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Como montar uma sala de concertos em casa (sem gastar um balúrdio)

Nada pode substituir a fruição de um concerto ao vivo, mas a quarentena pode ser uma ocasião para optimizar a reprodução de música em casa. Explicamos como

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A audiofilia – a reprodução musical caseira com a mais alta fidelidade possível – é uma área que costuma suscitar incompreensão ou zombaria entre os “não-iniciados” e há boas razões para tal: os preços exorbitantes dos equipamentos, as excentricidades e picuinhices dos crentes, a terminologia hermética, as discussões bizantinas sobre minudências técnicas. É verdade que há muito snobismo, fantasia, consumismo, afirmação de estatuto social e até fraude a envolver a audiofilia, mas também existem leis físicas e conselhos práticos que ajudam a obter uma reprodução sonora mais realista. Os fabricantes de hi-fi querem convencer os consumidores de que o Santo Graal da alta-fidelidade só pode ser alcançado adquirindo equipamentos dispendiosos, mas estes serão de pouca valia se forem dispostos de forma incorrecta ou se a sala for inapropriada. As sugestões que se seguem poderão ajudar a melhorar a fruição sem ter de trocar o seu equipamento por outro mais caro e terão o benefício de lhe proporcionar ginástica (física e mental) durante este período de confinamento forçado.

Nota: nestas páginas considerar-se-á a forma mais simples de alta-fidelidade, só com duas colunas, mas muitas das recomendações são válidas para sistemas de som surround 5.1 ou 7.1.

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Como montar uma sala de concertos em casa

1. Geometria da Sala

Esta é, para a esmagadora maioria das pessoas, um dado adquirido e só um milionário poderá construir de raiz uma “sala de música” com as proporções ideais entre altura, largura e comprimento. E, embora algumas famílias/casas permitam optar entre uma divisão ou outra para ouvir música, no típico apartamento urbano não há escolha. Desejavelmente, a sala não deverá ser nem quadrada nem muito estreita e comprida; formas “irregulares” (em L, por exemplo) são problemáticas, tal como dimensões muito pequenas ou muito amplas. Seja a sala mais para o quadrado ou mais para o estreito, as colunas devem sempre ser dispostas para “disparar” no sentido do comprimento.

2. A Posição Privilegiada

Seja qual for o hi-fi e a disposição da sala, só há um ponto óptimo de escuta, que é conhecido na gíria audiófila por “sweet spot” (e suscita discussões tão apaixonadas como o da localização do ponto G). Ou seja, quem estiver sentado ao lado de quem está no sweet spot terá uma fruição sub-óptima. Isto não faz da escuta em alta-fidelidade um acto solitário, mas é uma limitação. A menção a “estar sentado” não é acidental: não é possível fruir de uma correcta reprodução sonora enquanto limpa o pó ou faz ginástica. Tem mesmo de estar sentado e o lugar para isso fica no vértice de um triângulo (aproximadamente) equilátero, cujos outros vértices são as duas colunas.

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3. Simetria

O posicionamento das colunas e do ouvinte resulta de um compromisso entre critérios por vezes conflituantes, mas há um que tem primazia: a simetria. O ouvinte deve sentar-se num ponto equidistante das paredes laterais, as colunas equidistantes desse eixo central e a geometria da sala e o seu mobiliário e revestimento devem, tanto quanto possível, ser simétricos em relação ao eixo do comprimento.

4. Distância às Paredes

Muitos audiófilos advogam a regra de 1/3, ou seja, dividindo a sala em 3 porções iguais no sentido do comprimento, as colunas devem ficar sobre a linha que marca o primeiro terço e o ouvinte sobre a linha que marca o segundo terço. A distância entre as colunas e as paredes laterais deverá corresponder a 1/3 da largura. Numa sala com 6x4 metros as colunas deveriam ficar a 2 metros da parede fronteira e a 1,3 metros das paredes laterais e o ouvinte a 2 metros da parede traseira. Porém, a regra de 1/3 é incompatível com as dimensões da maioria dos apartamentos e, em salas com menos de 6 metros de largura, é até incompatível com outra regra que dita que a distância entre colunas deve ser de pelo menos 2 metros. Há especialistas em acústica que, mais razoavelmente, advogam a regra do 1/5: numa sala com 6x4 metros, as colunas ficarão a 1 metro da parede fronteira e a 0,8 metros das paredes laterais e o ouvinte a 1 metro da parede traseira.

