012 como o Doce do Porto.

Cláudia Campos, de 45 anos, trabalha na Leitaria da Quinta do Paço há 22. "Comecei na loja do NorteShopping, em 1997, quando o centro comercial abriu, e estive lá até fechar, 12 anos depois", conta. Hoje é responsável pela loja da Baixa. Das mais de duas décadas ao serviço da marca, guarda "muitas recordações boas", como os clientes habituais e a adoração ao Éclair Clássico, que "atravessa todas as gerações".

Além deste, o negro, de frutos vermelhos, de chocolate crocante ("o preferido dos jovens"), de limão, de caramelo, de maracujá e de café também fazem parte da gama. Mas há sempre temáticos, lançados em alturas especiais, como o do Dia dos Namorados, da Páscoa, do Dia da Mãe, do Dia das Bruxas e do Natal. Este último, que está disponível até ao Dia de Reis, tem um recheio de crocante de bolacha, massa folhada e chantilly, e uma cobertura de chocolate branco, raspas de chocolate negro, groselhas e tomilho. 

A produção da Leitaria da Quinta do Paço, que em 2014 se mudou do primeiro andar da loja da Baixa para uma pequena fábrica em Vila Nova de Gaia, funciona todos os dias, excepto no dia de Natal. Durante a semana são confeccionados, só para o Porto, cerca de 2000 éclairs e, ao fim-de-semana, à volta de 3000. "São feitos sempre frescos, porque ao fim de 24 horas a qualidade já não é a mesma", garante Mariana Granado Pereira, responsável de investigação e desenvolvimento à data desta reportagem, no final de 2019.

A massa dos éclairs, "uma massa choux feita de raiz segundo a receita tradicional da marca", passa por vários processos até à cozedura, "a parte mais difícil da confecção". Depois de batida, é colocada numa depositadora que tem "uma régua com bicos de pasteleiro" que forma os éclairs com os tamanhos pretendidos. Este processo, como outros, passou a ser automatizado há quatro anos, altura em que a maior parte do trabalho ainda era manual.

Os que têm como destino as lojas de Lisboa são ultracongelados; os que vão para o Porto e Braga ficam no forno durante meia hora até insuflarem o suficiente para serem injectados com o famoso chantilly feito na casa. O Éclair Clássico, o mais requisitado pelos clientes, é o único cuja cobertura (com chocolate de leite) é feita na fábrica. Os restantes são produzidos por parceiros do norte do país em exclusivo para a Leitaria. "O éclair de limão é o meu preferido", revela André Santos, de 30 anos, a trabalhar na empresa há 14. "A minha mãe e a minha irmã eram as pasteleiras na altura. Saí da escola cedo e fui para lá ajudar", conta.

Ao longo dos anos, a marca tem vindo a recuperar alguns produtos tradicionais, como a manteiga vendida na embalagem de papel vegetal e os queijos. "Lembro-me do queijo embrulhado em papel de prata. Era uma delícia", conta Luís Pereira, de 80 anos, cliente desde que se lembra.

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A evolução da empresa até aos dias de hoje

A Leitaria seguia com uma oferta tentadora, que além da manteiga, do queijo tipo flamengo e do queijo creme, também incluía iogurtes em embalagem de porcelana e caixa de madeira, e alguns produtos rurais, como o mel. Mas em 1973, ano da morte de Furtado de Mendonça, a história voltou a ser escrita.

A exploração dos estabelecimentos comerciais e industriais ficou então a cargo da Federação dos Grémios de Lavoura de Entre Douro e Minho, em actividade até 1981. Em 1982, a empresa passa a chamar-se Leitaria Quinta do Paço Lda., com o objectivo de "explorar o comércio de lacticínios, pastelaria, salão de chá e confeitaria", conta Alexandra.

Nessa altura, era representada pela sócia-gerente Maria Clotilde Correia da Costa Alves Azevedo, que, em 1994, aumentou o capital social para que os filhos Fernando Manuel da Costa Alves Azevedo e Ricardo Nuno da Costa Alves Azevedo pudessem tomar parte nela. Mas, depois, deu-se o declínio. Fizeram-se obras de decoração e parte do mobiliário antigo e elementos decorativos da traça original desapareceram. Com eles desapareceram também muitos clientes que optaram pelas grandes superfícies em detrimento do comércio tradicional, desertificando a Baixa. Em 2012, depois de um período sombrio e com o edifício em avançado estado de degradação, a firma foi adquirida por José Eduardo e Joana Ramalho Costa.

Cem anos depois, a Leitaria da Quinta do Paço prospera. Nas vitrinas há vários produtos de pastelaria, como os bolos de camadas, lançados recentemente, os húngaros e os almendrados. Tem também oito lojas abertas (Baixa, Mercado Bom Sucesso, NorteShopping, Matosinhos Sul, Lisboa, Almada, Oeiras Park e Braga), vão lançar ainda "um guião para um pequeno livro sobre a história da Leitaria da Quinta do Paço" e, claro, um éclair comemorativo dos 100 anos.

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