É uma consola deste tempo, em que estamos habituados a jogar em vários contextos e lugares. Com vários títulos exclusivos.
Cyberpunk 2077 foi lançado em Dezembro, mas a sua história já vai longa. Por um lado, as suas origens remontam à década de 80, quando Mike Pondsmith e a R. Talsorian lançaram o primeiro jogo de mesa da franquia Cyberpunk. Por outro, a editora polaca CD Projekt Red, que até agora só tinha feito os elogiados videojogos de The Witcher, começou a trabalhar no projecto em 2012 e desde então o burburinho em torno dele nunca parou de crescer. O lançamento chegou a estar agendado para os primeiros meses deste ano, mas foi sendo adiado até agora, enquanto uma equipa de mais de 5000 pessoas trabalhava horas extra e não tinha fins-de-semana. E mesmo assim ainda não estava pronto para ser lançado.
Quase uma semana depois de ter sido lançado e de várias actualizações, continua a não estar pronto. Lembra uma versão beta. No PC, a julgar pelo que se lê e vê online, os bugs são muitos. Há armas e pessoas a flutuar no ar, músicos que tocam guitarras invisíveis e inimigos que disparam contra nós com pistolas inexistentes, os personagens falam sem abrirem a boca e algumas notificações teimam em não desaparecer do ecrã. E este é o melhor cenário. Nas consolas, então, os bugs são mais do que muitos. Sobretudo nas velhas PlayStation 4 e Xbox One, o jogo arrasta-se e a experiência é precária, os gráficos não têm lustro e parecem toscos. Supostamente, é melhor – mas ainda não o suficiente – nas novas PlayStation 5 e Xbox Series X/S, que só vão ter uma versão optimizada para elas em 2021.
Os problemas são tantos que nos fazem pensar se alguns elementos do jogo não serão antes bugs. A inteligência artificial dos inimigos, por exemplo, parece pobre – alguns, a meio do combate, ficam parados, outros demoram demasiado tempo a reagir ao que se passa. Por agora, não se sabe se eles vão ser sempre assim, ou se vão ficar mais espertos e responsivos quando o jogo estiver pronto. Há até missões cujo desfecho pode ou não ser mais um erro. Numa, temos de falar com um homem deprimido que perdeu o seu melhor amigo e, a não ser que se pergunte e responda uma sucessão de frases em particular, no final somos avisados de que falhámos a missão. É possível continuar a jogar depois disto, como se nada se tivesse passado; será mesmo suposto falharmos? Também não se sabe.
Enterrado por baixo de todos os erros informáticos e decisões questionáveis, encontra-se um bom jogo. Talvez um óptimo jogo, porém só vamos ter a certeza daqui a uns meses, quando se espera que já esteja a funcionar em condições – nessa altura, vamos voltar a escrever sobre ele e atribuir-lhe uma pontuação. Porque, nos momentos em que tudo corre bem, Cyberpunk 2077 é fascinante e um testemunho da ambição dos homens e mulheres que dedicaram os últimos anos da sua vida ao projecto. Pode ser descrito como um RPG (role-playing game), mas é também um competente jogo de tiros, e de acção furtiva, e uma aventura num vasto mundo aberto. Cada um pode experienciá-lo como bem entender.
Tematicamente, o jogo é tão ou mais ambicioso. É uma meditação sobre o valor da individualidade e da consciência, da vida humana, numa sociedade hipercapitalista e distópica, em que todas as interacções interpessoais foram mercantilizadas e as grandes empresas usurparam as funções do Estado. Há ecos de Neuromante e Blade Runner, mas o motor da narrativa é o conflito interno entre um protagonista criado pelo jogador, que responde apenas pelo nome de V, e o fantasma digital de Johnny Silverhand (um Keanu Reeves em pico de forma), um famoso roqueiro e terrorista supostamente desaparecido há quase meio século, cujas memórias e personalidade ameaçam sobrepor-se às de V.
O Johnny Silverhand de Keanu Reeves é superlativo, mas os restantes personagens secundários também são carismáticos e é fácil simpatizar com – ou pelo menos sentir empatia por – eles. Já Night City, a megacidade onde se passa a acção, é magnética e cheia de vida. Foi desenhada e construída horizontal e verticalmente, e há algo que fazer em cada quarteirão, em cada andar. Explorá-la e conversar com os seus habitantes seria embriagante se o jogo não estivesse prestes a desintegrar-se. Talvez venha a sê-lo um dia, quando o jogo estiver pronto e for próprio para consumo. Nessa altura, será um prazer andar pelas suas ruas.
Disponível para PC, PlayStation 4, Stadia e Xbox One.