inclusividade
Fotografia de Joana LindaO TBA tem casas de banho sem género, coisa rara em Portugal
Fotografia de Joana Linda

Cultura (quase) para todas e todos

Entre espectáculos com interpretação em Língua Gestual Portuguesa e sessões descontraídas, fazemos um apanhado das práticas de acessibilidade de alguns teatros.

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Todos os teatros dizem querer chegar a públicos mais alargados, mas na prática ainda há muito por fazer. As artes performativas continuam a operar num nicho e a servir, sobretudo, uma fatia da população portuguesa mais privilegiada, em termos sociais, geográficos, étnicos, económicos, intelectuais. Contudo, são cada vez mais as instituições culturais que começam a investir, de forma mais empenhada, em medidas de acessibilidade intelectual, social e física, permitindo que parte (ainda insuficiente…) das suas programações chegue a espectadores com necessidades específicas. Seguem-se alguns exemplos de boas práticas, com agenda de espectáculos e actividades incluída.

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Acessibilidade intelectual

Neste departamento entram uma série de medidas, a começar pelos espectáculos com interpretação em Língua Gestual Portuguesa (LGP), para as pessoas surdas, e com audiodescrição, para as pessoas cegas ou com outro tipo de deficiências visuais. O mais comum é haver apenas uma récita com estas condições de acessibilidade. A encenação de Carlos Pimenta para o clássico de Tchékov As Três Irmãs, em estreia este mês no Teatro Nacional São João (TNSJ), vai contar com interpretação em LGP no dia 10 de Janeiro. A 24 de Janeiro, o Teatro do Bairro Alto (TBA) apresenta uma sessão com audiodescrição e interpretação em LGP de A Nossa Cidade, a nova criação conjunta d’Os Possessos, dos Auéééu – Teatro e do Teatro da Cidade, três jovens companhias de Lisboa. No mesmo dia, no São Luiz Teatro Municipal, a peça de teatro musical Cabaret Repórter X, de André Murraças, contará com LGP, e no Teatro Nacional D. Maria II o novo espectáculo de Mónica Calle, Carta, terá audiodescrição. No dia 31 há duas escolhas: no D. Maria II, o espectáculo OFF, de Chris Thorpe e da Mala Voadora, terá interpretação em LGP, tal como O Cerejal, encenado por Sandra Faleiro no São Luiz, também com audiodescrição.

Há ainda as chamadas sessões descontraídas, destinadas a adultos e crianças com défice de atenção, deficiências cognitivas ou autismo, bem como a famílias que queiram estar num ambiente com etiquetas de comportamento mais relaxadas. No dia 31 de Janeiro, o LU.CA tem uma sessão descontraída da peça MacBad, do Teatro Praga. Neste teatro lisboeta, para todas estas sessões existe uma “história visual” que informa previamente sobre os detalhes do espectáculo e do edifício (pode ser descarregada no site ou levantada na bilheteira). Para ficar a par dos próximos espectáculos com sessões acessíveis, siga a página Cultura Acessível.

Acessibilidade física e social

Não é fácil encontrar um teatro em que todas as áreas do edifício sejam acessíveis ao público com mobilidade condicionada (o D. Maria II é um dos poucos exemplos). No entanto, as salas de espectáculos propriamente ditas costumam ter lugares reservados para pessoas com cadeiras de rodas. Há ainda quem faça descontos nos bilhetes para espectadores com mobilidade reduzida, como é o caso do TBA, do São Luiz ou do Teatro Municipal do Porto. No LU.CA, os cães-guia são bem-vindos – só é preciso informar previamente o teatro.

Em relação às políticas de bilheteira, todos os teatros praticam diferentes modalidades de descontos: para menores de 18 ou 25 anos, para estudantes, para escolas, para profissionais do espectáculo, para maiores de 65 anos ou para desempregados. Na temporada 2020-21, o TNSJ lançou a criação de uma Bolsa de Bilhetes Sociais, abrangendo os alunos beneficiários do SASE, que pagam apenas 1€ por bilhete. Noutro espectro, mas ainda no que toca a políticas de inclusão, o TBA tem casas de banho sem género, coisa rara em Portugal.

