Quando estacionei à porta da nova Musa de Marvila cheirou-me a desaire. Aqui? Neste ermo? Nesta ruela onde ninguém passa? Onde ninguém vai? Depois, entrei e manteve-se o odor a desastre, agora com leves notas azedas a pista de dança em pousio.
Parecia que tinha entrado num bar nocturno, néons, a mesa de DJ vazia, vigiando a sala. Atrás do balcão, empregadas enfastiadas teclando nos telemóveis, incapazes de acolher, encaminhar e descodificar o menu afixado na parede, sete pratos funky escritos em folhas funky: Mumbai Sando, Kapsalon Vegetal, O.G Burger, Kapsalon Piri Piri e Sloppy Joe Vegetal.
Depois – bem depois, na verdade –, agarrei na comida, subi ao terraço e tudo mudou. Lá em cima, luz e sol, Rosalía e Kendrick Lamar nas colunas, comida boa, calças subidas e peúgos com flamingos, muitos peúgos com flamingos.
Percebe-se rapidamente que a casa se tornou num bastião hipster, muito por causa da comunicação cool da marca cervejeira – que de artesanal já tem pouco – e por uma programação que agrega o dread e a indie, a pagodeira e o brooklynite, a artista de rádio e o foodie.
Em parte, isso explica o sucesso e o hype, mas também devemos creditar, por um lado, a comida orientada por Pedro “Kid” Abril e, por outro, o sítio e a paisagem.
No terraço, temos vista para um desses cenários desoladores e belos que Lisboa nos dá quando subimos a um último andar. No sentido do rio, os cumes do Prata Riverside Village, a urbanização milionária – e densa – do arquitecto Renzo Piano; no sentido da cidade, um baldio e couves fora de época; ao fundo do terraço, baloiços recauchutados, matraquilhos e um tanque onde já não nadam peixinhos – óptimos acessórios para entreter as crianças enquanto os pais se encharcam em imperiais de Sour, a cerveja da casa de gengibre e erva-príncipe, a minha preferida.
Comida e cenário explicam que toleremos as falhas, a começar no sistema de pré-pagamento à la food court de centro comercial, a acabar na demora do serviço. Na Musa de Marvila parece haver pouca gente na cozinha e isso viu-se no tempo de espera, em duas visitas recentes.
Para entregar um brioche de frango frito e uma espécie de kebab com frango, com a casa praticamente vazia, foram 27 minutos. Na segunda visita, já o terraço bem composto, a espera subiu para 35 minutos, e falamos de um hambúrguer e de uma Mumbai Sando (a sandes veggie com tomate, batata, chaat masala e chutney).
Mas tudo toleramos quando temos pela frente aquela que será, porventura, a mais viciante bolinha de gordura de Lisboa. Refiro-me ao Marvila Fried Chicken, pedaço de peito de frango num polme estaladiço e enrugado como rocha de lava, coberto por coleslaw, servido dentro de um brioche fofo e gordo como uma nuvem de manteiga.
O mesmo brioche apareceria no hambúrguer, clássico com tudo o que um clássico deve levar: carne, queijo Cheddar, pickles e, claro, bacon. É esta a fórmula perfeita, tudo o resto é brincar aos hambúrgueres.
Correu também muito bem o kebab da casa, anunciado como Kapsaron Piri-Piri, outra javardice, lascas de frango de churrasco com molho de piri-piri misturadas com batatas fritas danadas de crocantes, ripas de alface (iceberg?), queijo Gouda e aros de cebola roxa.
Menos interessante o Mumbai Sando, pão a mais, o conjunto monótono, sem nada que o espevitasse, como se o prato estivesse ali só para preencher a quota veggie.
Em síntese. Está-se muito bem na Musa de Marvila, com música boa e comida a condizer. Aos fins-de-semana, entra-se às 13.00 e pode-se só sair pelas 03.00, com um pezinho de dança, pelo meio, para queimar calorias. A partir de quinta-feira até sábado, há churrasco no bar do terraço.