Filme, Cinema, Sangue do meu sangue (2011)
DRSangue do Meu Sangue de João Canijo
DR

25 filmes portugueses obrigatórios

Nem todo o cinema português é uma seca. Eis 25 filmes portugueses obrigatórios.

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Essa ideia de o cinema português ser uma seca… Enfim, só em parte é verdade. Aliás, existindo desde 1896, com milhares de realizações, alguém se havia de safar. E safou-se. Nas várias fases do cinema português, há filmes e realizadores de se lhes tirar o chapéu, incluindo alguns, até mais do que uma vez, reconhecidos internacionalmente. É natural por isso que, quando se fala nos filmes portugueses obrigatórios, haja nomes de realizadores que se repetem. Porque, como em tudo o resto na vida, alguns cineastas são pura e simplesmente melhores do que outros.

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25 filmes portugueses de se lhes tirar o chapéu

1. ‘Maria do Mar’ (1930), José Leitão de Barros

Leitão de Barros, sem ser um original, tal era a influência russa e do expressionismo alemão no seu trabalho, por esta altura ainda não tinha propriamente absorvido essas influências, pelo que são muitos os planos que já vimos em qualquer sítio. Ainda assim, esta triste história de Falacha, capitão e pescador que viu os seus homens perderem-se no mar, é um relato emocionante da angústia do homem, com o bónus de uma história paralela, que quase toma conta da película, que é uma variação piscatória de Romeu e Julieta.

2. ‘Aniki-Bóbó’ (1942), Manoel de Oliveira

Está sem dúvida entre os filmes mais importantes do cinema em Portugal e é dos primeiros que se recorda quando se fala de Manoel de Oliveira. Curiosamente, para um cineasta que mais de uma vez criou as suas próprias regras, o relato deste romance juvenil no Porto, é, esteticamente, bastante sossegado, porém é mais ou menos consensual encontrar-se aqui um dos primeiros exemplos do que viria a ser o neo-realismo.

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3. ‘Os Verdes Anos’ (1963), Paulo Rocha

E foi assim, mais coisa menos coisa, com Os Verdes Anos (e a inesquecível banda sonora de Carlos Paredes), que se inaugurou o Novo Cinema Português, evidentemente influenciado pelo cinema francês da época. Além de cortar radicalmente com os mandamentos cinematográficos do salazarismo, o que não é pouco, a importância da obra radica no retrato que cria da sociedade lisboeta a partir dos diferentes pontos de vista das personagens, realçando o mal-estar e a sensação de isolamento cultural dos jovens das classes educadas, por um lado, e, por outro, a gradual transformação urbana de Lisboa numa metrópole mais próxima das capitais europeias, apesar do espírito e do ambiente provinciano.

4. ‘Belarmino’ (1964), Fernando Lopes

O documentário de Fernando Lopes, que contou com a colaboração de um conhecido e importante jornalista, o falecido Baptista-Bastos, sobre a vida privada de um pugilista, a sua carreira, ou ausência dela. Em suma, vemos o seu quotidiano de homem do povo, sem cultura nem educação, com mulher e filha para sustentar. Lopes teve a inteligência de filmar o que hoje se chama “contraditório”, o que faz das declarações do agente do desportista, para lá sua veracidade, um complemento realista à visão um pouco idealista, para não dizer ilusória, que Belarmino tinha de si próprio.

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5. ‘Benilde ou a Virgem Mãe’ (1975), Manoel de Oliveira

E regressa Manoel de Oliveira. Agora sem o sossego e a história moral de Aniki-Bóbó, introduzindo de início uma espécie de naturalismo na sua obra (baseada em José Régio), para, a seguir, deslizar suavemente para um surrealismo, por assim dizer, ligeiro. Muito apropriado, aliás, ao enredo protagonizado por uma rapariga grávida agarrada a uma recusa prática (aceitar a natureza da sua gravidez), trocando-a por uma crença mística e religiosa que, na verdade, era uma metáfora do país estagnado.