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Outras acessibilidades

Em 2021, alguns teatros vão continuar a investir na programação digital. É bom para toda a gente, particularmente para quem pertence aos grupos de risco para a covid-19 e não se sente à vontade para regressar às actividades culturais, e também para quem não consegue sair a tempo do trabalho para ir ver espectáculos nos novos horários de final de tarde. Destacamos a programação do TBA, que, além das sessões em streaming, tem conteúdos concebidos especificamente para as plataformas online – tudo de visualização ou participação gratuita. Este mês, na Sala Zoom do TBA, há mais um round do projecto Práticas de Leitura, no dia 16, desta vez em torno do livro Artesãs, Artistas, Pioneiras, de Maria Antónia Fiadeiro; e, a 27 e 28, a conferência/aula Lessons on Logistics, pelo professor de teoria política italiano Sandro Mezzadra.

O Teatro Municipal do Porto também está a desenvolver os seus palcos digitais com a transmissão em directo das Quintas de Leitura e de alguns espectáculos (na mesma com bilhete pago), e ainda com o projecto PAR(S) – Artes Performativas e Imagem Online, pensado propositadamente para o digital.

Mais palco:

2020 foi um ano trágico para as artes performativas em Portugal. A paralisação da cultura provocada pela pandemia fez com que uma grande parte dos artistas e profissionais deste sector (e de muitos outros) perdesse os meios de subsistência, sem acesso a apoios dignos. Os teatros adaptaram-se a novas normas, a uma nova realidade e a uma reestruturação logística em várias frentes. Pedimos a Nuno Cardoso (encenador e director artístico do Teatro Nacional São João), Nádia Yracema (actriz e criadora), Joana Castro (coreógrafa e bailarina) e Beatriz Vasconcelos (espectadora) para fazerem o seu balanço de 2020.

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2020 ainda vai a meio, mas podemos dizer que está a ser um ano trágico para as artes performativas em Portugal. A paralisação da cultura provocada pela pandemia fez com que uma grande parte dos artistas e profissionais deste sector (e de muitos outros) ficassem sem trabalho. Sem meios de subsistência, sem possibilidades de compensar num mês o que perdeu no outro, sem acesso a apoios dignos. As críticas às medidas débeis e insuficientes do Ministério da Cultura foram amontoando-se, e os movimentos reivindicativos foram ganhando corpo. E assim continuam, agora também nas ruas – no passado dia 4 de Junho, houve uma manifestação nacional de trabalhadores da cultura e das artes nas cidades do Porto, Lisboa e Faro.

É neste cenário turbulento e desolador que alguns teatros do país começam a desconfinar, tendo de obedecer a uma série de normas que ficaram definidas a menos de uma semana da reabertura, como a ocupação máxima das salas até 50%, as distâncias entre espectadores (um lugar de intervalo entre cada um, excepto se forem coabitantes, com uso obrigatório de máscara) e a higienização completa das salas antes da abertura de portas e após cada sessão. Além destas coordenadas, há um conjunto de regras que têm de ser cumpridas pelas equipas dos teatros no seu dia-a-dia.

Este pacote de medidas implica gastos extra muito significativos, o que faz com que várias estruturas independentes não tenham meios para retomar a actividade, alerta a Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas. Por isso mesmo, a reabertura das salas de espectáculos “não significa a retoma do sector”. O regresso aos palcos com perspectivas de futuro é, por enquanto, um privilégio de alguns. “A grande preocupação que se devia ter neste momento é como apoiar as pequenas estruturas e espaços que fazem quase 90% do tecido criativo do país”, defende Nuno Cardoso, encenador e director artístico do Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto. “Tal como a pandemia, esta é uma realidade assimétrica.”

