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No I+D do Loco há tempo para inventar, testar, errar e fazer tudo outra vez

Escrito por
Catarina Moura
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O ponto alto de qualquer visita à cozinha artilhada que há ao lado do Loco terá de ser a sala de luz vermelha. Nem é bom chamar-lhe sala: são uns dois ou três metros quadrados onde só alguém com um 1,60 de altura se consegue manter de pé, depois de baixar a cabeça para passar a porta. Não é o caso de Manuel Liebaut, que para estar neste cubículo todos os dias tem de andar de joelhos a olhar para os baldes, jarros e frascos, tudo catalogado com a data e com a intenção. Não é possível garantir o que vai sair dali, mas a intenção é que seja um vinagre de cogumelos, um miso de sementes, um molho de peixe feito a partir das vísceras das sardinhas e outras coisas que tais.

Esta cozinha-laboratório começou em Março, quando ainda só havia aí duas arcas frigoríficas. Agora têm uma parede forrada a arcas com a temperatura negativa indicada ao cimo, ao lado de uma máquina de destilações, uma das últimas aquisições e das que mais entusiasma Ricardo Leite, sub-chef do restaurante com uma estrela Michelin, e Manuel Liebaut, responsável pelo I+D do Loco. As letras abreviam “Inovação e Desenvolvimento” e é isso que se passa aqui com toda a liberdade e tempo: inventar, experimentar errar e repetir tudo.

“Estes processos são todos ancestrais, não precisam destas máquinas todas para os fazermos, se não as tivéssemos, fazíamos as coisas na mesma. Mas o espaço do restaurante é pequeno”, diz Ricardo. E a necessidade de ter uma equipa sempre presa ao serviço não dá tempo para grandes invenções. “Queríamos criar coisas diferentes e ter tempo para testar produtos e desenvolver técnicas. Queríamos um espaço que nos permitisse armazenar processos que já se faziam antes, um espaço que permitisse controlar temperaturas, por exemplo”, continua, especificando que agora há mais espaço para processos mais prolongados – como o do vinagre – e para todo o tipo de conservações.

fotografia: Arlindo Camacho

É um investimento grande, explica Alexandre Silva na sala de entrada, com uma grande mesa corrida onde, de vez em quando, há jantares. O investimento não está só em maquinaria, em tempo da equipa (que enquanto está de corpo e cabeça neste I+D, não está no serviço), mas também em análises. “Tudo o que sai daqui vai para análises, não queremos fazer mal a ninguém. E as análises não são baratas”, explica o chef que, antes do I+D, já reunia a equipa semanalmente para um brainstorming com tópicos que desafiavam a equipa a ter ideias novas.

loco, i+d
As prateleiras da cozinha estão cheias de caixas catalogadas
Fotografia: Arlindo Camacho

Quando o chef diz “tudo” está a falar de dezenas de potes com massas e líquidos de aspecto duvidoso que Manuel vai acompanhando ao longo de meses com olhar atento à mudança de aspecto – aparecimento de bolores, gases, mudança de cor – à consistência, ao aspecto. No cofre da fermentação, como chama à tal sala pequena com luz vermelha, é preciso ir tendo atenção à temperatura, à humidade, a todos os aspectos exteriores à sala. Em breve querem começar a fazer queijos, conta Ricardo com desenhos para moldes de formas desenhadas num cartão à sua frente, e aí Manuel vai ter de os virar todos os dias.

“Estou a experimentar e a aprender e estamos sempre a ultrapassar problemas que vão aparecendo. Estamos aqui desde Março e só agora é que me lembrei de pôr lá uma ventoínha”, diz Manuel. Já tinha trabalhado com fermentações, mas nunca tinha feito disto o dia-a-dia – há que ler muito e fazer muitas asneiras. Ao mesmo tempo há coisas que tomam formas inesperadas como o vinagre de cherovia que ficou com um ácido equilibrado e muito gás (quase parece um espumante rosado) ou o vinagre de cogumelos que ainda está em processo. “Tínhamos desperdício de boletos e pensei em fazer um vinagre”, explica Manuel enquanto pega numa tina com uma massa espessa e castanha. “Não me lembrei que os cogumelos absorvem o líquido todo, mas a verdade é que está com bom aspecto.” Vai esperar uns meses e dar uma hipótese a esta massa que ainda não tem nenhum nome. Um dos próximos passos é falar com quem percebe cientificamente processos, trocar ideias “para perceber o que estou a fazer mal ou o que se pode melhorar”, diz Manuel.

loco, i+d
A cozinha do I+D é espaço extra à cozinha do restaurante para criação de pratos
Fotografia: Arlindo Camacho

Muito do que sai deste laboratório serve para potenciar o sabor de um prato – acontece com os molhos de peixe com inspiração no método asiático feitos com desperdício de mariscos ou com as vísceras de sardinhas. E novos pratos saem de experiências atrás de experiências nesta cozinha. Aconteceu isso com a captura do dia, um dos momentos do menu de degustação que muda com a disponibilidade do peixe. É o equivalente ao peixe do dia e já mudou umas três vezes (para além do peixe que muda com frequência). Neste momento vem com um molho de códium, alga dulse – ligeiramente adocicada para brincar com o sal do códium – e tapioca hidratada.

Um dos momentos que mais surpreende também foi criado nesta porta ao lado. Uma espécie de pré-sobremesa que não tem vergonha de ser salgada. O sal faz salivar e assim limpa-se a boca de toda a refeição, preparando-a para o doce, explica à chegada do prato Carolina Pereira, que assumiu recentemente a pastelaria no restaurante. O prato é morango e tomate fermentado com sumo do tomate e óleo de meia-lima e põe realmente as glândulas salivares a trabalhar automaticamente.

Fotografia: Arlindo Camacho

As ideias novas neste I+D não estão sozinhas, estão empurradas pela vontade de alcançar o desperdício zero. De vez em quando compra-se matéria prima que está no seu tempo, num estado óptimo, para ir fazendo testes – como o feijão frade de que se fez uma pasta miso muito boa – mas uma das grandes motivações é perceber o que se pode fazer com aquilo que a partida é lixo. “Tentámos fazer um vinagre com as borras do café”. O café é também um momento no menu do Loco. Feito na mesa, o café de balão quer manter o cliente no ritmo calmo de aproveitar estar à mesa, em vez de se atirar à bica rápida que pode enterrar um refeição. Agora as borras estão encerradas num dos tais frascos debaixo da luz vermelha e daqui a uns meses vê-se no que dá. Porquê debaixo da luz vermelha? Porquê uma sala para fermentados com luz vermelha? “Porque é fixe, e já que vamos fazer, fazemos com tudo”, diz Manuel.

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