Nota: a distância entre as colunas e a parede atrás delas deve ser medida não à face traseira da coluna, mas à sua face frontal; também a distância entre a parede lateral e a coluna deve ser medida ao centro da coluna, não à sua face lateral.

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5. Distância ao Chão

As colunas devem estar dispostas de forma a que o tweeter (o altifalante de agudos) fique à altura dos ouvidos de quem está sentado no ponto de escuta. Quanto ao woofer (o altifalante de graves), não há que ter preocupações, já que as frequências graves são menos direccionais que as agudas. As colunas ditas “de chão” são dimensionadas para cumprir este requisito (pressupondo que o ouvinte se senta num cadeirão/sofá-padrão), pelo que não terá de preocupar-se. Já as colunas mais pequenas irão precisar de um suporte. O mercado disponibiliza larga gama de soluções, mas também é possível improvisar um par de suportes, desde que tenham ambos a mesma altura e sejam acusticamente neutros (se forem ocos, irão entrar em ressonância). Tijolos (maciços) podem ser uma solução barata. Lembre-se de que as colunas vibram e que isto poderá fazê-las deslocar-se e tombar, pelo que o suporte deverá ser estável e nivelado e é recomendável fixar as colunas ao suporte. As colunas pequenas são por vezes denominadas “colunas de estante”, um nome que induz em erro: em caso algum deverão ser colocadas na prateleira de uma estante, pois, as colunas, para funcionarem devidamente, precisam de espaço em volta.

6. Eliminar Obstáculos

Não deve haver mobiliário entre as colunas e o ponto de escuta, embora talvez não seja possível negociar com o seu cônjuge a supressão da mesa de café. O mobiliário até pode contribuir para melhorar a acústica, mas não no espaço entre as colunas e o ouvinte. Já agora, as colunas não devem ser usadas como plinto para vasos ou bibelots (quando em funcionamento) pois a sua vibração será transmitida a esses objectos.

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7. Calibração

As indicações acima são genéricas. Os resultados obtidos dependerão de uma complexa conjugação de factores, para lá da geometria: características do hi-fi, materiais das paredes, chão e tecto, área e disposição das superfícies vidradas, natureza e disposição do mobiliário, e, claro, da sensibilidade auditiva e preferências do ouvinte. É a este que cabe fazer o julgamento, pelo que se sugere que escolha um disco com boa gravação e o use para testar disposições relativas de colunas e ponto de escuta. O que deve procurar é um som nítido e equilibrado, que não suprima nem exacerbe certas frequências, permita distinguir todas as vozes e instrumentos e crie um “palco sonoro” definido e amplo.

8. O Milagre da Estereofonia

O “palco sonoro” é um “artefacto” acústico criado pelos nossos ouvidos e pela nossa mente e consiste na ilusão de um espaço bidimensional situado para trás das colunas, onde é possível situar vozes e instrumentos como se ali estivessem realmente, ainda que a emissão de som provenha apenas de dois pontos – as colunas. Claro que isto requer que a gravação que estamos a ouvir seja estereofónica, caso contrário (gravação monofónica), o som soará como se fosse emitido de um ponto a meio caminho entre as colunas.

