O homem traz o menu de comidas e desaparece. Estamos num bar de vinhos e comida. Falta a lista de vinhos. “Podia trazer também a lista dos vinhos, por favor?” Parando brevemente a sua marcha frenética entre uma mesa e outra e o balcão, o homem atira: “Eu sou a lista de vinhos.”
Questiono-me se terei ouvido bem. Terei. Não há nada a travar o seu aparelho vocal e respiratório. O homem – todo o staff – circula naquele estilo blasé de máscara no queixo que vemos nos estafetas e nos distribuidores de cerveja. Já o que parece ser um dos proprietários, copo na mão, anda sem máscara alguma, deambulando entre a cozinha e a clientela de estrangeiros que enche o sítio, uma vozearia animada com álcool e hip hop de Spotify Radio.
Pergunto então ao homem-lista se pode escolher algo seco, que vá bem com ostras, primeiro prato do cardápio. Uma pessoa na mesa manifesta preferência por Pinot Noir. Passados uns segundos, chega um Pinot Noir, mas com maceração carbónica. Embora seja uma casta tinta, o Pinot Noir pode funcionar com ostras se tiver acidez – se for da Alsácia, por exemplo. Mas se for um Pinot Noir com maceração carbónica, técnica muito usada nos vinhos naturais, ele vai ser docinho e concentrado. Tudo o que não se quer para as ostras. O vinho vai para trás e o homem-lista parece ficar desnorteado.
A comida é bem feita e tem bons produtos, com influência italiana (a primeira casa está instalada em Veneza). Mas isso não chega, sobretudo quando o preço médio é de 30 euros por pessoa.
Nos pedidos, falham dois pratos, não anotados. Já a tosta de queijo gorgonzola e speck (presunto do Norte de Itália, temperado com especiarias) virá antes das ostras, sem razão aparente a não ser a extrema urgência em despachar serviço. De resto, há-de haver um pão, para acompanhar a burrata (boa) com anchovas (fracas), que nunca chegará.
A bifana, por sua vez, é feita de carne assada fatiada e vem basicamente igual ao prato de porchetta, tirando a primeira ter pão (aberto – oh, sofisticação!) e a segunda batatas assadas. Ora, uma bifana não tem nada a ver com carne assada seca. E porchetta muito menos: porchetta é barriga de porco, porventura recheada de lombo, um rolo laborioso com gordura e pele caramelizada.
Por fim, já cansados de esperar pelo desenlace, quando perguntamos ao homem-lista se sabe o que se passa com a sobremesa, ele responde: “Sei, está na cozinha.” Ninguém ri. A sobremesa demora 17 minutos a chegar e consiste em duas coisas: uma fatia de panettone comprado à Gleba e duas colheradas de mascarpone industrial.
Em síntese. Gosto muito que haja mais gente a fazer e a beber vinhos menos processados e com menos químicos na vinha e na adega. Os vinhos ditos naturais estão na moda e a moda é boa. Agora, isto não significa que todas as garrafas com rótulos arty sejam recomendáveis. Nem significa que todos os bares e restaurantes que se vendem como naturais sejam bons, mesmo quando a cozinha é muito aceitável, mesmo quando há bons vinhos nas prateleiras – como é o caso.
Só vejo uma razão para o tratamento dado, que não me parece ter sido circunstancial. O Vino Vero dá-se ao luxo de servir as pessoas displicentemente porque a casa tem estado cheia de tugas impressionáveis e expatriados dispostos a pagar 35 euros por uma garrafa que desconhecem, desde que lhes digam que é natural e que seja escolhida por um indivíduo com tatuagens e piercings e a confiança do sommelier do Alain Ducasse au Plaza Athénée.
Um mau serviço. Naturalmente.
*Os críticos da Time Out visitam os restaurantes de forma anónima e pagam pelas refeições.