No início do ano, quando Johnny Hooker se passeava por Lisboa ainda sem concertos marcados, teve uma grande surpresa: “Achei um cara que faz covers das minhas músicas nas boîtes aí de Lisboa”, conta por telefone do Recife, sua terra natal. “Chama-se Vítor. Sem querer fui num show de drag no Finalmente e ele ‘tava lá fazendo uma música minha. Foi uma emoção muito grande. Pensei: ‘Preciso de vir para cá o mais rápido possível.’”
O rápido ainda demorou, mas finalmente Johnny Hooker, 31 anos, músico, actor, guionista, activista LGBT e um dos novos fenómenos da música popular brasileira, começa esta semana a sua digressão por Portugal. Esta sexta-feira, actua no MusicBox, no Cais do Sodré, num esgotadíssimo concerto que obrigou a uma segunda data (terça-feira, 11). Passa também no sábado, 8, pelo Piquenique Dançante da Casa das Artes, no Porto, e no domingo, 9, actua no festival Milhões de Festa, em Barcelos.
O espectáculo do seu disco de estreia, Eu Vou Fazer Uma Macumba Pra Te Amarrar, Maldito, lançado em 2015 e considerado um dos melhores do ano pela crítica brasileira, “começava com o fado ‘Maldição’”, recorda. “A melancolia da música portuguesa sempre me inspirou muito.” No entanto, é Coração, o disco sucessor, lançado em 2017, e já elogiado por Caetano Veloso (tem uma música com o seu nome), que apresenta na muito aguardada estreia nacional, onde vem “espalhar essa mensagem de resistência”, afirma. Ou não fosse este “um disco de superação e de combate num momento de retrocesso e desesperança generalizada”, continua.
“Flutua”, um dos êxitos do álbum e uma colaboração com a artista trans Liniker, acabou por se tornar um hino de protesto em manifestações políticas “destes tempos obscuros” e em paradas gay. “[O disco] é sobre um momento difícil de ruptura”, continua. “Passei por uma depressão muito grave na minha vida. É também sobre o momento de ruptura no país, onde passamos por questões muito graves de retrocesso. Como artista, tive que pegar em toda a resistência que tinha e colocar isso na arte – e foi muito bonita a resposta.”
Do Brasil chegam cada vez mais artistas LGBT da sua geração, como Linn da Quebrada ou Pabllo Vittar. No entanto, os números de homicídios na comunidade continuam a ser muito altos. “É assustador ser LGBT no Brasil. Há uma extrema-direita que avança com muita violência em cima de pequenas conquistas da comunidade LGBT e ser LGBT no Brasil, o país que mais mata LGBTs no mundo, é um acto de resistência.”
Recentemente, recebeu ameaças de morte e esteve envolvido numa grande polémica depois de defender publicamente “a censurada em pleno 2018 e num estado laico” peça de teatro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, A Rainha do Céu, protagonizada por uma actriz trans. De tal maneira, que o seu concerto na Parada da Diversidade do Piauí foi cancelado. “Gostava de ter feito o show, mas a produção do evento cancelou, meio que abrindo as pernas para um discurso religioso fundamentalista, alegando essas ameaças”, conta. “Isso abre um precedente muito perigoso.”
A música e a arte têm sido as suas principais armas, tais como as desta geração que quer quebrar o paradigma. “O Brasil é uma contradição imensa porque vende uma coisa libertária, vende o Carnaval, a cultura do sexo, mas na verdade é um país profundamente conservador e autoritário. Tenho esperança que um campo mais progressista vença as eleições [em Outubro].”
Sexta, 7, e terça, 11, às 22.00, no MusicBox (Cais do Sodré). Bilhetes a 12€