Em 2016, o jornalista e escritor italiano Robert Saviano (Gomorra, ZeroZeroZero), publicou Os Meninos da Camorra, um romance muito documental sobre os gangues de adolescentes napolitanos que trabalham para a Camorra, e matam e morrem em seu nome. O livro, que já tem uma continuação, Beijo Feroz, foi adaptado ao cinema por Claudio Giovannesi em Piranhas – Os Meninos da Camorra, e ganhou o Prémio de Melhor Argumento no Festival de Berlim. A Time Out entrevistou o realizador por e-mail.
Como surgiu este filme e qual foi a colaboração de Roberto Saviano no argumento? Foram feitas muitas alterações à história e às personagens originais?
O Roberto Saviano e o produtor Carlo Degli Esposti propuseram-me fazer um filme a partir do romance Os Meninos da Camorra. Aceitei de imediato, com a ideia de fazer um filme sobre a perda da inocência. Em conjunto com os argumentistas Maurizio Braucci e Roberto Saviano, escolhemos tomar um rumo diferente do romance: não fazer um filme sobre crime, sobre a conquista do poder, mas uma história de formação, centrada nos sentimentos dos adolescentes. Mostrar o que acontece emocionalmente a estes rapazes quando fazem uma escolha criminal, os sacrifícios que fazem por amor e por amizade, a renúncia à adolescência...
Foi difícil encontrar os jovens ideais para interpretar as personagens? Algum deles tinha antecedentes de delinquência?
Para encontrar os oito protagonistas vimos 4 mil rapazes napolitanos. Procurávamos caras inocentes, porque o tema da perda da inocência devia estar refletido nas caras deles. Os protagonistas deviam também conhecer os temas do filme, ter um contacto direto com aquilo que o filme mostra. Os actores são todos rapazes honestos, trabalhadores ou estudantes, mas que vivem nos bairros onde a história se passa.
Deu-lhes o livro de Saviano para eles lerem, ou preferiu que não o conhecessem? E porque escolheu rodar o filme em sequência?
Os rapazes não leram o livro nem o argumento, receberam as cenas dia a dia. E filmámos em ordem cronológica, por isso o primeiro dia de filmagens corresponde ao início do filme e o último dia ao final. Assim, os protagonistas puderam viver directamente a experiência das suas personagens, descobri-la à medida que acontecia.
Deu alguma atenção especial, em termos de preparação para o papel, a Francesco Di Napoli, que interpreta Nicola?
O Francesco foi o primeiro a ser escolhido. Com ele trabalhámos cinco meses antes do início das filmagens. O aspecto sobre o qual nos concentrámos maioritariamente foi a representação da autoridade.
Tiveram algum problema durante a rodagem em Nápoles, ou correu tudo bem? A Camorra não tentou interferir no filme?
Não houve problema nenhum. Tentámos envolver os habitantes dos bairros onde rodámos. Procurámos não ser invasores, mas sim levar trabalho. As pessoas do bairro onde filmámos, o Rione Sanità, foram contratadas pela produção como condutores, estafetas, figurantes. Por exemplo, o mercado que vemos no filme é real: os vendedores foram realmente envolvidos nas filmagens.
Piranhas – Os Meninos da Camorra mostra a forma como o sistema mafioso se alimenta continuamente dos jovens, geração após geração. Acha que há uma solução política ou social para esta tragédia? O filme mostra as coisas como elas são, mas não propõe nenhuma saída.
Não acho que seja a função de um filme propor uma solução, isso é o trabalho das instituições. E histórias deste género acontecem exactamente nos locais onde o Estado está ausente, onde as instituições estão longe, onde não há trabalho, onde a escolarização é insuficiente. Aquilo que um filme pode fazer é mostrar a humanidade das personagens, mostrar realidades que nos são sempre contadas com a distância da sociologia ou dos artigos jornalísticos, criar empatia com os seres humanos que vivem estas histórias e esperar que a distância se anule e que o público sinta essa mesma empatia.