A entrada no Browers é impressionante. Instalado na antiga Central Eléctrica da Manutenção Militar de Lisboa, é um pavilhão com 700 metros quadrados e um pé alto digno de uma tenda de circo.
Mal passamos a porta, em frente estão as cubas de cerveja, cenário de um balcão imenso, com capacidade para 40 lugares. Ficamos logo com a sensação do espírito do lugar: uma cervejaria à antiga, de feitio moderno, aquilo que a Portugália da Avenida Almirante Reis teria sido se Eduardo Souto de Moura e Nuno Graça Moura tivessem feito o projecto de arquitectura.
Faltam os aquários de crustáceos, é certo, mas a alma é a da cervejaria portuguesa e, portanto, a minha esperança era ter ali uma versão do século XXI, feita com a competência habitual de Luís Gaspar, chef que assina a carta.
Não foi o caso, porque tudo esteve quase: serviço quase bom, comida quase saborosa, ambiente quase divertido, conta quase agradável.
Comecemos pela entrada. Sexta-feira ao jantar, 20.30, menos de meia casa, mas tudo pensado para o sítio parecer composto. Mesas e cadeiras espaçadas, algumas recolhidas, espaços por ocupar, o balcão praticamente vazio.
Não terá sido esta a expectativa do Grupo Super Bock, dono do spin off The Browers Company, nem do rei da restauração lisboeta, o grupo Plateform, parceria que ganhou a concessão do espaço na Unicorn Factory Lisboa e que aqui terá investido mais de três milhões de euros.
A primeira estranheza é a carta não ser servida toda ao balcão. Para quem gosta de balcões é um desgosto. “Dos pratos quentes só servimos o prego ao balcão”, indicou a assistente de sala, empurrando-nos assim para o sector das mesas à direita, praticamente vazio e frio.
Menu em forma de individual de papel descartável, cheio de clássicos de cervejaria, uma maravilha boa para nos fazer salivar, dava vontade de pedir tudo.
Rapidamente aterram tostas finíssimas caseiras, uma casca de sapateira recheada, croquetes de carne bovina, a saladinha de polvo e os peixinhos da horta.
Eis uma mesa portuguesa linda. O primeiro ataque aos peixinhos da horta é magnífico, o polme grosso e arejado, crocante por fora, a leguminosa estaladiça. Técnica e sabor, uma gulodice. Bom também o croquete, servido quente, ainda que acompanhado de uma mostarda fajuta, que tinha mais açúcar do que sementes de mostarda.
Depois as coisas começam a complicar-se. A salada de polvo é sobretudo cebola e pimento, só meia dúzia de rodelas do molusco, tudo já meio batido, salsa amarelada. Não percebo para onde vão os 12 euros do pratinho.
Quanto ao casco de sapateira, aparece muito bonito, com o topo num padrão de branco (dos fiapos de sapateira), verde (da salsa) e amarelo (da gema de ovo picada). O problema é o sabor. Fresco o recheio (quase gelado, mesmo), mas falta intensidade ao marisco, falta mar, sal, acidez – falta sabor.
Encerra-se depressa o capítulo das entradas, com o serviço expedito demais. E depois iniciam-se as trapalhadas. A indicação era para vir primeiro o bitoque e depois o bacalhau à Brás. Primeiro engano: “Não tinham sido pedidos dois bitoques?”, pergunta o assistente de sala, minutos passados. Negativo. “Sem problema. Vamos resolver”. Em segundos, chegam à mesa o bitoque... e o à Brás... ao mesmo tempo.
Chama-se a atenção para o facto de se ter pedido primeiro um e depois o outro, mas já não há escapatória. “Agora já não dá.”
As coisas não melhoram com as provas. Bitoque falhado naquilo que é a essência de um bitoque, carne com muita molhanga e ovo sujo. Servido em prato normal, o molho está reduzido a uma capinha fina que nem chega para temperar as batatas fritas.
Depois, é tudo muito asséptico, muito limpinho, um montinho de arroz branquíssimo e insípido, mais um montinho de batatas fritas massacradas pelo óleo e, drama maior, um ovo estrelado alvo e liso, perfeitinho como o dos mupis da McDonald’s, mas sem aquilo que o torna verdadeiramente delicioso: a base tostada e a molhanga do bife derramada sobre ele.
Quanto à carne, surge tenra e pouca e já sem sucos, ao contrário do que deve ser de bom num bife bitoqueiro. Para onde foram os 16€? Não sei.
Como também não sei a razão dos 18€ do bacalhau à Brás. Imensa batata palha, cinco azeitonas pretas no topo (das pretas oxidadas de lata), umas lascas de bacalhau (curtas), ovo batido, cebola – o conjunto sem expressão, monótono e esfriado, com a salsa e a pimenta preta ausentes.
A terminar, chega o bolo de bolacha, que era um bolo e tinha bolacha, mas pareceu com notas demasiado amargas, porventura das bolachas serem das Maria torradas.
Em síntese. O Browers navega em águas paradas, mas tem potencial para descer ondas grandes. O problema parece ser a falta de investimento na qualidade e frescura de alguns produtos, bem como na aposta numa cozinha e numa sala mais atentas e cuidadas, que tornem uma experiência assim-assim numa refeição de excelência. O preço justifica a exigência, há escala para mais por menos. O sítio e o conceito merecem mais.
A voltar, daqui a uns meses.