“É sem dúvida uma oportunidade rara de o público em geral poder utilizar um visor destes", diz Sofia Castro. "Os especialistas em estereoscopia dizem que a ilusão de profundidade através de vidro translúcido é única", confirma Vítor Gens. "Por isso é que privilegiámos este visionamento assim, com estes visores históricos", remata Sofia. O ritmo a que falam revela o entusiasmo dos dois curadores da exposição "Jorge Marçal da Silva. A dimensão imersiva", recém-inaugurada no Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico.
Além das 32 imagens que vai poder ver nos oito visores estereoscópicos das três primeiras décadas de 1900, os curadores preocuparam-se em encontrar outras formas de o público chegar ao 3D. "Há pessoas que não conseguem ver as imagens dos visores estereoscópicos ou os anaglifos, e há mesmo até quem se sinta maldisposto", diz Sofia, explicando que é um exercício difícil que se exige ao cérebro.
Assim, ao fundo do corredor, vai poder ver anaglifos usando os conhecidos óculos de lentes vermelha e azul popularizados nos anos 1950, mas que, incrivelmente, foram pela primeira vez projectadas desta forma, em 1858, pelo luso-descendente Joseph de Almeida. São oito imagens impressas, mais 16 em televisor na sala ao lado. (Prepare-se para quase sentir o cheiro do cigarro do marinheiro que está a sair da escotilha de um submarino, tal é a ilusão de proximidade conseguida.)
Duas outras salas (uma no piso 0 outra no piso 1) usam edição de imagem actual, para visionamento em televisor, com os óculos 3D que recebe na recepção do Arquivo. Em cada uma delas são apresentadas 25 imagens até 8 de Junho, data em que serão substituídas por outras 2x25, permitindo assim dar a conhecer um total de 100 fotografias estereoscópicas neste grande formato.
Mas a tónica, claro, é posta nos originais de Jorge Marçal da Silva, sobretudo na estereoscopia em diapositivos de vidro no formato Vérascope (umas lamelas de vidro de 1-1,1 mm de espessura e 4,5x10,7 cm, com a imagem esquerda e direita, que vai poder ver em mesas de luz), que constitui a esmagadora maioria da colecção doada pela família deste cirurgião e fotógrafo amador, nascido em 1878 e que morreu precocemente, aos 50 anos. O Arquivo recebeu mais de 4000 imagens entre negativos e diapositivos em suporte de gelatina e prata, em vidro, maioritariamente Vérascope; e também, embora em muito menor quantidade, negativos em acetato de celulose e provas fotográficas, em papel, impressas pelo autor, de que pode ver uma selecção no início da exposição.
Uma outra sala da exposição é dedicada ao Autochrome estereoscópico. Aqui pode ver 20 diapositivos em mesa de luz e surpreender-se com a profundidade de campo e a cor das imagens dos dois visores históricos. Não deixe escapar a jarra de girassóis que está neste visor.
No piso superior destaque para uma opção expositiva curiosa. Os curadores decidiram mostrar numa grande mesa de luz todas as fotografias tiradas ao longo de um mês, Agosto de 1909, ordenadas por dia, para assim darem a conhecer um pouco o autor: quem o acompanhava, os locais que visitou, os temas que o interessavam e também um pouco da sua personalidade, já que cada vidro Vérascope é legendado, datado, numerado e assinado por Jorge Marçal da Silva.
O número de cada diapositivo surge nos seus livros de registo, que se encontram na mesma sala, onde Marçal da Silva anotava informação detalhada sobre cada fotografia: hora de captação, luz (por exemplo: "Sol com nuvens brancas") ou iluminação artificial, objectiva usada, abertura do diafragma, marca da emulsão, tempo de exposição, revelação (líquido e técnica) e observações.
As anotações meticulosas dos livros de registo não são a única prova do grande interesse deste cirurgião pela fotografia. O sofisticado visor de mesa Taxiphote com arquivador de 300 diapositivos e armário arquivador para 1100 diapositivos, bem como o ampliador e projector vertical Ruby Enlarger, que pode ver na sala dedicada ao laboratório, representam um grande investimento. São todas estas curiosidades que as legendas não contam que pode ficar a conhecer nas visitas guiadas previstas para os próximos meses. A próxima é já dia 6 de Maio.
Visitas guiadas: 10.00 e 15.00, 6 de Maio, 3 de Junho, 8 de Julho e 5 de Agosto.
Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico. Rua da Palma, 246. Seg-Sex 10.00-18.00. Até 31 de Agosto