A Amadora é “a cidade da BD”. Estas palavras lêem-se na parede de um túnel a caminho do Fórum Luís de Camões, que foi durante muitos anos o principal pólo do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora – entretanto o núcleo duro mudou-se para o antigo Ski Skate Parque Amadora. É lá que se realiza, pelo segundo ano consecutivo, a maior festa de tiras e vinhetas do país. A edição deste ano começa na quinta-feira, 20 de Outubro, e termina ao fim de dez dias, no dia 30. “O nosso objectivo não é romper com, é continuar o legado das anteriores direcções e equipas, porque este projecto é do município e, enquanto técnicos, a nossa pretensão sempre foi servir o público”, diz-nos a directora do Amadora BD, Catarina Valente, durante uma visita guiada à zona de exposições. A ambição é, por um lado, preservar a história da iniciativa e, por outra, melhorá-la e fazê-la crescer, de forma gradual.
“A vinda para este local foi uma necessidade. No Fórum Luís de Camões, existia uma série de condicionantes, inclusive o facto de o espaço ser muito fechado. Agora, pelo contrário, temos uma relação extremamente favorável com o exterior, porque as pessoas entram finalmente num recinto, como acontece noutros festivais lá fora, como o Angoulême, em França [maior festival de BD da Europa], que acontece pela cidade”, explica Catarina Valente, que sucedeu a Lígia Macedo na direcção do Amadora BD. “[Em 2021], quando nos mudámos [para o Ski Skate Parque], a segurança e o bem-estar das pessoas era a prioridade, e tínhamos aqui um território por explorar, com uma área considerável, que nos permite criar diferentes zonas de interesse.” Como, por exemplo, a nova tenda criada em parceria com a MagicShot Gaming Network, onde será possível encontrar experiências relacionadas com a BD, mas através de outros formatos, como o cosplay, o retrogaming e a realidade virtual.
Versalhes na Amadora e portugueses em França
Integrada na agenda da Temporada Cruzada Portugal-França, a programação do festival foca-se sobretudo na relação entre os dois países. Além da exposição dedicada a Balada para Sophie, vencedora nos Prémios de Banda Desenhada da Amadora de 2021, na categoria de Melhor Obra de Banda Desenhada de Autor Português, destaca-se, por exemplo, “Os Portugueses”, a partir do álbum Os/Les Portugais (editado em Portugal pela Ala dos Livros), de Olivier Afonso e Chico, sobre os milhares de portugueses que, nos anos 1970, fugiram da ditadura de Salazar e tentaram, cada um à sua maneira, reconstruir a sua vida nos arredores de Paris. “É um livro [de BD] de um luso-francês, que nasceu em Portugal e emigrou com os seus pais, aos quatro anos, para França. Fez o chamado ‘salto’, que era o nome dado à emigração ilegal nas décadas de 60-70. Ou seja, iam de carro, com os filhos escondidos na mala do carro, com toda a tralha e mais alguma, e chegavam sem nenhuma perspectiva, acabando por ir parar aos bidonville, que são bairros de lata nas periferias das cidades, para onde as famílias com mais dificuldades iam viver, sobretudo a comunidade portuguesa.”
Ainda a pensar na Temporada Cruzada Portugal-França, contam-se as exposições “Armazém Central”, com cerca de 85 originais expostos, que vieram directamente dos autores Loisel e Tripp, também com presença confirmada; “Os Mundos de Thorgal”, sobre a série de banda desenhada franco-belga dedicada às aventuras do jovem viking Thorgal; e "Versailles na Amadora”, comissariada por Hugo Van Der Ding e o colectivo Lavandaria. Catarina Lopes recomenda também “4 Quartos (e são nossos!)”, que junta as francesas Blanche Sabbah e Elléa Bird às portuguesas Joana Simão (mais conhecida por Mosi) e Patrícia Guimarães num mesmo espaço e com um mesmo propósito: reclamar a visibilidade feminina.
“Parte de um desafio meu ao festival Lyon BD, ao qual nos associámos, depois de percebermos que a presença feminina, na vertente editorial da banda desenhada, é muito insípida ou insuficiente comparativamente à presença masculina”, conta-nos. “É uma oportunidade de dar a conhecer autoras cuja mensagem e narrativa é francamente feminina, e chamar a atenção para um tema extremamente pertinente. Não gostaríamos que o fosse ainda, em pleno século XXI, mas continua a ser, que é a visibilidade feminina e os direitos das mulheres, inclusive na literatura. E trata-se de uma exposição inédita, que transitará para a edição de 2023 do Lyon BD.”
Nunsky, André Morgado, André Carrilho, António Jorge Gonçalves e Jayme Cortez também estarão em destaque, com exposições individuais. E está também prevista uma exposição antológica, comissariada pela Comic Heart, sobre os próximos lançamentos da editora, como O Bestiário de Isa, de Joana Afonso; o segundo álbum da série Dragomante, Prova de Fogo, de Felipe Faria e Manuel Morgado; Uma Chama Imensa, de Ricardo Venâncio; e álbuns de estreia de Cátia Sousa e Paulo Montes, Quero Voar e Almada Perdida respectivamente.
Actividades paralelas, autógrafos e prémios
Além das exposições, a programação conta com inúmeras actividades paralelas, desde lançamentos e workshops relacionados com a temática da banda desenhada até sessões de autógrafos. Entre as presenças internacionais confirmadas, encontram-se nomes como o do brasileiro Marcelo Quintanilha, que visita Portugal depois de ter ganhado o principal prémio do Festival de Angoulême com Escuta, Formosa Márcia, obra exposta em 2021 no Amadora BD; e o de Bob McLeod, ilustrador da Marvel. Este último, mais conhecido por co-criar Os Novos Mutantes, vem a Portugal a propósito da retrospectiva dos “60 anos do Homem-Aranha”, que não só cobre seis décadas da história do herói como tem especial atenção ao trabalho desenvolvido em Portugal, com a inclusão de originais de artistas portugueses, como Jorge Coelho. “Esperamos que tenha por isso grande impacto, mas também pela vinda de McLeod, que nunca esteve na Europa.”
Este ano, à semelhança dos anteriores, o festival também encerrará com a habitual cerimónia de entrega dos Prémios de Banda Desenhada da Amadora. A Melhor Obra de Banda Desenhada de Autor Português receberá um prémio pecuniário no valor de 5000€. Entre os nomeados, encontram-se Pardalita, de Joana Estrela (Planeta Tangerina); Estes Dias, de Bernardo Majer (Polvo); CoBrA – Operação Goa, de Marco Calhorda e Daniel Meia (Ala dos Livros); O Caderno da Tangerina, que junta No Caderno da Tangerina (2017) e Tangerina (2019), de Rita Alfaiate, numa mesma edição; e a antologia Umbra 3, com histórias de Filipe Abranches, David Soares, Simon Roy, Pedro Moura, Ricardo Baptista e Bárbara Lopes.
Sky Skate Parque, Galeria Municipal Artur Bual e Bedeteca da Amadora. 20-30 Set. 3€-10€
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