6. ‘Trás-os-Montes’ (1976), António Reis/ Margarida Cordeiro

“De Trás-os-Montes, filme de António Reis e Margarida Cordeiro, disse Jean Rouch que inaugurava um novo cinema.” Citamos João Bénard da Costa, que assim expressava a sua admiração por um cinema peculiar e inimitável onde o povo era sempre protagonista, mas nem por isso olhado com paternalismo pelo casal de cineastas. Reis e Cordeiro eram capazes de registar cruamente tanto a dureza da vida como a singeleza, mesmo que por vezes brutal, das atitudes e da relação das gentes entre si e com o meio.

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7. ‘Conversa Acabada’ (1981), João Botelho

Era para ser um documentário, todavia durante a sua criação evoluiu para uma ficção, a primeira de João Botelho (que a esta lista voltará em breve). Com um entrecho nascido das cartas entre os poetas, e grandes figuras do Modernismo, Fernando Pessoa, então em Lisboa, e o seu amigo e par de poemas, Mário de Sá-Carneiro, na altura a viver em Paris em grande agonia existencial, o filme mostra já a diferença e principalmente a irrequietude com que Botelho encarava o cinema.

8. ‘Silvestre’ (1981), João César Monteiro

A filha de um nobre, de momento ausente em viagem para anunciar ao rei o casamento da rapariga, dá abrigo a um estranho. O que vai desencadear uma bola de neve de acções e consequências, envolver um cavaleiro de passagem e uma tentativa de resgate. Vai também mostrar como César Monteiro encontrava na fantasia e na exploração da cor uma maneira lírica de filmar que, embora de forma muito menos poética, desenvolveu nos seus filmes seguintes (mesmo sem contar com a presença etereamente essencial de Maria de Medeiros, aqui com 15 anos).

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9. ‘O Bobo’ (1987), José Álvaro Morais

É que não há mas nem meio mas. O Bobo é um filme como não há mais nenhum. Melhor, se existe película que procura tornar a sua linguagem em arte total (como Wagner queria para as suas óperas), a obra de José Álvaro Morais – e, enfim, o conjunto de filmes dirigido por Hans-Jürgen Syberberg, Ludwig, Requiem para um Rei Virgem, Karl May e, antes de mais, o exemplar Hitler, Um Filme da Alemanha, que muito influenciou também João Botelho  é das que mais se aproxima desse desiderato. Aqui domina a transcendência dos sentimentos sobre a miséria moral generalizada e a futilidade artística em que a década de 1980 se estava a tornar. E domina, através de uma sucessão de estilhaços de imagens, como quem recua aos primórdios do cinema, a arte da montagem e remontagem de uma produção que durou uma década.

10. ‘Tempos Difíceis’ (1988), João Botelho

Não é com certeza a mais ortodoxa e esperada adaptação da obra de Charles Dickens. Contudo, transferir a acção de 1854 para a actualidade e colocá-la em Portugal, mais do que ousadia e espírito de aventura, permitiu a Botelho solidificar, ao terceiro filme, a sua posição como um cineasta, no mínimo, idiossincrático. Tudo isto com o recurso a um claro-escuro a lembrar a beleza entre as sombras dos quadros de Caravaggio. Tudo decorre entre as trevas dos negócios e dos interesses por mor de casamento combinado a que a música de António Pinho Vargas acrescenta densidade e dor.

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11. ‘Recordações da Casa Amarela’ (1989), João César Monteiro

Alguém dado ao exibicionismo da grande frase, como era João César Monteiro, decerto não recusaria que este seu filme fosse classificado, por exemplo, como um épico pseudo-autobiográfico, sem qualquer dúvida o mais excêntrico e belo do seu cinema. E mesmo que uns prefiram o lado excêntrico e outros se inclinem para o lado do belo, a verdade é que eles andam juntos, praticamente unos, criando um objecto singular. Tudo graças à história de uma queda que transforma em jornada filosófica o caminho para a destruição.

