Como será Lisboa dentro de uma década? Partimos desta pergunta para reunir os projectos que vão marcar a paisagem da cidade e até a forma como os alfacinhas a vivem. Das intervenções no espaço público e na mobilidade aos investimentos privados que estão a reinventar edifícios históricos e a tornar a cidade mais alta, são 50 as obras que vão levantar muito pó até que tudo fique pronto – e seja tempo de avançar para outras.
Manuel Aires Mateus e Patrícia Barbas, dois arquitectos com obras marcantes em Lisboa, dizem-nos isso mesmo. “A cidade é feita pelo tempo, por camadas, por histórias que se contaminam e complementam”, segundo a co-autora da Torre de Picoas, edifício de 17 andares na Av. Fontes Pereira de Melo, que projectou com Diogo Seixas Lopes. “O património não tem época. Construímos património. Construímos com a convicção de contribuir para uma cidade melhor e mais qualificada.”
Aires Mateus, Prémio Pessoa de 2017 e autor da sede da EDP na Av. 24 de Julho (e do controverso hotel conhecido como “mono” do Rato, assinado a meias com Frederico Valsassina), defende que “o nosso tempo precisa de se explanar. É um tempo complicado, porque é tão poderoso que pode destruir os outros. Temos de ter o cuidado de acrescentar respeitando o resto. Mas temos de construir o nosso tempo”. O arquitecto acredita, aliás, que “a Lisboa de 2030 não será muito diferente da de hoje. Terá mais camadas de contemporaneidade, mas a sua identidade vai permanecer”.
“Os edifícios levam algum tempo a absorver. Quando se reconstruiu o Teatro Thalia, houve alguma polémica. Hoje em dia, é um edifício completamente consensual”, sublinha Aires Mateus. O projecto de ligação do Parque Mayer ao Jardim Botânico, que desenhou há mais de uma década, também foi recebido com cepticismo. Está na gaveta, mas a Câmara quer voltar a essa ideia. O arquitecto entende, no entanto, que, mais importante do que debater obra a obra, é conhecer o caminho, ter uma visão para o futuro – “e isso está a ser feito”. “Não podemos ter a ilusão de que estamos no fim deste processo de planear, estamos no princípio. E esse processo é determinante.”
“Lisboa tem tudo para ser uma cidade melhor em 2030. Uma cidade mais amiga das pessoas, dos seus habitantes”, acrescenta Patrícia Barbas, mas só o conseguirá se resolver dois problemas: a habitação e os transportes públicos. “Habitação para jovens em início de carreira, para estudantes, para os mais desfavorecidos e também para a classe média” é um ponto essencial para a arquitecta. Tal como “fazer com que a mobilidade na cidade aconteça de uma forma sustentável”, com “transportes públicos baratos, pontuais e em rede”, uma rede “tão boa como na Suíça”.
“A dificuldade é conciliar a cidade que se recupera, que se amplia, que tem uma dinâmica internacional, com uma cidade onde todos podem viver”, diz Manuel Aires Mateus. O arquitecto não tem dúvidas em identificar a questão do acesso à habitação como “o grande problema de Lisboa”. “É um problema urbanístico, mas não só. É um problema político.” O turismo está a “gerar fenómenos de exclusão complicados” – “ele é positivo mas traz problemas a que é preciso responder”.
“A cidade foi alvo de transformações rápidas, muitas delas ligadas ao turismo”, avalia, por sua vez, Patrícia Barbas. “Estas transformações têm por vezes efeitos perversos e por isso é tão importante ter a consciência que o tempo da cidade é lento.” Não é certo que se resolvam numa década todos os problemas criados pelo crescimento desmedido do turismo. Ainda assim, o exercício de projecção continua válido – nem que seja para estabelecer metas. Quando perguntamos a Patrícia Barbas o que gostaria de encontrar na Lisboa de 2030, a arquitecta sintetiza tudo em quatro palavras: “Uma cidade mais justa.”