“O mundo está a mudar e com ele a forma como vemos conteúdos.” Quem o diz é Maurício Valente Ribeiro, fundador da produtora MauMau Mia e um dos principais responsáveis pelo regresso de Contra-Informação, para justificar a nova vida deste incontornável programa de sátira política e social, que está de volta mas com um título diferente e em exclusivo na internet. Chama-se agora Do Contra e é disponibilizado diariamente no portal do Sapo e na aplicação do Meo na televisão.
Os textos são escritos pelo argumentista João Quadros (Tubo de Ensaio, na TSF, e Último a Sair), que integrou a equipa durante três anos quando o programa surgiu em 1996. O cartoonista argentino Pablo Bach, responsável pelas caricaturas do programa original criado por José de Pina e Rui Cardoso Martins, foi também chamado para desenhar os novos bonecos, que irão surgir ao longo das próximas semanas nos programas realizados por Filipe Portela. A equipa de vozes é dirigida por Mila Belo e conta com a participação de Bruno Ferreira ou João Canto e Castro, também repetentes.
Qual o motivo para esta aposta num formato digital, longe do pequeno ecrã em que toda uma geração se habituou a ver retratados os protagonistas da actualidade nos idos anos 1990 e no início do milénio? “[A decisão] permite uma liberdade editorial que em qualquer canal ficaria um bocadinho mais condicionada”, responde Maurício. Outra aposta clara é a tentativa de chegar a um outro público. “Vamos agregar um público que já não vê televisão. Vejo-o por mim, que tenho 46 anos e mal abro a televisão. O formato digital permite chegar a um outro tipo de público e vamos apostar nas redes sociais”, clarifica.
Depois de conseguir o contacto de Mafalda Mendes de Almeida, que desenvolveu o formato original na produtora Mandala, o antigo fotógrafo procurou encontrar uma voz irreverente que assinasse os textos, conferindo-lhes algo de especial. Só quando João Quadros aceitou participar é que a ideia ganhou um novo fôlego. “Ele é completamente irreverente. Toda a gente tem medo do que ele escreve no Tubo”, diz sobre o reconhecimento do humorista. “Este era o projecto que lhe assentava como uma luva”.
Um dos assuntos que muito discutiram foi como poderiam “dar [ao programa] uma volta para ser diferente do que foi”. A resposta surgiu-lhes de forma simples: “ser mais curto, ser one-shot [um episódio que não faz parte de uma narrativa maior], ser diário, apesar de já o ter sido na RTP”, enumera. “Vamos brincar e sempre que possível vamos pegar em notícias, filmes, séries ou outras situações”, conclui.
O primeiro episódio, disponibilizado esta segunda-feira, tem apenas dois minutos. “Queremos ir também reduzindo o tempo dos episódios. Apesar de agora fazermos episódios de dois minutos e meio a três minutos, a ideia é chegarmos no máximo a dois minutos. Queremos coisas de consumo rápido”, adianta.
No sketch de estreia, La Casa Sem Papel, vemos um assalto em que António Nostra (António Costa), Marcelfie (Marcelo Rebelo de Sousa), Mário Semtempo (Mário Centeno, ex-ministro das finanças e governador do Banco de Portugal) e Carlos Gasta (Carlos Costa, ex-governador do Banco de Portugal) invadem o Lodo Banco (Novo Banco) com macacões vermelhos e máscaras de Salvador Dalí – tal como na série espanhola La Casa de Papel –, empunhando armas roubadas do Paiol de Mancos (numa alusão ao roubo de Tancos), para depositarem dinheiro dos contribuintes no cofre do banco. A certa altura, a recepcionista questiona se se trata de facto de um assalto. Mário Semtempo responde que “claro que sim” e que é “um assalto ao contribuinte”.
E em que consiste afinal todo o processo até chegar ao resultado final? Primeiro, explica Maurício, “há um desenho, desse desenho nasce um busto, e dessa escultura nasce um molde”. Segue-se o contramolde, enchimento, até o boneco ganhar forma. É aí que é adicionado o mecanismo e é feita a pintura. “O boneco nasce assim. Parece fácil, mas não é. Depois desse processo, vêm as vozes e depois vamos para o estúdio”, resume. Os bonecos são manipulados com as mãos de pessoas reais e, por vezes, chegam a ser necessárias “duas ou três pesssoas”.
E os portugueses: querem o Contra de volta? Maurício está convicto que sim. “Encomendámos uma sondagem muito séria e o resultado foi brilhante. 87% dos portugueses queria o Contra de volta”, garante. A ideia agora é manter-se no ar “durante muitos anos” e introduzir um boneco novo por mês. Para breve, desvenda, “um avião da TAPA vai andar no IC19”. E mais não diz.
Um programa contracorrente
Contra-Informação foi para o ar em 1996, na RTP. Mas, quatro anos antes, a SIC tentara a sua sorte com Cara Chapada, Desculpem Qualquer Coisinha e Jornalouco, versões prototípicas do programa que nasceria depois pela mão de José de Pina e Rui Cardoso Martins. Na RTP, Joaquim Furtado e Joaquim Vieira, então directores da estação pública, decidiram apostar nas marionetas e abriram a porta a um formato que prosperou e ganhou uma relevância que ninguém antevia. Os primeiros episódios podem ser vistos nos arquivos digitais da RTP.
“Humor político na TV? Nem três meses duram… Passaram três meses e acrescentaram – ‘O país não está preparado para isto, nem aos seis meses chegam’”, relata Cardoso Martins num texto assinado no Público, em Dezembro de 2010, sobre o nascimento do programa, na altura em que a RTP anunciara o seu cancelamento.
O sucesso na RTP foi tal que os bonecos do Contra apareciam em universos fora do programa, como em galas ou em intervalos de jogos de futebol. Em 2007, o programa passa a ser exibido semanalmente e chega ao fim na RTP em 2010.
Em 2013, a SIC Notícias e a SIC Radical foram a casa de ContraPoder, mas a sequela do original também não gerou entusiasmo. O formato apenas online d’Os Bonecos também não pegou, estando no ar entre 2014 e 2015. Do Contra renasceu e agora a Internet é outra. Vamos ver o que acontece.