Teletrabalho, quarentena, trabalhar, casa
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Vida pessoal, solidão e produtividade: como se sobrevive ao teletrabalho

Como é que se equilibra a vida pessoal com o teletrabalho? Falámos com Rebecca Seal, autora de um livro sobre trabalhar sozinho e em casa, e tirámos notas sobre como sobreviver ao teletrabalho

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A forma como trabalhamos mudou. E não foi pouco. A casa, além de dormitório, ginásio, creche, jardim, sala de cinema e restaurante, transformou-se também em escritório para todos aqueles que tiveram de adoptar o teletrabalho. Mas ficámos sozinhos, sem colegas de secretária, horas de almoço barulhentas, reuniões infindáveis ou pausas para o café. Encarámos de frente a solidão e os outros tantos desafios que trabalhar em casa representa, coisas que a britânica Rebecca Seal, jornalista, editora e escritora explica no seu mais recente livro A Solo. Como Trabalhar Sozinho (E Não Dar em Doido), acabadinho de sair em Portugal.

Seja por escolha própria ou por circunstâncias externas, enquanto freelancer ou como trabalhador de uma empresa em trabalho remoto, há cada vez mais pessoas a trabalhar em casa. Em Portugal, apesar de o plano de desconfinamento estar já em curso, o teletrabalho continua a ser obrigatório sempre que possível. Mas muitas questões ficam em cima da mesa: será possível trabalhar bem em isolamento? Como se atingem objectivos quando se está sozinho?

Este livro, um sucesso de vendas na Amazon, é um género de guia para freelancers, patrões e colaboradores em teletrabalho. Rebecca, ela própria freelancer há mais de 10 anos, começou a escrevê-lo em 2019, sem pandemia à vista, e veio a terminá-lo no primeiro confinamento de 2020. O público para o qual escreveu é agora muito mais alargado. “Quero encorajar as pessoas a ter uma conversa com elas mesmas sobre quem elas são e onde é que o trabalho se encaixa na sua vida”, explica à Time Out. “O trabalho é que se deve adaptar à nossa vida e não o contrário, porque isso significa que vivemos em torno dele e não é saudável.”

O modelo WFH (Working From Home) já dantes servia de base a grandes empresas mundiais, mas ao longo do último ano muitas delas, como o Spotify, evoluíram para WFA (Working From Anywhere), coisa que permite aos funcionários executarem o seu trabalho de forma remota sem prejuízo do sítio onde estejam– em casa, no carro, num café ou num cowork. “Todos beneficiam, empresa e trabalhadores, uma vez que essa flexibilidade dá às pessoas um melhor equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal.”

Resiliência, foco e produtividade são três dos grandes eixos pelos quais Rebecca se rege. Dividido em três partes – “Como Trabalhamos”, “Onde Trabalhamos” e “Qual é o Objectivo?” –, o livro funciona como um manual de instruções. “Às vezes é difícil colocarmo-nos em primeiro, mas é fundamental para mantermos um equilíbrio entre o que é o trabalho e a nossa vida. É isso que eu pretendo com este livro”, diz.

A Solo: Como Trabalhar Sozinho (e Não Dar em Doido). 20|20 Editora – Vogais 

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Como se sobrevive ao teletrabalho

As barreiras que é necessário erguer

Um dos maiores desafios de trabalhar em casa passa pela diluição daquilo que é a vida pessoal e familiar e a vida profissional, uma vez que as duas passam a acontecer exactamente no mesmo espaço. Encontrar o equilíbrio não é fácil, mas há pequenos truques que Rebecca enumera em A Solo e que são meio caminho andado. “É tudo sobre mudar mentalidades. Nós fazemos o nosso trabalho, não somos o nosso trabalho, é importante impormos isto a nós mesmos”, explica. “Dizemos sempre ‘sou médica, sou jornalista, mas nós somos mais do que a nossa profissão, nós exercemos medicina, jornalismo. Tem de haver um distanciamento.” Tudo está relacionado com a cultura laboral em que estamos inseridos, a forma como vemos o trabalho e a tendência em dar-lhe primazia. “O trabalho não pode estar em todas as nossas conversas, em todos os nossos momentos de relaxamento, em todas as refeições, mesmo que seja só responder a uma mensagem. O trabalho é só uma parte da nossa vida. Só e apenas”, afirma.  

Em casa, o trabalho tem de ter um espaço físico, defende a autora. “Quando não há espaço onde deixar o trabalho, este mistura-se com tudo”, lê-se no capítulo “Onde Trabalhamos”. Há que pensar no espaço laboral que se vai criar em casa porque nem todos (muito poucos, até) conseguem ter um escritório, o que torna ainda mais importante encontrar um mecanismo que torne o trabalho presente e visível quando ele tem de estar, e escondê-lo (literalmente) o resto do tempo. “É muito importante, para a saúde mental. Guardar o computador, guardar a papelada numa caixa ou numa prateleira, o importante é que não se olhe para ele. Façam tudo o que podem para criar uma barreira física que ajude o cérebro a perceber quando o trabalho começa e acaba”, descreve.