12. ‘O Sangue’ (1989), Pedro Costa

Por esta altura Pedro Costa ainda não era o artista radical que hoje o circuito artístico-cinematográfico disputa e louva com encomendas, mostras, conferências, livros e críticas. Nesta história de dois rapazes e uma rapariga, irmãos libertados do jugo paterno pela morte, já despontavam algumas marcas do seu cinema futuro, mas o que mais brilhava era a relação entre as imagens e a banda sonora que tão bem desenvolveu.

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13. ‘A Caixa’ (1994), Manoel de Oliveira

É um dos filmes mais discretos de Manoel de Oliveira e, ainda assim, apesar de filmado numa escadaria, é uma das suas mais peculiares e comoventes obras. O realizador aproveita e interliga a história de uns pés rapados habitantes de bairro popular, entre eles um cego soberbamente interpretado por Luís Miguel Cintra, para poeticamente encenar uma história a que tanto a sordidez como a solidariedade não são de todo alheias.

14. ‘A Comédia de Deus’ (1995), João César Monteiro

Na segunda parte da trilogia de Deus, o protagonista, João de Deus (interpretado pelo próprio César Monteiro) desenvolve a sua personagem de velho perverso com inclinação para a filosofia. Desta vez, porém, vai ainda um pouco mais longe no desenvolvimento do carácter patético da personagem, e o que noutras circunstâncias narrativas seria provocação gratuita, torna-se, aqui, exemplo de um humor cruel, uma sátira com tendência para morder indiscriminadamente as canelas do cristianismo, das boas maneiras, da política, e mesmo da ética sem sinal de culpa, quanto mais de arrependimento.

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15. ‘Os Mutantes’ (1998), Teresa Villaverde

Há males que vêm por bem. Isto é: foi chato recusarem o financiamento para o documentário que Teresa Villaverde queria fazer, mas, em contrapartida, perante o revés, a realizadora decidiu-se por um olhar mais profundo e dramático. E assim nasceu este filme marcante, contado do ponto de vista de três adolescentes, os Mutantes, um bando a viver a dura realidade da pobreza e da burocracia de um sistema que os devia apoiar em vez de os deixar ao deus-dará. Desprezados, tornam-se marginais. E, a este retrato, a cineasta acrescenta um contexto que envolve tanto a gravidez na adolescência, como o racismo pós-colonial, o crime e a exploração sexual em clima de descabelada violência.

16. ‘No Quarto da Vanda’ (2000), Pedro Costa

E na quarta longa-metragem Pedro Costa foi mais longe do que algum cineasta português antes fora, criando um retrato tão esclarecedor como comovente, revoltante e incómodo com a sua descida ao fundo da pobreza e da miséria em Lisboa. Nesta altura, estava o século a despontar e o céu ainda parecia sempre radiante, não era o filme que alguém desejava ver mas era, e é, a película que era necessário fazer para mostrar como a desigualdade e a sordidez convivem e se desenvolvem emocionalmente numa espiral descendente.

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17. ‘O Fantasma’ (2000), João Pedro Rodrigues

O primeiro filme de João Pedro Rodrigues coloca no centro do enredo a atracção sexual de um jovem e bonito lixeiro lisboeta por João, um motociclista que não lhe liga nenhuma ou dá qualquer atenção. Despeitado, o protagonista, que ainda tem de fugir dos avanços da sua colega Fátima, inicia uma onda de promiscuidade que liberta os seus mais fundos fantasmas e mais radicadas convicções por um caminho de degradação compulsiva.

18. ‘Alice’ (2005), Marco Martins

Alice desapareceu. E se a mãe cede à frustração e desiste entregando-se à apatia, o pai desenvolve uma crescente obsessão por encontrar a filha, mesmo depois de todos desistirem e de muitos o tentarem dissuadir. Marco Martins desenvolve esta história explorando as nuvens e a escuridão, o interior e os arredores de Lisboa como um universo claustrofóbico onde nunca se vê o sol, permanente nublado, como o espírito do protagonista.

