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A Fundação Champalimaud é imensa, mas a sala onde se reúnem as pinturas de Graça Morais para a exposição "Ressonâncias: da Voz e dos Ecos", que inaugura esta quarta-feira, é muito apertada. As obras ainda encostadas umas às outras, envolvidas em papel-bolha, deixam ver muito pouco de uma exposição antológica que mostra o trabalho da transmontana desde os anos 80 até aos dias de hoje.
Apenas duas pinturas de grandes dimensões estão à vista de quem entra. São os dois últimos quadros de Graça Morais e resumem bem o momento que a sua pintura atravessa: imagens simbólicas que querem falar da História mais recente possível, aquela que está nos jornais que lemos todos os dias. Uma das telas chama-se 20 Jan 2017 — a data está escrita ao fundo, a par da assinatura, e é o dia em que Donald Trump tomou posse; a segunda chama-se 27 Jan 2017, o dia em que o presidente dos Estados Unidos assinou o decreto anti-imigração. “Acabei-os nessa altura e quis que ficassem simbolicamente com essas datas.” De recortes pouco realistas e “muito críticos e lúcidos” se fazem estas duas pinturas, diz Graça Morais.
“Esta parece um grafito”, descreve rapidamente a pintora, a rir. Não gosta muito de dar interpretações ou de contar uma história fixada para um quadro, mas, enquanto atiramos hipóteses para cada uma das cenas que 20 Jan 2017 mostra, vai desenrolando mais qualquer coisa.
Ao fundo alguns homens tapam a boca para tentar respirar. Recortou a imagem de um jornal, onde a fotografia dava notícia de um incêndio. “Recorto figuras dos jornais e depois são elas que começam a mandar em mim.”
No primeiro plano, o maior rosto pertence a Ruben Cavaco, o jovem agredido em Ponte de Sôr pelos filhos do embaixador do Iraque. “Vi fotografias dele antes e era um rapaz bonito e alegre, depois de sair do hospital ficou um rapaz tão triste que me impressionou. Que grau de violência aquela pessoa sofreu para isto? A minha pintura é feita disto, são flashes, relações de cumplicidade com certas pessoas que posso até nem conhecer mas com quem tenho uma grande solidariedade”, explica a pintora. E isto leva-nos a outra figura que está no quadro em nome de muitas outras.
Uma mulher com cabeça de carneiro transporta o que parece ser uma criança debaixo de um véu. “No Iraque, na Síria, há sempre alguém que vai ao inferno buscar uma criança. Chamo-lhes as pietàs do século XXI.” Se estamos habituados a olhar para cabeças de cabras ou de ovelhas e vê-las como símbolos do Mal e do Diabo, para Graça Morais os códigos têm de ser outros. Na sua pintura, as personagens que salvam a humanidade são aquelas que me ganham esta metamorfose. “Não há nada mais belo e manso que um rebanho nas montanhas.”
A infância passada em Trás-os-Montes e outras memórias felizes são importantes. Isso nota-se constantemente nas cabeças de animais, que podem nascer em qualquer corpo, mas também nas paisagens. Ao fundo de 27 Jan 2017 aparecem umas montanhas que lembram Graça daquelas que via todos os dias, há cerca de três anos, quando ia visitar a mãe. “Tento pintar o fim do dia, que é uma hora sagrada por causa da luz. A natureza ganha um silêncio, um peso, um mistério muito grande e há uma luz nas montanhas que entra por nós dentro.”
Graça Morais não sabe muito bem o que mais dizer sobre as restantes figuras, para além de que as plantas em primeiro plano, que nada têm a ver com a flora transmontana, são as que estão no seu ateliê. A composição do quadro tem qualquer coisa de episódio bíblico: uma espécie de crucifixo ao alto, duas figuras a ladear esse estranho Cristo e em baixo um coro sombrio. “As figuras em primeiro plano é como se estivessem reunidas num encontro a fazer de coisas muito complicadas, grande inquietação e até algum medo pela situação que eu sinto que estamos a viver”, conta Graça Morais avisando que não é ela que manda nas figuras, é o contrário.
Fundação Champalimaud, Avenida Brasília. Seg-Sáb, 14.00-19.00. Dom, 10.00-19.00. Até 25 de Abril. Entrada Livre.
Leia a entrevista com Graça Morais sobre a sua carreira e a exposição "Ressonâncias: da Voz e dos Ecos" na Time Out Lisboa desta semana.