Três é a conta que o MURO fez
Apesar do seu carácter efémero, a arte urbana que nasceu nos três núcleos do festival veio para ficar. Pelo menos, por uns tempos.
De latas na mão, em cima de escadas, andaimes ou gruas, artistas consagrados e emergentes, portugueses e estrangeiros, ajudaram a erguer este muro na zona mais oriental de Lisboa. Um muro que nos quer reunir em torno de valores fundamentais no mundo de hoje e aproximar comunidades dentro da própria cidade, eliminando fronteiras.
O MURO Festival de Arte Urbana LX_2021 deixa sempre um legado à cidade. Deixou em Carnide em 2016, depois em Marvila no ano seguinte, em 2019 pintou no Lumiar e à quarta vez usa o Parque das Nações como tela, numa edição maior e mais descentralizada (de 3 a 11 de Julho). Este ano, o festival saiu à rua para provar que há muros que nos aproximam, tendo por tema “O MURO QUE NOS (RE)ÚNE”, uma iniciativa da Galeria de Arte Urbana da Câmara Municipal de Lisboa, em co-produção com a Junta de Freguesia do Parque das Nações e a Gebalis, responsável pela gestão do arrendamento da habitação municipal em Lisboa.
Se nos territórios por onde já passou, promovendo a inclusão e a arte para todos, deixou um rasto de 112 peças de arte urbana desenhadas por 157 artistas (num total de 17 mil metros quadrados), só nesta 4.ª edição conta com mais de 60 artistas, mais de 30 peças e 24 intervenções espalhadas por três núcleos do Parque das Nações. Obras de grande dimensão desenhadas em pilares da Ponte Vasco da Gama e também em campos de basquetebol, empenas de prédios, atravessamentos pedonais ou muros de comboio, numa edição marcada pela forte presença de artistas de graffiti que, a solo ou em grupo, saíram à rua para cimentar a importância da cidade no contexto da arte urbana a nível internacional. Mas não só. É que cada um dos núcleos deste MURO LX_2021 tem uma mensagem muito importante, entre a multiculturalidade, a cultura urbana e a sustentabilidade. Juntos, os núcleos desafiam lisboetas e visitantes a multiplicar o olhar sobre a cidade, sobre as suas comunidades e também sobre cada um de nós.
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Apesar do seu carácter efémero, a arte urbana que nasceu nos três núcleos do festival veio para ficar. Pelo menos, por uns tempos.
No bairro do Casal dos Machados foi erguido o Núcleo da Multiculturalidade com dez intervenções, aproximando este território da restante cidade. Muitos vão querer visitar grandes obras que cruzam os valores da liberdade, da diversidade e da igualdade, entre muros ou empenas de edifícios. É o caso da intervenção “Atlas, Mostra Alto o Mundo no seu Ombro”, do multifacetado Colectivo Rua, que pintou uma empena de um prédio na Rua Padre Joaquim Alves Correia, pelas latas dos artistas Contra, Draw, Fedor, Oker, The Caver e Third. Juntos desenharam, cada um ao seu estilo, elementos como um encantador de serpentes, um comboio, um elefante, girassóis ou retratos de várias culturas e etnias. As restantes obras do núcleo são assinadas por Juan José Surace, MOTS, Rocket01, D*Face, IAmEelco, Los Pepes, Mabel Vicentef, Nark, Pedro Podre e Stom500.
No Parque Tejo são cinco as obras criadas no chamado Núcleo da Cultura Urbana, que cria uma ponte entre as práticas artísticas, sociais e desportivas no espaço público e a forma como hoje vivemos a cidade, com grandes obras de arte urbana pintadas nos campos de basquetebol, num ano em que Lisboa é Capital Europeia do Desporto. E também nos pilares e muro da Ponte Vasco da Gama. Agarrados aos pilares andaram Odeith (o artista entrevistado aqui ao virar da página) e também Traffic, artista urbano português que se movimenta entre murais, azulejos e esculturas. Para o MURO LX_2021 desenhou o seu maior projecto até ao momento, com 35 metros de altura. O artista Nuno Viegas (Metis), a crew de graffiti Thunders e a writer columbiana Zurik complementam este núcleo.
Na zona da Av. Pádua, este núcleo acolhe oito intervenções, cujos temas estão ligados ao meio ambiente: as alterações climáticas, a reciclagem, a contaminação das águas, a poluição sonora e visual. Conte com um conjunto de 12 esculturas de Bordalo II, o artista responsável pela famosa série Big Trash Animals. Da Polónia, da República Checa, da Hungria e da Eslováquia chega o Grupo Visegrado (Mikołaj Rejs, Fat Heat, Pauser e a dupla RCLS), que ocupou a Rua da Centieira com várias intervenções, enquanto que o vizinho Passeio do Báltico fica decorado com as obras dos artistas Thiago Mazza, Jacqueline de Montaigne e KRUS, todos autores de obras que nos alertam para a urgência de olharmos com mais carinho e atenção para o planeta. De referir ainda que no Passeio do Báltico será criado um muro para pintura espontânea, sem mediação ou necessidade de autorização de intervenção, aberto à comunidade.
