Dá Licença
© Francisco NogueiraDá Licença
© Francisco Nogueira

Viagens: Dá Licença, um elogio à arte e à natureza

Entre Estremoz e Evoramonte há um paraíso de oito quartos que serve de casa a uma colecção inimaginável de arte e artesanato, o Dá Licença. Ouvido por aí que seria, provavelmente, um dos boutique hotéis mais bonitos do mundo, fomos lá ver e tirar as teimas

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Se me dão licença, tomo a liberdade de começar este texto com um relato na primeira pessoa. A tentativa tosca de manter a distância para não corromper a ética que se exige à prática jornalística obrigar-me-ia a ser uma mera espectadora de uma das melhores experiências que tive o privilégio de viver, e isso, sendo perfeitamente possível, não é o que quero fazer.

O Dá Licença, antes de ser o magnífico sítio que é, era para ser só uma casa de férias de Victor Borges e Franck Laigneau, que procuravam um pequeno refúgio no campo para onde pudessem fugir quando a vida em Paris se tornasse demasiado frenética. Acabaram por se mudar definitivamente para a antiga Herdade das Freiras, em Estremoz, depois de terem assistido àquele que dizem ter sido o pôr-do-sol mais inspirador que viram na vida e, de repente viram-se a braços com uma propriedade de 120 hectares com três edifícios, um olival a perder de vista, muito mato por desbravar e um potencial tremendo para dar vida à ideia acabadinha de surgir: criar uma casa aberta onde se reunissem arte e natureza nas suas formas mais puras e que pudesse ser vivida como uma viagem sensorial pelas artes e ofícios numa perspectiva simultaneamente utilitária e contemplativa.

Victor deixou o trabalho na Hermès, Franck fechou a galeria de arte que tinha ao pé do Musée D'Orsay e juntos começaram a projectar aquele que, três anos mais tarde, viria a ser o boutique hotel mais bonito de que há memória. O nome, que ainda pensámos que pudesse vir de um jogo de infância de que já muito poucos se lembram, é explicado pelo facto de em Portugal se pecar por excesso de cortesia. Pede-se licença para entrar, para passar, para sair, para ir, enfim... Victor e Franck ouviram-no tantas vezes durante a obra que resolveram adoptar a expressão.

Os interiores foram desenhados a régua e esquadro com a ajuda de um gabinete de arquitectura local e, embora tivesse sido mais fácil deitar abaixo e construir de novo, a traça original da casa, as paredes caiadas, o tanque logo à entrada e o longo muro que separa o pomar da planície permaneceram intocados. O resto, desde a antiga casa do gado transformada em três suítes, às janelas que tiveram de ser rasgadas para deixar entrar o sol, até ao terreno bravo para onde foram transplantadas as oliveiras que fazem sombra no Verão, nada está como era.

A entrada na casa principal faz-se por um portão redondo que dá acesso a um pátio fechado. De um lado as áreas de convívio, do outro mais dois quartos. A recepção é uma pequena amostra do que se esconde mais adiante e começa logo por reunir alguns exemplares da colecção de Franck, aos quais se juntaram peças de artesãos locais e uma lareira suspensa feita com dobradiças velhas, comprada a um ferreiro da zona. Ninguém queria aquilo. Victor e Franck souberam logo onde tinham de a pôr.

Chega-se depois à primeira de três salas de jantar com mesa para dois. Na primeira, a Sala Vernacular, convivem mobílias art noveau escandinavas com esculturas da artista Susana Piteira. Passa-se pela Sala Simbolismo, que dá espaço a um biombo imponente pintado à mão que ilustra a construção das cidades em contraste com a natureza, e terminasse na Sala Cubismo, onde se janta em móveis Steiner e se percebe, afinal, o que é isso do mobiliário escultural como forma de pensamento livre. Na sala de estar, virada para uma piscina infinita empoleirada na Serra d’Ossa, mais uma viagem pelo movimento Antroposófico e pela arte plástica contemporânea que aqui se cruzam com as famosas mantas de Monsaraz da não menos famosa Mizette Nielsen. Podíamos continuar a enumerar cada uma das representações artísticas que encontrámos pela casa mas vamos rematar o assunto dizendo que entre os oito quartos e suítes (há uma com 180 m2 e outras duas com piscina privativa) não há uma peça igual à outra, e o mesmo vale para as casas de banho, com lavatórios e banheiras em mármore, esculpidos à mão pelo único artesão local que ainda tem a coragem de se aventurar em trabalhos de grande porte. O antigo lagar, a 800 metros da casa-mãe, acolhe a Galeria de Arte onde repousa uma parte da colecção trazida de Paris e o futuro restaurante, que deve abrir já na Primavera. Até lá, Victor vai-se entretendo na cozinha e tomando conta dos jantares (só por marcação). Não se espante com o trapézio e o colchão à entrada. Fazem parte da visão artística do casal e são uma lembrança do passado de Franck como trapezista.

