Quarentugas
Antes do isolamento social imposto pela pandemia, ninguém imaginava que ficar entre quatro paredes poderia ser um carrossel de emoções. André Oliveira, argumentista de banda desenhada, andou entre o pânico, a estranheza e a angústia. Como já é seu hábito, resolveu fintá-las com humor e convocou Pedro Carvalho, ilustrador e seu colaborador, para embarcar nessa missão. Formavam-se, assim, os Quarentugas, dupla que publica uma tira de BD por dia no Instagram durante a quarentena.
“A melhor forma de espantar os nervosismos é brincar”, diz André. A par de Pedro, procurava uma “rotina nova que ajudasse a reagir à situação”. Os dois começaram a transformar os comportamentos das pessoas confinadas em material para a criação. Nos trabalhos que divulgam diariamente, cabem os padeiros que brotam em cada esquina, as máscaras caseiras feitas por mães e avós ou a tensão dos casais que não se dão – sátira que envolve super-heróis e até canibalismo. “Qualquer família portuguesa se identifica um bocadinho com isso neste momento”, garante Pedro Carvalho.
Há mais de 40 dias que criam em equipa, cada um em sua casa, num processo que começa com uma ideia de André Oliveira ou, em alguns casos, um brainstorming dos dois. “Essa é a parte difícil, depois levo cerca de 20 minutos a escrever”, explica. No final, envia o guião para Pedro, que dá vida às personagens da história. “É um estímulo diário, porque temos a pressão de ter ideias novas, mas divertimo-nos sempre.”
A capacidade de soltar umas boas gargalhadas pode ser uma boa arma para combater a incerteza dos dias que correm, segundo André Oliveira. A maior parte de nós está há quase dois meses sem ver familiares ou amigos e não sabe quando é que isso vai acontecer. “Face a essa perspectiva de futuro enevoada, o melhor que temos a fazer é perceber que não temos controlo sobre isto e ir brincando.”
É esse o desafio que os Quarentugas vão continuar a lançar a mais de mil seguidores, pelo menos “enquanto fizer sentido”. E não descartam a hipótese de reunir todas as tiras numa publicação, para que “haja memória futura, embora absolutamente ridícula, do que aconteceu”.
Para já, o objectivo continua a ser apenas um. “Se ajudarmos alguém a rir com isto, temos o trabalho feito”, remata Pedro Carvalho.