A ideia, inicialmente, era fazer uma lista com os conteúdos portugueses disponíveis na Netflix, mas rapidamente se percebeu que a oferta continua a ser inexistente. E a situação não deve melhorar muito nos próximos tempos, embora não faltem promessas de que a seu tempo as produções portuguesas cheguem ao serviço. Assim sendo, dizemos-lhe antes o que vale a pena ver na língua de Camões, do lado de lá do Atlântico.
A nova série da Netflix, White Lines, transporta-nos para uma Ibiza dos anos 1990, ainda um pouco distante da massificação do turismo que agora assola a ilha espanhola. Passada a dois tempos, mistura em dez episódios drama, policial e comédia: somos levados numa viagem, com um intervalo de 20 anos, ao mundo das discotecas, aos meandros da noite e da sensualidade que a envolve. O actor de Alice (2005) e São Jorge (2016) veste a pele de um chefe de segurança privada, contracenando com Laura Haddock e Daniel Mays, nomes associados a grandes produções em Hollywood. Nuno Lopes há muito que procurava um desafio que o fizesse ficar fora de pé. Encontrou-o nas águas cristalinas das Ilhas Baleares.
Trabalhar numa produção que envolve nomes como Alex Pina (autor de La Casa de Papel) e com produtoras como a Left Bank Pictures (The Crown) e a Vancouver Media (La Casa de Papel) foi algo muito diferente do que estava habituado?
A produção é muito diferente sobretudo em termos de meios. Uma série em Portugal, com dez episódios, teria sido filmada em dois meses e meio, no máximo. Esta demorou seis. Há mais tempo para fazer cada cena, há mais dinheiro, podem repetir-se cenas que não ficaram bem. Mas, depois, quando se está fechado num barco com dez elementos da equipa a filmar, é exactamente igual. É como se estivesse a fazer um filme para a Escola Superior de Teatro e Cinema.
O trailer mostra um mundo de festa, de drogas. Mas também de acção, de violência e de comoção. Toca em tudo.
A série tem vários lados. Os actores costumavam referir-se ao guião como uma montanha-russa. Quando recebíamos os episódios, perguntávamos “Então, como vai ser hoje?”. “Uma montanha-russa”, diziam. Quando se começa a ver a série, é como se se estivesse num carrinho [de montanha-russa] a subir devagar, e parece que o ritmo será sempre assim. De repente, quando se chega ao pico, utilizando uma terminologia Covid, começa-se a descer e é uma loucura de loopings e de curvas a 90º e de grandes forças G.
Simplificadamente, a série é sobre a morte de um DJ há 20 anos e sobre a chegada da sua irmã à ilha para descobrir o que aconteceu. É isso, ou há algo mais?
Uma das razões pelas quais aceitei este desafio foi por se tratar de algo que nunca tinha visto. Nos primeiros 20 minutos parece apenas uma tragédia, a típica série de crime sobre uma tragédia pessoal. Mas, na verdade, é sobre uma bibliotecária de Manchester que chega a uma Ibiza das noites de música electrónica, das drogas, das orgias, da máfia. É a chegada de uma personagem simples, fechada num mundo cinzento, a um destino exuberante. À medida que a série avança, começa a ser mais alucinada e, sobretudo, cómica.
Parece haver um tom satírico em relação à noite, à festa em Ibiza.
Essa era a ideia. Criticar o que Ibiza é hoje. A série passa-se em duas épocas. Há um lado satírico em relação à forma como se olha o mundo da noite de Ibiza, neste momento. Tornou-se banal e os DJs de electrónica, de repente, tornaram-se estrelas pop. Há uma reflexão sobre isso no personagem do Alex Collins.
À primeira-vista, Boxer faz lembrar Jorge, em São Jorge. Um tipo áspero e robusto.
Acho sempre divertido brincar com o conceito de masculinidade. Normalmente, sou chamado para fazer estas personagens devido à minha compleição física, que têm uma certa robustez. Mas já há suficientes filmes de acção em que os tipos só são fortes. Gosto de brincar com isso e de trazer um outro lado à personagem, de pôr em causa esse preconceito de masculinidade e de que o homem não chora.
E quem é então Boxer?
É um tipo culto, inteligente, cool, ligado a festas. Tem um lado cómico que não existe no Jorge.
Com a pandemia, as produtoras estão paradas, mas as distribuidoras não parecem afectadas. A Netflix superou, em valor de mercado, uma das maiores petrolíferas norte-americanas. O streaming tomará conta do mercado?
Este beneficiamento da Netflix é péssimo para todos. As pessoas estão mais em casa e vão ver mais streaming. Mas o que a Netflix não filmar em 2020 não existirá para o público ver no próximo ano.
E o cinema e o teatro em Portugal?
Estamos numa situação muito grave. O Governo apresentou algumas propostas que, na minha opinião, são parcas. Temos de perceber que a cultura é precária há muitas décadas. Quando uma crise atinge um meio precário, tem repercussões irremediáveis.
O Governo anunciou algumas medidas de apoio para a cultura.
Quando o Governo anuncia o adiamento das peças de teatro, com apoios divididos em duas partes, está a pôr os actores que já ganhavam mal numa situação duplamente precária.
Portanto, só irá piorar.
Estava a filmar com o Marco Martins Provisional Figures Great Yarmouth, em Inglaterra. Filmámos um terço do filme e tivemos de parar para voltar a Lisboa, por causa da pandemia. Não sabemos quando retomaremos as filmagens. O cinema em Portugal já se faz com grandes limitações. Fazemos omeletes sem ovos e, de repente, o único ovo que temos vem rachado. Espero que este Governo, que foi tão apoiado pelas gentes da cultura, demonstre, de uma vez por todas, de que lado quer estar.