Este mês faz-se de regressos fortes e emotivos e o desafio vai ser conseguir manter a agenda social com tanta televisão de qualidade para ser vista. A Netflix leva claramente a melhor em Julho com três apostas difíceis de bater: Stranger Things, La Casa de Papel e Orange Is The New Black. São três das suas séries mais vistas e sem episódios novos há mais de um ano. Por sorte (ou nem tanto), estreiam em semanas diferentes, para nos dar tempo de irmos devorando uma a uma.
Não há outra forma de começar esta entrevista senão deixar-lhe um alerta: estas páginas são um spoiler se ainda não viu nada de La Casa de Papel, a série fenómeno que a Netflix quis tornar sua depois desta se ter tornado no título em língua não-inglesa mais visto de sempre no serviço de streaming. Mas a culpa não é nossa. Não há forma de falar desta terceira parte, que se estreia sexta-feira, dia 19, sem falar da mudança da inspectora Raquel Murillo, que abandonou a Polícia para se juntar ao Professor (Álvaro Monte), adoptando para si o nome de código Lisboa.
Porquê Lisboa? Quem escolheu o nome?
Foram os guionistas, mas é verdade que eu já tinha dito numa entrevista que se pudesse escolher um nome para mim seria Lisboa. Porquê? Porque estive em Lisboa em duas ocasiões e há algo da essência de Lisboa que ficou em mim. Não sei. Gosto da sonoridade, mas também gosto muito da cidade. É como se tivesse algo de outro tempo e uma melancolia que eu gosto tanto. Lisboa tem algo que me atrai.
Raquel Murillo e Lisboa são a mesma pessoa?
Sim, é a mesma pessoa porque nós não mudámos assim tanto. O que acontece é que a vida às vezes leva-nos a fazer algumas mudanças, mas nunca se muda tanto. Ainda para mais em pouco tempo. A Raquel passou por tanta coisa nestes últimos tempos: já não vive no mesmo sítio, agora vive nas Filipinas, está sem trabalho, faz parte do grupo. Ela vai acumulando experiências, mas basicamente é a mesma pessoa a enfrentar situações de vida distintas.
Para Tóquio (Úrsula Corberó), Lisboa é uma traidora porque mudou de lado. Tóquio tem medo que Lisboa possa voltar a mudar de ideias e se junte novamente à Polícia. É possível? Podemos confiar em Lisboa?
Nunca se sabe o que pode acontecer, mas neste momento ela mudou a sua forma de ver as coisas. Teoricamente, e até onde eu sei, Lisboa faz parte do grupo. Ou seja, já não é Raquel Murillo, ela mesmo se nomeia Lisboa. E está lá a contribuir com o seu grande conhecimento sobre o funcionamento da Polícia, visto que foi polícia. Ela pode ajudar muito. Mas é claro que isso lhe pode trazer conflitos com o grupo. De repentes eles juntam-se e aparece-lhes à frente a sua grande adversária. Ninguém entende nada. Mas isso faz parte do jogo dramático, que está muito bem pensado.
Lisboa muda por amor, mas também porque percebe que o assalto é uma luta contra o sistema, uma posição política.
Fico muito contente por fazer parte desta história. É verdade que é entretenimento, mas há uma parte de crítica social e política à forma como se fazem as coisas neste sistema. Quando me dizem que agora faço parte dos maus, costumo responder: quem são os maus? É que depende do ponto de vista. Nem os bons são tão bons, nem os maus são tão maus. Gosto muito de fazer parte desta conversa. O audiovisual também é uma fonte e uma força que pode mudar muitas mentalidades e muitas emoções.
É por isso que a série teve tanto sucesso internacional?
Há várias razões que explicam o sucesso. É uma história bem contada, muito original, com muito ritmo, com personagens interessantes. Acredito que qualquer pessoa se pode identificar com alguém do grupo. Também tem humor – numa situação tão extrema há humor. Outra das razões do sucesso é que se faz um ataque a este sistema, a esta ordem de coisas, metendo-te na Casa da Moeda e fazendo o teu próprio dinheiro como fazem os bancos. Acho que isso dá poder às pessoas. Há crises e os bancos fazem injecções de capital e nós chegamos ao final do mês e não temos trabalho. Há uma espécie de ideia de que o dinheiro move tudo e não se pensa nas pessoas, não se põem as pessoas no centro. É um paradigma que me parece interessante. É por isso que La Casa de Papel mexe com as pessoas. E depois, quando se fala da luta de todas as mulheres para ganharem poder, há personagens femininos muito bem pensados e que também podem justificar outra parte do sucesso.
