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Quando era miúda, no Norte da Índia, o momento mais rock de Aparna era esperar que o avô ou os pais não estivessem por casa para poder comer com as mãos. Repreendiam-na, falavam-lhe das boas maneiras que é preciso ter, mas a cultura popular indiana mostrava-lhe outra coisa: o melhor é comer com as mãos, com um pedaço da naan a recolher molhos e arroz. “Dizem que o metal dos talheres, quando toca na língua, altera o sabor dos alimentos. Não sei se é verdade, mas comer com as mãos é uma arte”, diz à Time Out Lisboa Aparna Aurora, que acaba de abrir no Príncipe Real o Chutnify, o restaurante indiano que começou por se estrear em 2014 em Berlim. Tornou-se um sucesso e faz tudo pela comida que se come com as mãos.
Depois de 20 anos a trabalhar na indústria da moda, depois de ter vivido em Nova Iorque, São Paulo, Cidade do México e outras sete cidades, chegou a Berlim e “era uma frustração não gostar do trabalho”. Gostava de cozinhar e não havia nenhum bom indiano na cidade – foi tão simples quanto isto. Começou ela mesma na cozinha a fazer dosas, um prato indiano de que ninguém nunca tinha ouvido falar. “Pensei que ia ser preciso educar as pessoas para as dosas, mas pegou muito rápido. De repente começou a correr bem e tivemos de contratar um chef”, lembra.
Sempre com Ganesha pintado na parede do bar – “é o nosso Deus mais fofinho, o que dá sorte”, diz Aparna – abriu outro restaurante na capital alemã e, quando quis ir ao terceiro, ia escolher Madrid, mas alguém lhe disse: “Tens de ir a Lisboa, é como uma mini-Berlim.” E foi isso mesmo que encontrou, garante: uma cidade “linda, com criatividade e onde muita coisa se conhece no boca a boca, com coisas a acontecer underground. Tinha cá estado há uns anos, fiquei na Avenida da Liberdade, e lembro-me de pensar que esta cidade podia ser incrível”.
Agora voltou para evangelizar com dosas, crepes de lentilhas e arroz fermentado ligeiramente estaladiços nas pontas que chegam à mesa na forma de cones. Quando se pega no cone como se fosse uma cloche descobrem-se pedaços de pato picante (12€), batatas masala (8,20€) ou uma mistura de queijo, tomate, pimentos e coentros (9,50€), todos acompanhados com um chutney de coco feito todos os dias ali mesmo. É ir rasgando o crepe e apanhando estes recheios, sem medo de sujar os dedos, que depois são para lamber. “É leve, limpo e saudável e muita gente que está a tentar comer melhor gosta das dosas por causa disto.”
Há outras receitas tradicionais na carta, como o bagare baingan, que aparece na secção dos caris, com beringela, amendoim, tamarindo, coco e um forte sabor a cardamomo (10€). É o prato favorito da mãe de Aparna.
Ainda nos caris, há o punjabi chole de grão de bico (9€) ou o alleppey fish curry, feito com robalo, gengibre e leite de coco (15€). Estes não precisa de tentar comer com as mãos, que lhe trazem talheres, mas o melhor mesmo é pedir um naan, feito no tandoor da loja, para ir molhando.
Em Berlim, parte do negócio do Chutnify está na comida de rua indiana. No Chutnify de Lisboa, entre paredes cobertas de Bollywood e cadeiras de todas as formas compradas na Remar, há uns quantos destes petiscos que servem como entrada: os pani puri são bolinhas de massa ocas, com um molho de ervas, recheadas de batata, especiarias e lentilhas e que se enchem antes de meter de uma vezada só na boca (4,50€).
Na cozinha fala-se inglês para que ninguém se perca na tradução. Há lá dentro cozinheiros do Bangladesh, da Índia e do Nepal, assim como na sala e no bar, onde os cocktails têm sabores fortes que não os do álcool – como coentros, água de coco ou manga. "Queríamos muito ter receitas da Índia, e um dos cocktails é inspirado numa salada típica de pepino e sabe muito à salada. É bom porque as pessoas não têm medo de experimentar coisas diferentes", diz Aparna com Ganesha atrás a levitar pelo bar.
Travessa da Palmeira, 46 (Príncipe Real). 21 346 1534. Ter-Dom 12.00-15.30/ 19.00-00.00.
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