Pedro Penim
Manuel MansoPedro Penim assumiu o cargo de director artístico do Teatro Nacional D. Maria II
Manuel Manso

Os trabalhos de Pedro Penim

O fundador do Teatro Praga é o novo director artístico do Teatro Nacional D. Maria II. Antecipámos os desafios que o aguardam no cargo.

Margarida Coutinho
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A sucessão de Tiago Rodrigues no Teatro Nacional D. Maria II selou-se publicamente com um abraço. Foi com este gesto de cumplicidade entre ambos que Pedro Penim subiu ao palco para discursar pela primeira vez enquanto futuro ocupante do cargo, na apresentação da última temporada assinada pelo antecessor, no início de Setembro. A voz tremeu, mas não falhou. O trabalho arrancou no início deste mês de Novembro, altura em que Tiago Rodrigues se mudou de malas e bagagens para França, para ser o primeiro director estangeiro do Festival d’Avignon.

Perante um antecessor que arrecadou um prémio Pessoa, foi convidado a encenar na Royal Shakespeare Company, em Inglaterra (Blindness and Seeing, a partir de José Saramago), e até foi nomeado como um dos “lisboetas do ano” pela Time Out, em 2019 (sim, uma das maiores conquistas do encenador), Pedro Penim não evita o elefante na sala. “O legado [deixado por Tiago Rodrigues] não é assustador, é inspirador, porque chego a um teatro num estado muito saudável, muito pertinente, com ligações nacionais e internacionais muito activadas e relevantes”, afirma.

Sobre o que se pode esperar do próximo mandato, o fundador do Teatro Praga mantém a reserva. “Estou a dar-me tempo para pensar, analisar todos os dossiers do teatro e, por isso, ainda não tenho respostas.” Vale-lhe o voto de confiança do Ministério da Cultura, do conselho de administração do teatro e do próprio Tiago Rodrigues. “Tenho admiração e confiança no Pedro Penim por causa do seu percurso artístico e do seu pensamento enquanto cidadão e artista”, diz o encenador. “A forma como o Pedro encara este desafio permite-me acreditar que estamos num início de ciclo do D. Maria II no qual podemos depositar muitas esperanças.”

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Manuel MansoPedro Penim e Tiago Rodrigues na apresentação da última temporada assinada pelo novo director artístico do Festival d’Avignon

“Ainda há muito a fazer”

Mesmo com tantos elogios dentro e fora de portas, Tiago Rodrigues não tem dificuldade em apontar à Time Out o que continua por atingir: “Trabalhámos muito a inclusão junto do público, mas ainda há muito a fazer na diversidade, acessibilidade e inclusão junto dos artistas.” Esta inclusão fala também para os artistas negros. “Na sociedade portuguesa ainda não há mulheres e homens negros em lugares de destaque e na criação artística temos a responsabilidade de sermos pioneiros nessa área.” No entanto, acredita que esse desígnio fica em boas mãos: “Tenho a certeza que o Penim vai dar continuidade a esse trabalho de diversidade.” 

Zia Soares, actriz e directora artística do Teatro GRIOT, em Lisboa, concorda: ainda há trabalho a fazer nesse sentido no D. Maria II. “Acho uma pena, por exemplo, que o Teatro GRIOT, uma companhia com 12 anos de existência só com actores negros, nunca se tenha apresentado no Teatro Nacional até hoje”, nota, sublinhando que “não foi por falta de contactos ou apresentações de projectos, mas porque não houve interesse das anteriores direcções”. A programadora deposita agora confiança nesta nova equipa, até porque vê em Pedro Penim “toda a competência e toda a vontade para fazer um excelente trabalho”.

Também Patrícia Portela, directora artística do Teatro Viriato, em Viseu, reconhece a importância da inclusão no sector cultural, chegando a apontar a necessidade de o Teatro Nacional “ser um microcosmos do que a sociedade fora do palco pode e tem de ser”. O que antevê que possa acontecer com a nova direcção, lembrando que “a obra do Penim e dos Praga sempre procurou iluminar a diferença e elaborar o diálogo”. “Nesse sentido, penso que o motor e combustível para a sua criação e actividade artística já reside nessa vontade de escolher sempre o caminho por fazer.”

