É uma consola deste tempo, em que estamos habituados a jogar em vários contextos e lugares. Com vários títulos exclusivos.
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Há muitas maneiras de contar a mesma história. Uma narrativa pode ser comprimida e descomprimida, podem ser adicionadas ou retiradas partes e detalhes, de acordo com a vontade do autor ou narrador. A história não deixa, apesar disso, de ser basicamente a mesma. E pode manter a qualidade independentemente de ser mais breve ou mais longa, quando há talento e vontade para isso. E há muito talento envolvido em Final Fantasy VII Remake, que pega nas primeiras quatro ou cinco horas do clássico RPG japonês e as transforma em 40 ou 50. Fá-lo introduzindo novos detalhes. Mas não é só isso que faz.
O jogo começa como Final Fantasy VII começou em 1997. O grupo de extremistas ecológicos Avalanche invade e destrói um reactor de mako – na história, a força vital do planeta, que é extraída e transformada em energia por uma grande empresa; na realidade, uma analogia para o petróleo e outras fontes de energia cujo uso e exploração prejudicam o ambiente. O jogador controla o mercenário Cloud Strife (ex-Shinra) e outros membros desse grupo, que são os bons da fita e se opõem à empresa multinacional Shinra, que domina boa parte do mundo e tem mais poder do que qualquer governo.
Durante a primeira hora, o remake limita-se a contar a história de 97, só que com gráficos de encher o olho no lugar dos polígonos primitivos e fundos estáticos do original, e um foco na acção em vez dos combates estratégicos por turnos de antigamente. Todavia, assim que se sai do primeiro reactor, as coisas começam a mudar. Por um lado, são adicionados novos níveis, secções e personagens. Por outro, os protagonistas e figuras secundárias ganham outra complexidade, ao ponto das (aparentes) mortes de algumas personagens, que dantes eram quase inconsequentes, se tornarem momentos emocionalmente carregados e pesarosos.
O conflito entre a Shinra e a Avalanche também é recontextualizado. Apesar da coragem e das boas intenções do original – poucos produtos da cultura popular dos 90s questionavam o capitalismo e as alterações climáticas de forma tão aberta –, o seu ecologismo era pueril e caricatural. Agora, as consequências dos atentados da Avalanche, e as formas como prejudicam os civis, são claras, ainda que justificáveis. Também é revelado que o grupo do jogador é apenas uma célula de um grupo maior, com possíveis ligações a uma nação rival. E é mostrado como a Shinra amplia o custo humano dos atentados para promover os seus interesses. Os paralelismos com o 11 de Setembro e a forma como os atentados foram instrumentalizados (e, há quem diga, promovidos...) para invadir o Iraque são óbvios.
Não é fácil introduzir tantas novidades e mudanças sem alterar o enredo original. A tensão entre a vontade de criar algo de novo e o respeito pelo que veio antes permeia a própria acção. Perto do início, no segundo dos 18 capítulos de Final Fantasy VII Remake, são introduzidas umas figuras espectrais que não existiam no título de 97. Primeiro não se percebe bem o seu propósito, mas cedo se torna aparente que o objectivo é corrigir o curso da história, quando tudo indica que vão ser feitas alterações de monta. São uma representação da vontade dos fãs e do medo dos autores, num combate literal e figurado com os protagonistas e a ambição dos autores.
Apesar de serem a representação metanarrativa dessa tensão entre o novo e o velho, os tais espectros não são o único exemplo disso. O jogo revisita os cenários do original, mas injecta-lhes vida, cor e rugosidade; é como uma trilogia cinematográfica que adapta um livro ilustrado infantil. Todos os momentos icónicos do início de Final Fantasy VII estão aqui reproduzidos – a secção de Midgar reimaginada neste remake, ou antes adaptação, que será a primeira de uma longa série, é só uma pequena parte do original. Contudo, há constantes piscares de olho aos fãs e à ideia de que aquilo que estamos a ver não é novo.
E depois há o final. Sem revelar muito do que acontece, é corajoso, ambicioso, indulgente e confuso, como é apanágio do director do projecto, Tetsuya Nomura, que, além de ter trabalhado no título original, realizou o filme animado Final Fantasy VII: Advent Children (2005) e concebeu a vasta mitologia da série Kingdom Hearts. Vai haver uma sequela, mas depois daquele final é difícil imaginar o que vai acontecer. As possibilidades são infinitas. Por agora, não importa. Independentemente do que vier a seguir, Final Fantasy VII Remake é uma obra-prima. Não substitui a versão de 1997, mas valoriza-a. E tem o mesmo valor.
Disponível para PlayStation 4.