[title]
Há meio milhão de pessoas em Lisboa, por isso as probabilidades de conhecer um destes indivíduos é alta. Mas não se ria: a possibilidade de você ser uma destas pessoas é igualmente elevada.
1. O homem encostado ao varão do metro. Não, caro senhor, não precisamos desse tubo de metal para improvisar uma aula de pole dancing. É mesmo para nos segurarmos durante o pára-arranca do metro e evitar que uma viagem de sexta à tarde se transforme num simulador de terramotos. As suas costas podem permanecer erectas se se mantiver com confiança em cima dos seus dois pés e com a mão – só a mão – a segurar o varão. Outra coisa: rapazes e raparigas com mochilas, coloquem-nas no chão ou à vossa frente. Não queremos roçar a cara nessa Quechua que não é lavada desde aquela viagem à Guatemala.
2. A pessoa parada no lado esquerdo das escadas rolantes. Estes homem-estátua involuntários tiram-nos do sério e desafiam a paciência de quem quer chegar com pressa a algum lugar. Não há problema nenhum em sermos cidadãos contemplativos, apreciando o vai-e-vem da hora de ponta, mas podemos fazê-lo na faixa da direita sem maçar ninguém. Uma nota especial para os monstros de duas cabeças (os casais hiper-pegajosos que andam sempre aos pares): lembrem-se que Portugal é um dos países pioneiros na separação de gémeos siameses.
3. O senhor parado na passadeira sem fazer intenções de a passar. Estes observadores de zebras, como gostamos de lhe chamar, são cidadãos normalmente na reforma que gostam de ver passar o trânsito. Ficam parados junto a uma passadeira, mas não querem passar para a outra margem do rio de asfalto. Nós paramos, ficamos a olhar para eles, e eles com toda a calma do mundo (às vezes um pouco de indignação) gesticulam “siga, siga” com a mão direita.
4. O “Ciberdúvidas” de balcão. O empregado excessivamente simpático que procura criar uma relação com os clientes através de preciosismos de linguagem. Sabe que mais, seu Priberam das Bicas, “Queria um café” está correcto, por isso deixe de responder “Queria, já não quer?”. O pretérito imperfeito do indicativo é mais delicado e menos impositivo do que dizer “Quero um café”. E está igualmente correcto. Quanto ao “copo de água” VS “copo com água”, um esclarecimento rápido: da mesma forma que bebemos uma garrafa de cerveja ou comemos feijão de lata (e não feijão com lata), os copos que pedimos são de água. Beber um copo com água é ingerir um copo de vidro (presume-se) com ajuda de um pouco de água. Você não vai querer isso.
5. O cavalheiro apressado em segunda fila. Parar o carro, ligar os quatro piscas e ir à frutaria perguntar sobre a qualidade do melão ou tentar saber se os morangos são espanhóis é um daqueles absurdos que está ao alcance só das pessoas mais desligadas da realidade. Infelizmente, são muitas.
6. A senhora acampada no Multibanco. Ele são as contas da luz, água e gás. A renda da casa, a consulta do saldo e os primeiros seis episódios de Uma Casa na Pradaria. Há pessoas que ficam tanto tempo em frente às caixas de pagamento automático que deviam ser bloqueadas pela EMEL.
7. As pessoas a discutir ao telemóvel. Sim, nós sabemos que o Alberto é um otário e que nunca devias ter voltado para ele. Que a Rute Carla lá do trabalho é uma cabra e que vais deixar de lhe falar. Sabemos bem que o Rui Vitória devia começar a jogar em 4-3-3, mas o vosso “e então ela disse…” e “e então eu virei-me para ele e respondi” devem ser guardados para momentos de maior intimidade. Ninguém deve ter de gramar com o guião recusado de uma novela venezuelana enquanto faz a ligação trabalho-casa. O mesmo se aplica ao cavalheiro que está todo contente a ouvir música alta no metro ou ao casal que fala em alta voz como se estivesse num episódio dos Kardashians.
10. O condutor com síndrome de tourette nos dedos. Assim que o sinal passa de vermelho para verde ele vai carregar na buzina. Às vezes parece que há uma competição secreta entre lisboetas para ver quem é a primeira pessoa a identificar a mudança de cor de um semáforo. Parabéns a todos os motoristas não daltónicos de Lisboa.
11. A pessoa que tenta entrar na carruagem antes de as pessoas terem saído. É uma regra básica de civismo que ninguém parece conhecer. Será preciso fazer um cartaz com esta informação? Enviar uma carta registada com aviso de recepção? Tatuar na testa?
12. O senhor que acha que antigamente é que era. As viagens no tempo são impossíveis. Por isso o melhor é aproveitar o que temos da melhor maneira possível. E há outra coisa: o senhor não tem saudades da Lisboa de há 35 anos atrás, quando era um jovem de vinte e poucos anos. O senhor tem é saudade de ter vinte e poucos anos.
13. O gourmet que está a aviar uma sandes de panado no metro. A sério, pare.
14. O empregado que nos acha transparentes. Estamos aqui. Estamos a acenar. Queremos pedir. Tu já olhaste para nós. E já voltaste a olhar. E já fizemos contacto visual. Mais um minuto e vamos começar a achar que a cerveja que nos serviste antes era, na verdade, um soro de invisibilidade.
15. O rapaz que põe a mochila/saco/bigorna na cadeira ao lado. Seja no metro ou no autocarro, a cadeira do lado não é uma prateleira privativa onde algumas pessoas gostam de se sentar só para vos estragar o dia.