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19. ‘Mal Nascida’ (2007), João Canijo

João Canijo era já um realizador experiente quando se atirou a esta tragédia grega transplantada para uma aldeia na província. Lugar perdido onde Lúcia, feia, doida, um grito surdo de raiva a larvar entre os maus-tratos familiares e a humildade da sua condição, se tornou viúva do seu pai – e a sua vingadora, urdindo um plano capaz de castigar os criminosos e aplacar a sua dor, assim vivendo na esperança do regresso dos irmãos e do ajuste de contas.

20. ‘Filme do Desassossego’ (2010), João Botelho

Não se podia, não se podia, mas o certo é que João Botelho pegou em O Livro do Desassossego e através dos sonhos de um homem tornou o livro que não se podia filmar numa das mais estimulantes obras do cinema português. O texto póstumo de Fernando Pessoa torna-se filme através da imaginação de um homem a caminho de criar uma teoria que torne real o seu sonho, pela habilidade de um cineasta que nunca contornou as dificuldades e encontrou na narrativa em quadros e no dramatismo dos planos maneira de tornar a poesia em cinema sem a desvirtuar.

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21. ‘Sangue do Meu Sangue’ (2011), João Canijo

Esta segunda referência ao nome de João Canijo, que não será a última, apenas reflecte a importância que o seu cinema tem ganho neste século. Não que antes o cineasta não tivesse já estabelecido o seu roteiro estético, ou realizado películas estimulantes como Filha da Mãe ou Sapatos Pretos, mas, de facto, com Mal Nascida, e mais ainda com este Sangue do Meu Sangue, Canijo parece ter encontrado a luz. Luz que tem acrescentado conteúdo à sua obra e que tem, por agora, o seu apogeu em Fátima. Mas já lá vamos. Interessa aqui acompanhar as atribulações quotidianas e vulgares da família Fialho, suburbanos a cada minuto de filme que passa, cada vez mais embrulhados numa melodramática teia de intrigas e infidelidades capazes de pôr em causa a sua vidinha.

22. ‘Tabu’ (2012), Miguel Gomes

Foi uma grande sensação quando inesperadamente foi premiado no Festival Internacional de Cinema de Berlim, e pelas mais recentes contas é também o filme português com maior distribuição internacional. E a razão parece ser simples: por todo o lado há espectadores que se deixam envolver por esta história de amor perdido e romantização da nostalgia em cenário de aventura africanista, que Gomes filma como estilhaços de uma vida à beira do esgotamento.

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23. ‘Os Maias: Cenas da Vida Romântica’ (2014), João Botelho

É uma tragédia e uma comédia pessoal tornada metáfora do estado de Portugal, particularmente explícita na cena final, quando Carlos e Ega tentam apanhar um eléctrico, na altura chamado “americano”, da mesma maneira atabalhoada com que o país perseguia o progresso e se perdia em corrupção. Mas isto já toda a gente sabe, pois o romance de Eça de Queiroz é sobejamente conhecido. O que interessa neste filme é a forma ardilosa e artificialmente artística como Botelho narra o mais célebre amor incestuoso português.

24. ‘Cavalo Dinheiro’ (2014), Pedro Costa

Dúvidas sobre a qualidade e a diferença do cinema de Pedro Costa já estavam dissipadas e o seu prestígio e influência estabelecidos quando Cavalo Dinheiro dá um novo passo na evolução artística do cineasta. Com Ventura, claro, agora de regresso ao passado, ao tempo da Revolução dos Cravos, logo para andar à naifada com o seu amigo Joaquim e iniciar uma jornada onde a memória é como uma esperança perdida ainda antes de nascer.

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25. ‘Fátima’ (2017), João Canijo

É com imagens de assombro, que não é necessariamente beleza, que João Canijo monta a sua história, melhor, a odisseia peregrina de um grupo de mulheres a caminho de Fátima, apenas vagamente unidas pelo hábito da religião (mais do que pela fé). Apesar do tema, Fátima está longe de ser um filme religioso e só na fachada, digamos, é uma obra sobre a religião. É antes um retrato de determinação capaz de ultrapassar as contradições e os escolhos no caminho da vontade.

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