[title]
Telefonámos a Rita para conversarmos um bocadinho com ela sobre como é desenhar o espaço para um desfile da ModaLisboa. Rita Muralha e Raul Santos tratam do assunto há cerca de nove edições e já tiveram de erguer passerelles em sítios como o Pátio da Galé, a Garagem Sul do Centro Cultural de Belém e agora no Pavilhão Carlos Lopes, junto ao Parque Eduardo VII. Respondeu-nos ao telefonema com “venham ter à minha foodtruck”. Assim fizemos e encontrámos a arquitecta dentro de um atrelado de cavalos todo trendy com “Cervejaria de Rua” escrito num letreiro. Ela estava de volta da chapa a fazer sair os pregos. “Nunca imaginei vir para a grelha, aqui [na ModaLisboa] estão todos surpreendidos porque sabem que em casa não cozinho nada”, diz de dentro da rulote enquanto abre umas carcaças que, por volta da meia-noite chegaram ao fim.
“É a mulher dos sete ofícios”, resume Raul, que faz parelha com Rita na ModaLisboa e na empresa de design de iluminação que têm em conjunto desde 2001. Chama-se Mood e também está presente na Lisboa Fashion Week: é olhar para o nenúfar luminoso ao lado do pavilhão do Wonder Room e ver aí um dos objectos da empresa.
Quando se trata de dar ambiente – em zonas sociais do espaço como a área das rulotes ou as entradas – a dupla vai dando os ajustes necessários antes e depois da ModaLisboa abrir as portas. Mas no que toca a iluminação do desfile, quem mexe são mais os técnicos segundo as ideias que os designers já trazem. Aqui o papel dos dois é mesmo construir um espaço arquitectónico em espaços vazios. “No Pátio da Galé só faltou virarmos aquilo de pernas para o ar – fizemos desfiles à volta, fizemos desfiles no meio, fizemos em U”, recorda Raul, contente com o resultado do projecto para o Pavilhão Carlos Lopes que recebe os desfiles pela primeira vez na 49.ª edição. “Aqui era muito difícil porque isto por dentro é um multiusos com muito pouca graça. É o que é, um edifício técnico. Depois tínhamos de meter aqui tudo dentro e é muita coisa – os bastidores ocupam quase tanto espaço como a passerelle.”
A solução para o espaço de desfile foi um telão inclinado do tecto ao chão. Este é o fundo das passadas dos manequins; em frente ao telão há uma grande bancada onde se sentam os espectadores, embora alguns designers, como Aleksandar Protic ou Dino Alves, tenham preferido acrescentar uma fila de público do lado da parede inclinada. “A tela funciona para a projecção durante o desfile, pode ter simplesmente as sombras dos modelos e dá sensação de perspectiva. Tivemos de fazer cedências: temos público numa bancada maior mas só de um lado, quase como se estivéssemos na Marginal a ver as pessoas passarem. A ideia foi para criar uma coisa mais cenográfica”, explica Raul que apanhámos ainda a largar as malas de viagem nos bastidores, depois de chegar de Cabo Verde.
Os dois arquitectos começam o projecto de uma edição pouco depois de terminar a última: pegam nas plantas dos edifícios, distribuem espaços, têm ideias ambiciosas que vão caindo e adaptando-se com a chegada dos orçamentos ou quando se deparam com os espaços reais. No final há três pontos importantes: um ambiente de trabalho, mas festivo (e ir mexendo nas luzes faz milagres quanto a isso); áreas exteriores que se tornem lúdicas e que envolvam a cidade – e aí os panos laranja que funcionam como baloiços ao lado do Wonder Room acertaram em cheio; uma passerelle que sirva todos os diferentes designers ao longo de três dias. “A sala dos desfiles tem de ser um espaço bonito mas tem de ser uma folha em branco. Por mais que eu queira ter uma passerelle ao xadrez ou a boca de cena vermelha não posso. Estamos a falar de muitos profissionais com paletas de cores muito diferentes. Tem de ser um espaço onde possam interferir sem lhes ofuscar a roupa”, explica o arquitecto.
Depois há ainda os bastidores que são lugar de muito trabalho diferente a acontecer e precisam de arejo. Mas se aí o stress começa quando as luzes baixam para o desfile começar, para esta dupla que desenha outro eventos como a Feira do Livro de Lisboa, o stress pára assim que as portas do evento se abrem. “O nosso trabalho está entregue”, conclui Raul — e Rita concorda, apesar de notarmos que, desta vez, já abriram as portas e ela continua em ritmo acelerado. Só que com os pregos.
A Cervejaria de Rua é um sonho do irmão, mais dotado para os cozinhados, mas um projecto de manos. “Normalmente não estou na rulote, mas como aqui [na ModaLisboa] tenho muito amigos estou cá dentro [da rulote] e é divertido”, conta e faz um intervalo para perguntar a uma colega da ModaLisboa se quer o prego com batatas.