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Há pouca gente que se possa gabar de cortar presunto que nem um profissional e há menos gente ainda que seja literalmente um profissional a cortar presunto. Nos Restauradores há um desde sábado: Marco está a dar espectáculo atrás do balcão do Bar da Odete, a casa de vinho com copos que vão dos três aos 35 euros, todos eles com a aprovação da crítica de vinhos Odete Cascais.
Do lado de fora adivinha-se a vontade de estar na tradição das casas de vinho típicas dos anos 1920 e 30 e das ramboias do início do século na rua das portas de Santo Antão, mesmo ali ao lado. “Diziam-me que os portugueses não pegam nisto do copo ao fim do dia, mas há uma história por contar de casas de vinho onde os cavalheiros iam beber o vinho fino depois do trabalho, antes do Estado Novo”, conta João Cepeda, sócio deste pequeno bar, presidente e director criativo da Time Out Market e um dos fundadores da Time Out Lisboa.
Na certeza de que este tipo de sítios fazem muito “pelo índice de felicidade dos locais” abriram-se à cidade estes 30 metros quadrados que praticamente só têm balcão e presuntos a cobrir a montra – todos portugueses, como tudo o que está nesta casa, garante Inês Belling Castro, da comunicação do Bar da Odete. “Esta casa é um manifesto”, resume assim. Manifesto de celebração dessas tabernas a que querem dar continuidade – há uma fotografia de uma delas, vinda do Arquivo Municipal, na casa de banho; manifesto de celebração dos produtores e produtos portugueses. Aqui, como no Bar da Odete que continua a existir no Time Out Market, no Mercado da Ribeira, há vinhos das várias regiões nacionais de pequenos produtores, do biológico Quinta da Pedra Escrita (7€ o copo, 28€ a garrafa) ao sempre imponente Quinta do Vale Meão (35€ o copo, 140€ garrafa) – todos eles já provados por Odete Cascais, o pseudónimo que assinava crítica de vinhos na Time Out Lisboa.
Cá fora há uma pequena esplanada e um parapeito para estar de pé e de copo na mão; lá dentro, está-se sobretudo ao balcão, sozinho ou acompanhado, a conversar com os senhores de suspensórios, todos eles preparados para aconselhar qual o vinho que melhor vai servir o cliente. Para quem percebe zero dos vinhos que cobrem as paredes – 22 acompanhados por uma prosa de Odete – quem está ao balcão ajuda: é chegar, explicar (mesmo que atabalhoadamente) aquilo de que gosta e não gosta num vinho e depois de uma prova de dois ou três, ficar com um para acompanhar uma tábua de queijo da serra e curado da Beira ou de presunto (ambas 14€) ou a Tábua Odete (14€ a pequena, 19,50€ a grande, com queijo e presunto).
Estes 22 vinhos são uma seleção da lista de 50 feita pela crítica. Há ainda um “vinho esquisito” por mês, com alguma característica particular – feito nas vinhas mais antigas do país ou de uma casta raríssima, por exemplo.
Há em todo o projecto a vontade de dar informação sobre os produtos ao consumidor: “As pessoas gostam de conhecer”, explica João Cepeda, acrescentando que é preciso voltar a valorizar o vinho de qualidade, o que deixou de acontecer durante a ditadura. É altura de recuperar essa história, diz o dono do Bar da Odete, com a certeza de que isto não é coisa para turistas. Conhece-se aos estrangeiros o apetite por um copo pela manhã, mas não é por isso que o Bar da Odete está aberto a partir das 10.00. “Qualquer pessoa pode ter vontade de uma sandes Odete de presunto, queijo e agrião (6€) a essa hora. E temos cafetaria”, avisa Inês, garantindo que primeiro se pensou no público lisboeta. “Só se pensou no público local”, vai mais longe João Cepeda. “Os turistas seguem os locais, os locais não seguem os turistas”.
Rua do Jardim do Regedor, 47b (Restauradores). 21 390 1314. Todos os dias 10.00-00.00.