Foi uma eleição inédita na Cooperativa Árvore. Primeiro, porque aconteceu por morte do
anterior presidente, Amândio Secca. Depois, por ter havido pela primeira vez duas listas
concorrentes. Isso aumenta ainda mais as expectativas em relação a José Emídio, o novo presidente, que herda uma instituição renovada em diversos pontos mas ainda com problemas antigos por resolver. Eis os seus próximos passos.
Como é suceder a alguém tão carismático como Amândio Secca, que esteve tanto tempo na presidência da Árvore?
É verdade. Eu não conheci o primeiro presidente desta casa Henrique Alves Costa, mas
conheci Nicolau Brandão, Egito Gonçalves, José Rodrigues e Amândio Secca. Agora sou eu e, olhando para trás, é uma lista que me deixa em sentido. Conheci bem o José Rodrigues
e o Amândio Secca, que foi uma figura determinante do ponto de vista organizacional,
estratégico e comercial desta casa. Isto, para mim, não é uma questão de sucessão, embora
se possa pensar que é a ordem natural das coisas, muita gente me disse isso neste processo
eleitoral. Na verdade, quando vim para cá integrar várias direcções nunca me ocorreu ser presidente. Aliás, já tinha sido presidente da cooperativa de ensino superior artístico do
Porto [ESAP], entre 90 e 96, e também foram circunstâncias que me levaram a isso. Na
altura fiz dois mandatos e fui o primeiro presidente a sair sem perder eleições. Provavelmente é o que vai acontecer agora, tenho 62 anos e não tenciono eternizar-me aqui. Acho que é um contributo que posso dar. Olhei à volta e apareceram algumas circunstâncias que me levaram a assumir isso.
O que há de especial nesta casa para as pessoas ficarem tanto tempo ligadas a ela?
Há muita coisa. Há ligações históricas. Eu acho que a Árvore contamina as pessoas. Numa espécie de metáfora, eu diria que é um vírus que nos invade e cria um sentimento de ligação e paixão. Isto num meio muito particular, que é o dos artistas e dos intelectuais. É um caldo de personalidades e de opiniões, e se a estes condimentos somarmos mais alguns temperos, como os ciúmes e coisas assim, temos uma casa muito especial e difícil. A Árvore está cheia de histórias destas. Mas há uma coisa que é de relevar: está aqui. Passou por muitas situações, passou por momentos complicados. O próprio nascimento da Árvore custou a avançar e é sabido que há um momento histórico, um momento de viragem: o dia 7 de Janeiro de 1975, com a bomba que foi colocada por forças de extrema-direita. Esse
episódio acabou por funcionar exactamente ao contrário do que se esperaria, criou uma
onda de solidariedade institucional e individual. Porque não foi só a Árvore que foi atacada, foi a cultura, a civilização, a intelectualidade. Foi a liberdade, fundamentalmente.
Mas nota-se um certo alheamento das gerações mais novas em relação à Árvore. O que pretende fazer para mudar isso?
Em relação a isso podia dar-lhe um exemplo que vem comprovar o que diz. Nós tentámos fazer um convite a estudantes finalistas nas escolas das artes, mostrando-nos interessados em fazer três ou quatro exposições simultâneas. Não houve reacção. Repare, quando eu
era estudante de belas artes, tomara eu que me dessem uma sala para fazer uma exposição, era uma coisa extraordinária. Claro que vamos continuar, não se deve desistir à primeira nem à segunda. Podemos é mudar a estratégia, andando nós à procura dos estudantes, vamos tentar chamá-los cá. Nós temos duas áreas que são fundamentais e que podem ser muito interessantes para um jovem estudante: as oficinas de cerâmica, gravura,
serigrafia e litografia, e também a possibilidade de poderem fazer cá as suas primeiras apresentações. Mas nós também temos artistas dessa tal geração de 20, 30, 40 anos. Por exemplo, a Ana Torrie, que é uma apaixonada pela gravura e me veio demonstrar há uns anos, quando começou a aparecer por cá, que havia futuro na gravura. É essa gente que nós temos de chamar, porque o futuro é deles.
Que planos tem para a galeria?
Em relação à galeria, este período eleitoral foi histórico por uma razão muito simples: nesta casa nunca houve duas listas. Estava a referir-lhe isto porque não sabíamos quem ia ganhar, pelo que houve uma certa contenção nas ideias de programação. Há algumas ideias, alguns nomes, e também uma espécie de matriz de exposições que nós entendemos adoptar há algum tempo.
Que matriz é essa?
É uma matriz que tem o elenco de exposições para um ano. Nós vamos ter pelo menos uma exposição com um jovem artista, alguém que achamos que se pode destacar. Vamos ter pelo menos uma exposição de carácter institucional, que pode ser de homenagem a um artista ou a alguém ligado a uma área cultural. Devemos ter uma ou duas exposições em que apostamos tudo a nível comercial. Depois, há uma outra situação que nos parece muito interessante, que é a das grandes colecções. Há também coisas que acontecem e a que temos de ter capacidade de dar resposta, situações imprevistas. No ano passado tivemos cá uma exposição do Pedro Cabrita Reis, com coisas feitas por ele nas nossas oficinas, e essa possibilidade aconteceu por uma mera casualidade. Ninguém estava à espera. Há uma outra inovação para um sócio cooperador da Árvore, que é ter direito a fazer uma exposição. A possibilidade de as pessoas se candidatarem para uma exposição estará sempre em aberto.
Há outras possibilidades não expositivas que estejam na calha?
Nós temos duas situações que vão estar na ordem do dia nos próximos tempos. Uma delas é um contrato de programa com a Câmara Municipal do Porto, que foi muito importante para
nós, no qual se entende que a Árvore pode prestar uma série de serviços e actividades de
interesse público, mediante a apresentação de um programa de actividades, como workshops, conferências, exposições e coisas deste género. O contrato que fizemos termina agora e estamos em condições de solicitar uma reunião na Câmara de modo a retomá-lo. Outras das questões fundamentais prende-se com um acordo com a Escola Profissional das Virtudes, que, para quem não sabe, nasceu aqui. Vamos criar um acordo de utilização de espaços por eles. Isso vai criar um certo desafogo para atacarmos uma das situações mais complexas e difíceis para a cooperativa, que é a dívida que vai mantendo há muitos anos aos artistas, porque nem sempre foi capaz de pagar em devido tempo. Isso seria uma conquista extraordinária para voltar a ganhar a confiança das pessoas.