A EXPECTATIVA
A ideia de ir conhecer mais um “conceito gastronómico inovador” na cidade deixou-me com a excitação de um actor porno ao final do dia. E a ideia de o conceito ser italiano e não ter à frente uma única pessoa italiana aumentou ainda mais a desconfiança. Duvido de restaurantes italianos feitos por portugueses, como duvido de sushi feito por chineses, como duvido de cozinha portuguesa feita por ingleses.
QUEM NÃO COME BURRATA É BURRO
Mas depois apareceu a burrata (200 g, 8,50€). Em Portugal, é difícil encontrar burrata nos restaurantes e uma das razões é porque ela deve ser consumida fresca, como se fosse um requeijão, tem de ser importada e custa mais do que queijo da Serra DOP.
As pessoas tendem a olhar para estas bolas polidas como uma espécie de mozarela que podiam barrar nas tostas ao pequeno-almoço ou servir numa dessas saladas de cadeia de centro comercial. Mas isto é outra coisa. Assim que metemos à boca um pedaço ficamos com vontade de passar o resto dos dias a comê-las numa baía da Apúlia com vista para o Mediterrâneo. Nessa impossibilidade, as deste Puro 4050 foram as melhores que comi por cá. No interior estão natas gordas, frescas, sedosas e adocicadas, que nos fazem salivar como um boxer.
INSECTOS, MAPAS E INÊS MENDONÇA
Há algumas semelhanças entre este Puro 4050 e a Cantina 32, a 50 metros dali. Ambos partilham os mesmos donos – e isso nota-se nas paredes. No Puro, continuamos a ter parafernália retro, falso antigo, retratos de pessoas já falecidas com bigodes afiados (nova tendência na cidade), madeiras gastas, mas há também quadros científicos de insectos e mapas, como se estivéssemos num laboratório tropical. Nem tudo é incrivelmente original ou bate certo com a comida, mas é justo reconhecer-se uma estética própria, um ambiente, espaços onde as pessoas se sentem bem, seja na sala junto à cozinha aberta (aconselho reservar na mesa em frente ao lindíssimo aparador que serve de balcão, onde assiste em directo à acção), seja na varanda das traseiras.
Inês Mendonça, que voltou a aliar-se ao chef Luís Américo, é a grande responsável por isso, não só por ser sócia e decoradora, como por marcar a sua presença na sala. No último jantar que lá tive, era ela quem estava a comandar a equipa de empregados. Com a casa festiva como numa trattoria em Trastevere, a comida chegava às mesas em poucos minutos, o sino da cozinha sempre a tocar, um frenesim alegre que em nada distraía a cozinha. Mendonça geria tudo de forma discreta e elegante, ela própria indo às mesas, como fazem os grandes chefs de sala dos melhores restaurantes Michelin.
TÃO SIMPLES, TÃO BOM
De resto, há muita e boa comida para ser servida. A carta começa com uma selecção de mozarelas Campana DOP, da província de Caserta. Destaque para a afumicata (fumada, 125 g a 6€), com sabor mais forte e mais difícil de encontrar que as treccia (em trança, 250 g a 9,50€) e as bocconcini (pequenas bolas, 5 unidades de 20 g cada a 4,50€).
Nos acompanhamentos, tudo tem um toque especial, com coisas simples e belas pouco vistas por aí, como as magníficas alcachofras grelhadas com azeite (5€) ou os legumes assados na brasa (tomate, pimento, beringela), absolutamente perfeitos, um leve toque de fumo e flor de sal (4€). Destaque ainda para a charcutaria, com presunto de vaca (bresaola, 50 g a 5,50€) ou a rara mortadela de Bolonha DOP (50 g, 3€).
Também nos pratos principais se foge à banalidade. Há um risoto de polvo e castanhas (12€) ou um penne com porcini, natas e molho de trufa (11€). Se quiser carne, sugere-se o franguinho nas brasas com batata assada (13€), que usa uma ave mínima, ou o topo de gama – ossobuco de Wagyu e puré de batata, o prato mais impressionante da ementa. No dia em que o pedi, uma norte-americana ao meu lado não segurou um comentário exclamativo como só os norte-americanos sabem ser exclamativos: “That looks amazing!”. Parecia e sabia. A carne saborosíssima cozinhada longas horas em vegetais e vinho, o puré, uma esmagada com aroma a trufa (25€).
Para terminar, nas sobremesas, aprovadíssimo o salame de pistácio e mais ainda o tiramisù de vinho do Porto, um dos raros casos em que gostei de comer uma desconstrução do célebre doce italiano.
SONO CINQUE STELLE
Desconheço o que pensam os donos deste Puro sobre o seu mais recente restaurante. Mas punha dinheiro em como foi o projecto que mais os apaixonou. Isso sente-se na escolha dos produtos (tudo coisas autênticas, só nota menos positiva ao pão, uma baguete de miolo branco normalíssima); ou na forma como a cozinha – mínima, lindíssima e funcional – foi cientificamente estudada para pôr em prática a carta; ou nos pormenores da decoração; ou no empenho do serviço, uns furos acima do que sucede no Cantina 32.
Sim, é possível fazer um extraordinário bar de mozarelas no Porto, sem italianos. A cidade ganhou um grande restaurante, que para mais não tem comparação no país.
Complimenti.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.