No fim do dia chega o convite para ver o tal pôr-do-sol que apaixonou Victor e Franck. O cenário lunar da piscina principal, protegida por árvores de fruto e por blocos de mármore gigantes, não é escolhido por acaso. É lá, na parte mais baixa do terreno, que se vê a serra e o olival a mudar de cor e as luzes de Estremoz e Evoramonte a acenderem-se e a darem o dia por terminado.

Outeiro das Freiras – Santo Estêvão, Estremoz. 96 295 0540. Estadia mínima de duas noites desde 300€.

Como chegar

Na primeira rotunda de Estremoz siga em direcção a Sousel ou Fronteira. Após 5 km encontra a aldeia Venda da Porca. No primeiro semáforo vire à direita para o Outeiro das Freiras (sinal existente) e a cerca de 1,5 km chega ao seu destino.

Já que aqui está

Caça ao tesouro na Feira de Estremoz

Dentro das muralhas de Estremoz, ali mesmo no centro, onde se ergue a estátua em homenagem à Rainha Santa Isabel, antes de partir à descoberta das ruelas da parte antiga da cidade, vale a pena dar uma de turista estrangeiro e espreitar a Pousada Castelo, edifício mandado construir por D. Diniz para a rainha sua esposa no século XII. À saída vire à esquerda e prepare-se para entrar numa teia intrincada de ruas pequenas e estreitas que escondem algumas lojas de velharias e antiquários. Parecem sempre fechadas, mas se bater à porta haverá quem apareça e convide a entrar. Se aprecia pratos de faiança centenários, loiça Bordallo Pinheiro original e porcelanas finas há bons exemplares à venda. Mas se o que gosta mesmo é de desencantar boas pechinchas, a Feira de Velharias e Antiguidades de Estremoz acontece todos os sábados de manhã no Rossio Marquês de Pombal e reúne mobiliário, roupa antiga, brinquedos do tempo da outra senhora, muitos, mas mesmo muitos, garrafões de vidro, jóias verdadeiras (e outras nem por isso), malinhas em pele e cadeiras alentejanas pintadas à mão. No fim, já depois de ter dado quatro voltas ao recinto, pare para abastecer na zona dos produtos regionais. Além da selecção abundante de frutas e vegetais da estação, há umas barraquinhas dedicadas aos queijos e enchidos da região que, à boa maneira alentejana, dispensam sempre exemplares para prova. Se acha que a cabeça de xara é um pitéu gourmet que se vende ao preço do pinhão nas cidades grandes, saiba que aqui pode encontrá-la a 4€/kg.

À moda alentejana

Para almoçar apetece-lhe: 1) um sítio tradicional e francamente despretensioso ou 2) um restaurante mais selecto com uma sala arejada e uma vista bonita? Se escolheu a primeira opção, não tem nada que saber, siga para a Venda Azul (Largo de São José, 26, Estremoz. 96 194 1394. Preço médio: 15€) e entretenha-se logo à chegada a tentar decidir entre os vários cortes de porco preto grelhados, o bacalhau cozido com todos, os choquinhos com batata cozida ou as migas alentejanas com porco preto. A casa é modesta mas orgulha-se de servir a comida mais genuína da região, pelo que se a ideia é matar saudades de uma mesa farta a preço simpático e dos empregados de mesa que ainda sabem mandar umas bocas engraçadas aos clientes, tão raros nos dias que correm, está no sítio certo. Por outro lado, se quer uma experiência gastronómica mais elegante, o restaurante da Herdade das Servas (Herdade das Servas, Estremoz. 26 809 8080. Preço médio: 25€) oferece um dois em um difícil de recusar: boa comida regional com uns pozinhos de inovação e vinhos igualmente bons. Sopa de tomate alentejana, cação de coentrada e costeletas de borrego panadas são algumas das especialidades da cozinha e opções sempre seguras. Para ser em grande, porque um dia não são dias, 34€ é quanto custa uma garrafa de Herdade das Servas vinhas velhas reserva tinto, um vinho de excelência e que vai bem com qualquer coisinha.

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