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9. Não há fórmulas nem almoços grátis

Quando começar a testar disposições de colunas e ponto de escuta constatará que:

★ Se aproximar muito as colunas, o som torna-se mais focado, mas o palco sonoro mingua;

★ Se aproximar demasiado as colunas da parede atrás delas, o palco sonoro perde definição e os graves tornam-se excessivos;

★ Se o ponto de escuta ficar encostado à parede atrás de si, os graves tornam-se demasiado fortes e distorcidos (pois os graves reflectidos pela parede traseira competem com os graves emanados das colunas);

★ Se o ponto de escuta ficar muito próximo das colunas, ouvirá detalhes não perceptíveis numa posição mais recuada, mas o palco sonoro dissipar-se-á;

★ Se, em vez de ter as colunas dispostas paralelamente às paredes laterais, as colocar num ângulo, apontando para dentro, ganhará nitidez, mas o palco sonoro mingua. Experimente até descobrir o ângulo ideal, mas evite que as colunas apontem directamente para o vértice do triângulo em que está sentado. O som “ideal” é uma demanda utópica que passa pela conciliação de contrários: quando se beneficia um parâmetro, é frequente que se piore outro. Cabe a cada um descobrir o compromisso que mais lhe agrada.

10. Soluções Temporárias

É possível que descubra que a disposição de colunas e ponto de escuta que produz o melhor som é incompatível com o uso que a família dá a essa divisão. Não desespere, pode manter a sala com a disposição usual e só colocar as colunas e o sofá nos lugares ideais quando quiser ouvir música – desde que as colunas sejam relativamente leves ou que tenha experiência como estivador.

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11. Superfícies e Acústica

Idealmente, uma “sala de música” não deveria ter superfícies vidradas, pois o vidro confere ao som nele reflectido características desagradáveis, mas como na vida real temos de conviver com janelas e portas de vidro, estas deverão ser “neutralizadas” com cortinados (quanto mais espessos melhor). Paredes e tecto em alvenaria, chão de ladrilhos escasso mobiliário propiciam fenómenos de reverberação indesejáveis. Se aprecia paredes nuas e decoração minimalista, dificilmente conseguirá obter um som equilibrado, a não ser que recorra aos painéis acústicos que as firmas de alta-fidelidade vendem e instalam por preços geralmente elevados. É desejável diminuir a percentagem de superfícies “duras” e lisas, mas deve ter em atenção que um material “duro” (muito reflector) pode ser acusticamente aceitável se a sua configuração for irregular: isto faz com que, em vez de uma única reflexão, que compete nos seus ouvidos com o som produzido directamente pelas colunas, coexistam numerosas reflexões, pequenas e com múltiplos ângulos, levando a que o som emanado das colunas predomine. Estantes repletas de livros ajudam a gerar este efeito de “difusão”, sobretudo se os livros forem de dimensões variadas e a sua arrumação criar reentrâncias e protuberâncias (quanto mais irregular, melhor). Estantes com CDs e LPs ajudam, embora não sejam tão eficazes quanto os livros, por terem dimensões padronizadas. Quanto ao tecto, não há muito a fazer (sem gastar dinheiro) mas se o chão estiver “controlado” com tapetes (quanto mais espessos melhor), não precisa de se preocupar muito com ele. Chão com parquet (sobretudo se for mesmo de madeira e não de laminado sintético) e paredes (e tecto) revestidos a madeira ou cortiça ou com tapeçarias são positivos. Móveis com superfícies vidradas são tão indesejáveis quanto janelas, e cristaleiras deverão receber ordem de despejo, mesmo que sejam herança de família. Note que o objectivo não é converter a sala numa câmara anecóica, apenas torná-la acusticamente neutra, de forma a deixar “falar” as colunas.

12. Boas Audições

As limitações impostas por cada casa e pelas prioridades e estilo de vida dos seus habitantes impedirão que se siga à risca todas as sugestões acima. Todavia, é provável que, mesmo que consiga implementar apenas algumas delas, obtenha melhorias apreciáveis na fruição sonora e comece a reparar em detalhes que nunca ouvira e até poderá redescobrir músicas que julgava conhecer bem.

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