Apesar de já ter levado a sua arte aos quatro cantos do mundo, o português Sérgio Odeith faz na Gare do Oriente que nunca ninguém viu. Num espaço fechado e vazio, meio abandonado, Odeith fez das paredes as suas telas para criar um percurso de peças anamórficas, que caracterizam muito do seu trabalho.
Gare do Oriente. Todos os dias 10.00-21.00. Entrada livre
É nas ruas que nasce a arte exposta na loja e galeria Crack Kids, plataforma que junta várias mentes ligadas às artes desde designers, ilustradores, músicos ou videógrafos". Mas este MURO leva a galeria para a rua: a Crack Kids vai transformar 12 mupis numa galeria a céu aberto na Gare do Oriente, onde estarão expostas 24 serigrafias do espólio da Crack Kids, assinadas por artistas portugueses e estrangeiros. “Uma espécie de Karma, mas bom”, dizem.
Gare do Oriente. Todos os dias 10.00-21.00. Entrada livre
Percebe alguma coisa de stencil, paste-up, caligrafia com tinta plástica (com o uso de pincéis, rolos, entre outros) e spray? Seja versado ou não na gíria artística de João Varela, está convidado a inscrever-se no workshop Sopa de Letras, onde este artista de lettering e designer de tipografia vai desafiar os participantes a escrever palavras ou frases que se enquadrem com o festival MURO LX_2021 e o seu impacto na comunidade.
Os participantes serão divididos em pequenos grupos (seis a oito por cada bloco de uma hora), já que o workshop vai acontecer em vários horários dos dois próximos fins-de-semana, entre Bairro Casal dos Machados e os pilares da Ponte Vasco da Gama, no Parque Tejo.
3 e 4 de Julho: Bairro Casal dos Machados (Polidesportivo – Rua Padre Joaquim Alves Correia ). Manhã: 10.30-11.30,12.00-13.00; Tarde: 14.30-15.30, 16.00-17.00, 17.00-18.00/ 10 e 11 de Julho: Pilares Parque Tejo. Coordenadas: 38.78641214440833, -9.09215446399205. Manhã: 10h30-11h30, 12.00-13.00; Tarde: 14.30-15.30, 16.00-17.00, 17.00-18.00. Inscrições gratuitas: gau@cm-lisboa.pt
É um projecto de arte pública global e chegou a Lisboa integrado na programação do MURO. Before I Die (Antes de Morrer) é um projecto criado pela artista Candy Chang numa casa abandonada do seu bairro em Nova Orleães (EUA), onde colocou uma ardósia e convidou as pessoas a reflectir sobre a morte e compartilhar suas aspirações pessoais em público. Por todo o mundo já foram criadas 5000 instalações, graças à abertura deste projecto a todas as comunidades do planeta, ao disponibilizar online todos os recursos necessários para replicar o Before I Die. Por cá, a entusiasta foi Rita Cabaço, residente neste bairro, que desta forma desafia a sua própria comunidade a conhecer-se melhor e de uma forma mais inspiradora.
Gare do Oriente; Centro Comercial Vasco da Gama; Casal dos Machados. Coordenadas: 38.772729460257985, -9.103344883769543; Parque Tejo: 38.78658430673443, -9.092275999403272
O estúdio criativo FAHR 021.3, fundado em 2012 por Filipa Frois Almeida e Hugo Reis, cruza a arte com a arquitectura através de instalações no espaço público. Para o MURO criaram Around, uma estrutura circular que parece fazer levitar o peso dos livros e convida a atravessar um “espaço de relacionamento pessoal e social”. O estúdio FAHR 021.3 tem-se destacado a nível nacional e internacional e recentemente criaram uma estrutura de madeira com cerca de 900 manjericos, para a iniciativa Flores de Manjerico, da Câmara Municipal do Porto.
Gare do Oriente. Coordenadas: 38.767779083360935, -9.09826487309729
Vhils, Bordalo II, Aka Corleone, Smile, ±MaisMenos±, Tamara Alves ou Mário Belém são alguns dos nomes mais sonantes neste roteiro de arte urbana em Lisboa. A eles juntam-se artistas de todo o mundo, que escolhem Lisboa para servir de tela aos mais variados estilos e mensagens. Se por um lado Lisboa está em guerra com taggers com pouco talento para a coisa – e que fazem questão de espalhar assinaturas por tudo quanto é sítio –, por outro a cidade é cada vez mais um museu a céu aberto de belíssimas obras de arte urbana. Embarque connosco num passeio alternativo pela cidade.
Vhils não se faz rogado quando o assunto passa pela dimensão das obras que vai criando mundo fora. Sobram poucas pessoas a quem não soe uma campainha quando ouvem o nome Vhils. Alexandre Farto passou fronteiras há muito e mesmo assim continua por cá a deixar a sua marca em murais de pequena ou grande dimensão. O mais recente representa o lançamento da primeira pedra da 'Chelas é o Sítio', uma associação sem fins lucrativos que conta com Sam The Kid no leme. Fomos à procura, nesta margem ou do outro lado do rio, das paredes rebentadas artisticamente por Alexandre Farto e encontrámos também a icónica obra na calçada portuguesa. Recolhemos as melhores perfurações artísticas de Vhils para que siga o roteiro mais esburacado de Lisboa, veja com olhos de ver e fotografe, que é tudo instagramável.