Já que fala nisso, a falta de papéis assim é uma queixa recorrente de várias actrizes. La Casa de Papel é daquelas oportunidades raras numa carreira?
Sem dúvida. É excepcional encontrar um personagem assim e todas as mulheres de La Casa de Papel têm isso muito claro. Diria mais: acho que as coisas estão a mudar muito. Já não somos a namorada do protagonista, a mulher que é preciso salvar porque não sabe conduzir a sua vida. Acho que cada vez mais há uma maior presença de mulheres e não apenas jovens, que era o que acontecia antigamente quando uma franja de idades desaparecia, ali dos 50 aos 60 anos – como se não fosses interessante para nenhum papel. Lembro-me de ouvirmuitas colegas a queixarem-se de que ninguém lhes oferecia trabalho porque eram demasiado velhas para fazerem de jovens e poucas velhas para fazerem de avós. No caso dos homens, isso não acontece. Mas acho que se está a quebrar isso. Se olharmos para a televisão hoje, há uma variedade de idades e de possibilidades que as mulheres podem interpretar. No entanto, ainda faltam mulheres realizadores, operadoras de câmara, directoras de fotografia, guionistas (que dão também um outro olhar), mas para lá caminhamos.
Foram muitos os que se surpreenderam com o anúncio do regresso de La Casa de Papel. Faz sentido voltar?
Claro. É verdade que La Casa de Papel é uma história que começa e tem um bom final, bem fechado – para mim. Mas, também é verdade que muita gente ficou com vontade de saber o que aconteceu a seguir. Ficou com a sensação de que não se contou tudo. Contou-se como é que a Raquel e o Professor se encontraram, mas e os outros? Para onde foram? Não se sabe nada da Tóquio, da Nairobi. De repente, há uma terceira parte e pensas: o que se conta agora? Porque foi tudo tão grande. Mas a verdade é que estão a levar a série para um lugar maior. E podia até ser maior. Já os vejo numa quinta ou numa sexta parte a roubar o Banco Central Europeu ou a assaltar a Bolsa de Nova Iorque [risos]. Mas isto para dizer que sim, é possível continuar esta história.
E sentem a pressão do regresso? As expectativas estão muito altas.
Sim, há uma pressão porque tens uma data de olhos em cima, milhões de olhos, mas trabalhar com essa pressão de que esperam que tu contes alguma coisa, não é bom. Não podemos contar a história que as pessoas querem, é preciso seguir o planeamento anterior. Não vamos contarvos o que querem, vamos contar- -vos a nossa história, que estamos a criar, e vamos surpreender-vos. Acho que tem de ser por aí. E o que posso dizer é que a história continua a ser original.
Não foi estranho o sucesso ter chegado meses depois de ter passado na televisão em Espanha?
Sim. É estranho, mas é lógico. Quando uma série passa na televisão num canal generalista com um episódio semanal, que começa depois das dez da noite e acaba quase à uma da manhã, as audiências não aguentam. Por muito boa que seja a série, as pessoas têm de trabalhar no dia seguinte. A fórmula da Netflix, que são episódios um pouco mais curtos, sem publicidade, e que podes ver tu no teu ritmo, cria uma liberdade que é também mais viciante. Esta fórmula funcionou de forma espectacular. E de repente, claro, foi a loucura.
Foram apanhados de surpresa?
Claro, porque já tínhamos dado essa história por terminada. Já tínhamos feito, já tínhamos visto e agora toca a trabalhar noutra coisa. De repente, a série chegou à Netflix e começaram a aumentar os seguidores. Só nos perguntávamos: o que se está a passar? Foi uma barbaridade! Houve um dia que tive mais mil seguidores no Instagram. Meu deus!, o que é isto? É muito curioso quando isto acontece porque notas também na rua, porque te passam a conhecer, até mesmo fora de Espanha.
Com a entrada da Netflix nesta nova temporada, houve mais dinheiro, presumo. Notou-se a diferença?
Notou, claro. Funciona basicamente com a mesma metodologia, mas com mais tempo e com mais meios. Então podes afinar muito mais, tens mais tempo para fazer mais planos, para cuidar melhor da narrativa da história.
E o que podemos esperar desta nova parte de La Casa de Papel?
Vai ser uma história muito poderosa, como a primeira. Com personagens novos, vários actores superbons. Há outra inspectora. Há umas contratações muito potentes. E a história não vai deixar ninguém indiferente. Claro que é sempre uma questão de gosto. Nós também só vimos três episódios e por isso também estamos muito curiosos. Estamos a fazer figas.
Netflix. Sex (estreia T3)