Além do Theatro Circo (Braga), do Teatro Aveirense (Aveiro), do Teatro Viriato (Viseu) ou do Teatro Villaret (Lisboa), o TNSJ é um dos teatros que está a voltar à vida offline, mas sem pressas. Até Julho vão estar abertos ao público apenas o Centro de Documentação e as bilheteiras. Em Agosto dá-se o arranque antecipado da temporada, com a estreia de O Burguês Fidalgo, de Molière, pela Palmilha Dentada, e com a apresentação de Castro, de António Ferreira, numa encenação de Nuno Cardoso. Castro chegou a estrear no Teatro Aveirense, mas a digressão foi interrompida pela pandemia. “Como encenador, estou numa situação afortunada porque tinha acabado de estrear uma peça – uma peça que é sobre o confinamento medieval do amor”, diz o director artístico do TNSJ. A equipa vai voltar em breve aos ensaios, que vão servir “de teste” para os que se seguirão, tanto no que toca às produções do TNSJ como às co-produções, que implicam o acolhimento temporário de artistas e companhias.

“O TNSJ começará a trabalhar caso a caso, fazendo um esforço para que cada projecto não tenha de passar por uma alteração profunda do seu método criativo.” Estes novos tempos exigem toda uma reestruturação logística em várias frentes: ensaios parciais, roupa usada exclusivamente para os ensaios, diferentes circuitos de deslocação para as várias equipas do teatro, adereços e figurinos que já não podem passar de mão em mão, entre muitos outros procedimentos. No que diz respeito aos espectáculos, e artisticamente falando, Nuno Cardoso acredita que não vai ser assim “tão esquisito” ver uma plateia toda de máscara. “Não estraga a essência da coisa.”

Fernando Mora Ramos, encenador e director artístico do Teatro da Rainha não está tão convicto. “O facto de os espectadores estarem de máscara, e separados uns dos outros, é completamente diferente”, afirma. “Perde-se alguma daquela energia que é típica de uma assembleia e que faz a especificidade de uma plateia de teatro.” A companhia sediada nas Caldas da Rainha vai estrear, no dia 24, uma adaptação de O Discurso do Filho da Puta, de Alberto Pimenta, numa parceria com o músico Miguel Azguime. A reconfiguração da programação fez com que este projecto “aumentasse de escala”, convertendo-se num espectáculo de palco que ficará em cena durante três semanas. De resto, Fernando Mora Ramos recusa-se a ceder ao medo do coronavírus. “Não somos de panicar. Os espectadores têm o desinfectante à entrada, temos os circuitos de entrada e saída pensados e vamos alargar o espaço.”

Em Julho, o Teatro da Rainha irá acolher um espectáculo dos Artistas Unidos, companhia de Jorge Silva Melo com residência fixa no Teatro da Politécnica, em Lisboa, que reabre a 27 de Agosto com a reposição do solo Uma Solidão Demasiado Ruidosa, de e com António Simão. Esta sala enfrenta dificuldades bastante diferentes das dos teatros nacionais ou municipais. “Podemos contar com a afluência de espectadores? Para uma sala que, na melhor das hipóteses, terá 40 lugares? Como vamos instalar todas aquelas medidas num espaço tão pequeno? E pagamos renda”, resume Jorge Silva Melo.

Apesar de terem apoio da DGArtes, a pandemia deixou os Artistas Unidos numa situação difícil. “A DGArtes cobre cerca de 45% da nossa actividade num ano normal. Os restantes 55% têm sido garantidos ou por co-produtores ou por apoios específicos ou por receitas próprias. E agora? Não só as despesas vão aumentar uns 30%, como as receitas até agora desceram impressionantemente: 30.000 euros previstos no primeiro trimestre que não se realizaram”, nota Jorge Silva Melo. “Gostávamos de poder continuar a trabalhar, mas a realidade é a realidade. Sem apoios para esse aumento, não poderemos fazer teatro.”

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2020 foi um ano trágico para as artes performativas em Portugal. A paralisação da cultura provocada pela pandemia fez com que uma grande parte dos artistas e profissionais deste sector (e de muitos outros) perdesse os meios de subsistência, sem acesso a apoios dignos. Os teatros começaram a desconfinar, adaptando-se a novas normas, a uma nova realidade e a uma reestruturação logística em várias frentes – desde ensaios parciais, a roupa usada exclusivamente para os ensaios, diferentes circuitos de deslocação para as várias equipas do teatro, entre muitos outros procedimentos. Após sobreviver a 2020, os palcos estão prontos para um novo ano. Saiba o que não pode perder no primeiro trimestre de 2021.

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