[title]
João Abreu Valente acredita que o design ensina e as suas porcelanas são a lição. Em Outubro, abre uma loja em nome próprio no Bairro Alto.
Não tarda está de partida para Londres, mas o ateliê de João Abreu Valente não está parado. Longe disso. À entrada desta pequena fábrica no Páteo Alfacinha há uma data de pratos, potes e taças brancos de porcelana prontos a serem trabalhados. “O molde é sempre o mesmo, a maneira como trabalho as peças é que é diferente. A mim interessa-me que elas sejam imperfeitas e a porcelana tem uma característica: é um material com memória. Mesmo que eu dobre uma parte e o volte a pôr direito, quando vai ao forno fica sempre deformado, tem o seu próprio comportamento e plasticidade. É isso que me interessa no trabalho da porcelana, é que o material traga alguma coisa para o meu processo”, explica o designer enquanto enfileira as taças de ramen que fez para o supper club Ajitama. Com Maria Pita Guerreiro, à boleia do projecto O João e a Maria, também fez os pratos do Má Língua, na Graça, e do Chutnify, no Príncipe Real.
As malas para o London Design Festival estão quase prontas – O João e a Maria faz parte da comitiva portuguesa de designers que vai mostrar projectos em vidro na capital inglesa, entre 16 e 24 Setembro. A paragem que se segue é o Bairro Alto, desta vez a solo, para a sua primeira loja-ateliê, a abrir em Outubro.
O forno, ao fundo da pequena fábrica, está a arrefecer. Deve andar pelos 300 graus e sente-se o bafo – imagine-se quando chega aos 900 graus para a primeira cozedura das peças, ou mesmo aos 1200, para a segunda, quando se atinge o vidrado. As peças de João não dizem a quantos graus foram cozidas, mas querem dar a entender todo o seu processo de produção, inspirando-se nas ideias do filósofo Vilém Flusser e na sua convicção de que, no futuro, a escola e a fábrica vão fundir-se e, assim, reduzir o desperdício. É por aqui que caminha o trabalho a solo mais artístico deste alfacinha, e o seu exemplo mais emblemático é o conjunto de chá de nove peças todo feito a partir de um só molde.
“A ideia de escola e fábrica é um bocado utópica, mas o processo de fabrico pode ser aberto o suficiente para as pessoas perceberem como os objectos foram feitos quando os adquirem. Acredito que o design tem essa capacidade de educar”, diz João. O serviço de chá que faz desde 2012, como resultado do projecto da tese de mestrado, explica-se a si próprio. Todas as peças nascem da mesma forma, foram feitas no mesmo molde. Encheu-o com porcelana líquida até acima para fazer o bule, encheu-o um pouco menos para fazer a leiteira, e menos ainda para fazer uma chávena (sem asa). As últimas das nove peças são uns pratinhos. “É um projecto bastante aberto, cada um usa como acha que faz mais sentido” – há até quem diga ao ceramista que não tem coragem de usar e prefere deixar apenas em exposição.
Andar à volta destas nove peças é uma experiência: de um certo ângulo frontal é possível verem-se as silhuetas todas alinhadas na forma do bule; de lado percebe-se a forma como as cores se vão alterando ao longo do processo – João mistura o pigmento para a primeira peça e não adiciona mais cor, por isso o tom do último prato é sempre mais claro. Neste conjunto de chá, e em tudo o que João mete a mão, não há duas peças iguais, todas têm um ar rústico e desalinhado. “Os dias não são todos iguais e estar a comer em peças que sejam todas iguais é muito diferente do que é o dia-a-dia”. Haja um serviço de jantar que reconforte as alterações de humor de toda a gente.
Nova loja em Outubro
O nome vai ser simples: é a loja-ateliê de João Abreu Valente. Na Rua da Rosa, em pleno Bairro Alto, não vai haver fornos: vai ser o lugar das ideias e dos projectos. O lado mais conceptual do designer vai ganhar fôlego neste espaço lá para 26 de Outubro, e ainda se vão poder comprar peças como o serviço de chá (nove peças, 295€) ou alguns dos pratos em que ficou vidrado desde que foi jantar fora.