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Manuel MansoO fundador do Teatro Praga deixa esta equipa para se dedicar ao novo cargo no Teatro Nacional D. Maria II

A diversidade não basta

O D. Maria II, enquanto Teatro Nacional, rege-se por uma lei orgânica que prevê que se cumpram parâmetros como a defesa da língua portuguesa, a promoção de obras clássicas ou a abertura do teatro à comunidade. Esta última, na opinião de André Teodósio, actor, encenador e co-fundador do Teatro Praga, só é possível se “todas as pessoas tiverem acesso monetário aos espectáculos”. Para isso, sugere, “deve haver um maior investimento na redução do preço dos bilhetes e na promoção de packs para famílias”. A opinião é partilhada por Zia Soares, que lembra que “não basta ter uma programação diversificada, se esta não for usufruída por um público também ele diversificado”. Assim, a directora artística do Teatro GRIOT nota que “é preciso pensar modalidades adaptadas às condições económicas e sociais das comunidades”. 

O fundador do Teatro da Comuna e ex-director artístico do D. Maria II, João Mota, reforça que um dos grandes desafios é “fazer teatro para pessoas de todos os credos e todas as raças”, ao mesmo tempo que se deve manter a aposta no teatro clássico porque este “ensina-nos e não se pode perder”. André Teodósio diz que não chega: “O Teatro Nacional tem de ter essa missão de reconhecimento da multiplicidade das fases de teatro em Portugal e, ao mesmo tempo, de explicitação, transição e enquadramento dessas práticas para o público.” Para este encenador, a nova direcção artística deve incluir um “reportório de contemporaneidade” que inclua várias perspectivas históricas, mas também que situe os espectadores no tempo e no espaço para compreenderem a peça. “Às vezes apresenta-se uma temporada, mas ela não está sistematizada portanto as pessoas ficam perdidas sobre aquilo que estão a ver”, explica. “O Teatro Nacional também deve ter essa função didáctica.”

Por outro lado, durante os quase sete anos com Tiago Rodrigues ao leme, houve uma abertura do D. Maria II à cidade, através de iniciativas como visitas aos bastidores ou a extensão da programação a outros equipamentos, como o Maria Matos. Mas é preciso ir mais longe. Para Zia Soares, “tem que haver uma aproximação às pessoas que vivem fora daquilo que é chamado o centro”. Teodósio concorda: “É preciso dialogar no território, ir a mais sítios e abrir mão deste equipamento”, um edifício de 175 anos em pleno Rossio. De que forma é que se deve fazer esta aproximação? É um dos muitos trabalhos de Penim. João Mota, que deu aulas tanto a Tiago Rodrigues como a Pedro Penim na Escola Superior de Teatro e Cinema, não tem dúvidas de que este último estará à altura do cargo, uma posição que ele próprio já ocupou entre 2012 e 2014. “O Penim é um homem com coragem, está habituado a grandes desafios e vai levar as obrigações dum Teatro Nacional avante.”

Conversa de palco

Desde o início de 2019 que está à frente da Rua das Gaivotas 6, espaço do Teatro Praga, uma casa que tem por hábito dar carta-branca aos artistas que por lá passam. Pedro Barreiro é daquelas pessoas com quem dá gosto debater ideias. Não hesita em meter o dedo na ferida, seja ela qual for. E, por estes dias de quarentena, já prometeu que não vai cortar a barba nem cortar o cabelo, pelo menos até poder sair à rua. É dos que considera que as artes performativas não podem, a longo prazo, prosseguir online.

O ciclo Este é o Meu Corpo reúne os sete emblemáticos solos de Mónica Calle. São 30 anos de vida e de trabalho redescobertos e actualizados, num gesto de afirmação e resistência em que a actriz, criadora e fundadora do grupo de teatro Casa Conveniente regressa à palavra, através do seu corpo e com Dulce Maria Cardoso, Rimbaud, Samuel Beckett, Henry Miller ou Al Berto, e à pergunta que sempre lhe serviu de bússola: como se continua? “Gostava que isto me permitisse abrir um novo ciclo e encontrar algumas respostas. Agora vou confrontar-me com muitas outras coisas.”

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Tiago Rodrigues acaba de ser reconduzido para um terceiro mandato como director artístico do Teatro Nacional Dona Maria II. Este é o resumo possível de uma conversa longa e sem grande guião, mediada pelo ecrã como todo o teatro possível por estes dias. Uma sessão de zoom em que o Prémio Pessoa 2019 fala de política cultural e de intervenção cívica, da cegueira e da lucidez adiada, de Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, de tudo o que a pandemia ameaça matar e da explosão criativa que já estamos a viver à conta dela.

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