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O original Avenue Q foi levado a cena pela primeira vez em 2003 na Broadway. A adaptação portuguesa estreou em Fevereiro de 2017 no Teatro da Trindade e foi um sério caso de sucesso. Tão sério que agora leva a Avenida Q ao Casino Lisboa.
Milhares de pessoas já sabem tudo sobre a Paula Porca, o gay no armário Félix, o tarado Trekkie ou o recém-licenciado Luís, alguns dos personagens do espectáculo que não é para crianças (há muitos palavrões à mistura), mas que fala para a criança que ainda vive, assustada, em muitos adultos. Avenida Q vê nos millennials o seu grande público, mas desperta também a criança de todos os que cresceram colados à Rua Sésamo ou a’Os Amigos de Gaspar.
E se uma peça deste género foi uma novidade para o público português, também o foi para o encenador Rui Melo que nunca tinha trabalhado com bonecos. “Fomos buscar um grupo português de marionetistas profissionais, os S.A. Marionetas, de Alcobaça. Ganham prémios em todo o mundo e foram eles que, para além de construírem os bonecos, deram formação aos actores e a mim sobre manipulação”, explicou à Time Out Lisboa.
Já para Henrique Dias, responsável pela adaptação do texto original e das canções (neste último caso a meias com Rui Melo), o principal desafio foi outro: "Houve ali umas coisas que cá hesitámos se poderíamos dizer daquela maneira”. Por exemplo? “Uma música sobre o racismo. O assunto tem de ser tratado com pinças, é uma questão muito complicada e esse foi claramente o grande problema da adaptação. Tratar isso de forma que fosse pedagógica, que fosse irónica. E sempre com o cuidado não de ferir susceptibilidades, percebendo até que ponto se está a só a fazer isso ou se está a ofender pessoas”, explicou.
Ana Cloe, Diogo Valssassina, Gabriela Barros, Inês Aires Pereira, Manuel Moreira, Rodrigo Saraiva, Rui Maria Pêgo, Samuel Alves, Artur Guimarães, Luís Neiva e André Galvão são os actores que a partir de hoje voltam a contar a história. Desta vez, no palco do Casino Lisboa.
Entrevista a Gonçalo Castel Branco, o produtor que trouxe este Avenida Q para Portugal:
Avenida Q, segunda ronda. O porquê acho que é óbvio: sessões esgotadas.
Acho que construímos um espectáculo de culto. É inacreditável a atracção que nós temos, os seguidores que temos é anormal para uma peça de teatro. Até o tipo de seguidores. Eu todos os dias recebo mensagens na página de Facebook a perguntar se o texto é diferente na nova temporada. Tipo série de televisão. As pessoas estão tão pouco habituadas a teatro que acham que o texto muda. Conquistámos um território incrível e conquistámos porque temos aqui um alinhamento absurdo. A Sandra Faria – que é a melhor produtora de teatro em Portugal –, o Rui Melo –que é um encenador de mão cheia –, e o Henrique – que tornou um texto com quinze anos actual e português. E depois o elenco nasceu para essa magia que fazem.
Estavas a falar das pessoas que contactam a produção. O público alvo é a nova geração, os millennials, mas vai mais além, ou não?
Sim. Nós durante muito tempo conversámos sobre para quem é que era este espectáculo. E havia duas correntes que tentámos equilibrar. É para millennials e para malta da minha geração que é saudosista da Rua Sésamo.
E dos Amigos de Gaspar.
Exactamente. E como fazemos uma coisa que agrade aos dois? É um equilíbrio muito giro, mas eu acho que conseguirmos e lá está, é uma alquimia. Eu próprio não sei se conseguiria repetir com outro espectáculo amanhã.
O texto aborda problemas reais...
[interrompe] Sim, mas tem quinze anos. E tem uma música sobre o que é a internet. Hoje em dia é ridículo tentar explicar o que é a internet. Mas fala sobre o racismo, sobre coisas que se tornaram relevantes outra vez. E depois coisas que são intemporais. Não ter dinheiro, pagar a renda, o musical é sobre aquele momento muito particular em que tu chegas à idade adulta, acabas a escola ou a universidade, sentes que o mundo é a tua ostra e de repente esbarras contra uma parede. A chave está aí.
Também mudaram de casa. Tem a ver com o número de lugares sentados?
Tem a ver com mais coisas. Em primeiro lugar quando fechámos os dois meses no Trindade, só havia aqueles dois meses e por mais sucesso que tivéssemos não havia maneira de continuar. E não queríamos estar um ano à espera. Por outro lado tínhamos várias salas a querer-nos. E por outro lado ainda, a Sandra, que ao contrário de mim percebe quilómetros de teatro, achou que esta era a sala que fazia sentido, era uma evolução natural. Tem muito boas condições, é uma sala óptima para o público.
Como reagiram os actores ao saber que iam voltar a vestir estas personagens?
Quando saímos do Trindade sabíamos que íamos voltar. Depois disso não sabíamos mais nada. Eles fazem teatro todos os dias e dizem que nunca lhes aconteceu o que acontece agora. Não há uma conversa na rua que não comece com o Avenida Q. Não há um colega que não vá ter com eles elogiar. E alguns têm 20 anos de teatro. É uma coisa mágica.
Achas que faz falta mais teatro deste género?
Acho que faz falta teatro bom que queira ter público e não teatro que ou quer ter público ou quer ser bom. Este divórcio em Portugal que acontece muito nas artes nunca o vi com bons olhos. Não só é possível fazer as duas coisas como a nossa obrigação é fazer as duas coisas: teatro bom que queira ter público. Por outro lado falta coragem e capacidade para fazer diferente. Esta peça de teatro não é uma peça de teatro. É um conteúdo digital que impacta as pessoas dois meses antes, que tem conteúdo diário.
Como o leak do iPhone da Paula Porca?
Sim. Esta semana o elenco esteve a gerir as nossas páginas todas os com conteúdo totalmente deles.
Casino Lisboa - Alameda dos Oceanos. Qui-Sáb 21.30, Dom 16.30. Bilhetes: 14€-18€ (até 15 de Outubro)
+ Leia ainda a entrevista que fizemos ao actor Manuel Moreira em Fevereiro – Avenida Q: a Rua Sésamo sai do armário.