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Apaixonaram-se pelos gelados só recentemente, mas foi daquele amor tão arrebatador que os levou a abrir gelatarias. Pedro Simas é cientista e criou o Sorbettino porque se encantou com a bioquímica do fabrico do gelado; Natale Tassitani nasceu e cresceu em Itália, mas só em adulto provou um gelado que o convenceu — agora é dono da Mamma Mia, em Campo de Ourique.
“Lembro-me perfeitamente desse gelado”, recorda Natale numa das mesas da loja pequena e escondida em Campo de Ourique: no 147 da Rua Saraiva de Carvalho há que seguir por uma arcada para encontrar a Mamma Mia à esquerda. O tal gelado que comeu há 10 anos era de pêra e avelã, já o italiano era homem feito, tinha trabalhado como arquitecto e preparava-se para mudar de vida e estudar cozinha. Na aldeia onde cresceu na Calabria ninguém fazia gelados de jeito, conta à Time Out Lisboa. Aquele era tão maravilhoso que só pensava em aprender mais.
Daí a abrir esta nova gelataria de bairro, onde os vizinhos chegam pelo boca-a-boca, foi um salto. Um não, três: veio de férias a Lisboa, gostou de Campo de Ourique, mudou-se para cá — fixou-se em Dezembro e a gelataria abriu há menos de um mês, “com sabores simples e preços populares”, descreve Natale — dois euros um cone ou copo com dois sabores; 3 euros, três sabores. Há ainda dois sabores de granizados por dia e fazem-se batidos com os gelados.

Há uma variedade de frutas com que o próprio Natale está impressionado – em Itália ninguém pega em gelados de fruta, diz. Já fez amizade com a frutaria Maçã de Adão e a fruta vem toda de lá: chega de manhã, pergunta "o que há hoje?" e atiram-lhe (figurativamente) com pêssegos, melancias, meloas, bananas ou morangos maduros que vão rodando no balcão da Mamma Mia. Não poderia faltar na casa de um italiano o gelado avelã e o de pistácio, em que de se sentem os frutos secos moídos.
Todo o processo é feito na cozinha com janelas para a rua, onde qualquer um se pode pôr a tentar perceber alguma coisa do assunto logo às nove da manhã, quando Natale começa a trabalhar e tentar esgotar todas as possibilidades. O arroz doce mantém-se com sucesso e foi uma prenda que o italiano quis dar a Lisboa; já o clássico italiano panne, burro e marmellata (pão, manteiga e doce) não pegou. Talvez o caminho esteja em nomes italianos que o ouvido português conhece, como o tiramisu, já em testes.

No Chiado, a Sorbettino trabalha de forma bem diferente, essencialmente para clientes turistas de todo o mundo, e arriscam-se sabores originais. Há abacate, toranja e hibisco ou matcha, todos cheios de sabor e com consistência sedosa, mas que são demasiado fortes para se comerem sem uma colherada de gelado de baunilha ou limão, em copos ou cones pequenos (2,90€), médios (3,90), ou grandes (5,50€).
Pedro Simas é especialista em virologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e no Instituto de Medicina Molecular, é apaixonado pela ciência e nunca a vai deixar — “estudar em Cambridge muda-nos a personalidade”, conta — mas sempre adorou comida e durante muito tempo tentou reproduzir em casa os melhores pratos que comia na rua. Com os gelados foi tudo muito rápido e recente. “A única memória que tenho de gelados é de quando congelava uvas. Estava sempre a abrir a porta do congelador, a minha mãe até se chateava comigo”, recorda. O interesse por gelados que são bem mais do que fruta congelada começou em Janeiro. Pedro foi três semanas para Bolonha aprender os pormenores e no final de Maio abriu a Sorbettino no 23 da Rua da Misericórdia.

“A primeira coisa que me interessou nos gelados foi a parte técnica. Adoro matemática e percebo as características bioquímicas dos ingredientes por isso foi rápido. O ingrediente mais importante é a água, que tem de estar entre o estado líquido e o sólido, ligada aos ingredientes e que tem tendência para formar cristais”, explica, avançando que, como na ciência, também nos gelados é o pequeno detalhe que faz a diferença. “Um brix da fruta [o seu grau de açúcar] ligeiramente mais alto pode significar que o gelado vai ficar mais duro. É preciso um grande rigor na temperatura e nos ingredientes”, continua o cientista para quem o mais difícil foi encontrar os fornecedores certos – encontrou os pistácios da Sicília, por exemplo, e fez questão de ter chocolate Valrhona, que associa à infância. Vai havendo alternadamente gelado de Valrhona Caribe 66%, Guanaja 70% ou Araguani 72%, sempre feitos com água e não com leite, para que o sabor do chocolate não se atenue, diz Pedro — é um gelado de chocolate vegan, como se lê na parede, na lista de sabores.

Por agora, os 16 sabores disponíveis, alguns rotativos, são feitos todos os dias por Jefferson Sandes, que pesa tudo à grama e reproduz as receitas de Pedro na cozinha aberta ao fundo da loja do especialista em vírus que nunca imaginou abrir uma gelataria.