Este é um exemplo dos rituais de transição, pequenos gestos que marcam a diferença entre a vida de casa e a vida de trabalho em casa – coisas como fazer uma caminhada pela manhã como se estivesse a ir para o escritório (mas volta para casa), treinar, vestir-se, maquilhar-se, beber café ou chá sempre na mesma chávena. “É um jogo psicológico, tens de jogar um jogo contigo mesmo, fazer truques que depois se tornam rotinas e, consequentemente, normalizam a coisa”, descreve. “É uma fase de transição importante pela qual temos de passar para nos adaptarmos à vida de trabalhar em casa.” 

Há mais dicas, por exemplo comer de forma equilibrada, não estar ligado às máquinas no momento da refeição ou fazer intervalos regulares ao longo do dia. “Se o fazemos no escritório, é fundamental que o façamos em casa. Todos merecemos pausas para desligar momentaneamente. Não podemos ser o pior chefe para nós próprios”, diz.

All by myself

Não é por acaso que o livro se chama A Solo. Rebecca não quis descurar um factor de risco no que toca ao trabalho remoto: a solidão. As interações sociais, seja por estar em teletrabalho ou por ser um trabalhador independente, ficam reduzidas ao mínimo – sobretudo em tempos de pandemia. O convívio que dantes acontecia no escritório deixa de existir e dá lugar a uma janela de chat que pisca e nos distrai a toda a hora. Não é a mesma coisa. Falta calor humano, falta voz. “As interações sociais são fulcrais para o nosso bem-estar, é importante adaptar situações que vivíamos antes à realidade do teletrabalho”, diz. “Às vezes basta vermos pessoas. Podemos dar uma caminhada, ir buscar um café, ir aos correios, ou às compras – tudo o que implique ver outros seres humanos e fazer contacto visual.”

Isto a um nível “mais superficial”, diz Rebecca, que defende um cultivo mais profundo das relações que vão além dos colegas de trabalho. É importante continuar a falar com os amigos e família, fazer uma pausa dos ecrãs (nada de videochamadas!), e ouvir a voz do outro lado do telefone – “há uma conexão emocional maior e menos distrações”.

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Fita métrica para a produtividade

“Certamente que a produtividade não se mede pelo número de horas em que estamos sentados à secretária no escritório da empresa”, afirma Rebecca, que alerta para o número crescente de empresas que aumentou a vigilância dos seus funcionários. “Há muitos, mas muitos estudos que demonstram que é prejudicial para a produtividade, foco e bem-estar dos trabalhadores que haja um controlo exagerado por parte das organizações.” 

A autora refere ainda que essa prática é baseada numa “visão antiquada dos modelos de trabalho”, uma vez que muitos trabalhadores que entrevistou se sentiam desconfortáveis com a falta de confiança no seu trabalho. “É contraproducente porque os sentimentos que provocam no trabalhador são os contrários, faz reduzir a felicidade no trabalho e consequentemente a produtividade.”

Uma parte do primeiro capítulo do livro dedica-se precisamente a esta questão: “O problema de trabalharmos muitas horas.” Aqui, Rebecca explica que trabalhar muitas horas não é directamente proporcional à produtividade nem à qualidade. “As horas passadas a trabalhar são uma maneira péssima de medir a produtividade, e trabalhar demasiadas horas faz mal.” E esta questão leva a outras mais graves, que moem, devagarinho, a cabeça de cada um – falamos de saúde mental e da ansiedade ligada a tudo o que tenha a etiqueta “trabalho”.

Para Rebecca a solução talvez passe pela flexibilidade, que ajuda empresas e trabalhadores a aumentar tanto os níveis de produtividade – porque o trabalhador consegue adaptar o trabalho de melhor forma aos restantes aspectos da sua vida –, como a felicidade no trabalho.  

E depois de um ano de teletrabalho – contínuo ou com breves interrupções – haverá necessidade de mudar a legislação do trabalho nos países? “Não há uma resposta certa ou errada. Cada empresa deve tomar decisões cuidadosamente, pensando nas vantagens e desvantagens que os novos modelos trouxeram, e adaptando isso às necessidades do trabalho e dos seus funcionários”, refere Rebecca. “Não há uma regra comum a todas, mas há a possibilidade de as empresas serem flexíveis, a prova disso foi o ano que passou. Estamos ainda sob um chapéu da pandemia, estamos exaustos. Penso que temos de perceber como as coisas funcionam sem termos as restrições da pandemia antes de mudar o que quer que seja.”

Está a trabalhar em casa?

  • Coisas para fazer

Se não está habituado a trabalhar em casa, é provável que tudo seja fonte de distracção. É que já não é apenas a televisão, a repetir os filmes de sempre, a que, não sabe explicar porquê, continua sem conseguir resistir. Nem sequer tem a mania das limpezas, mas de repente aspirar o pó, organizar a gaveta das cuecas por cores e até mudar as lâmpadas lhe parece mais urgente. Tem de se organizar e não sabe como? Não se preocupe, porque fomos à procura de apps de produtividade.

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