A porta da rua está fechada. Nenhuma tabuleta, nada que indique um hotel ou um restaurante ou uma galeria de arte – tudo o que o The Art Gate anuncia ser. Recorro ao Google e certifico-me então da morada completa. É mesmo aqui.
Toco à campainha e subimos ao 1º esquerdo. Mandam-nos aguardar numa sala/recepção, acompanhados por um quadro de José Pedro Croft. O meu amigo, conhecedor do mercado da arte, atira: “Custa mais do que a minha casa.”
A espera tem a ver com “a preparação do primeiro momento”, na galeria ao lado, e faz-se com outros comensais, também com reserva para a mesma hora. Há um certo desconforto nessa pausa, mas eis que chega um dos cozinheiros para nos guiar.
O périplo pelo menu de degustação de 17 pratos – única modalidade disponível (90€) – inicia-se pela galeria. Explica-se o conceito, explica-se o que se vai comer, explica-se como devemos proceder. Explica-se muito.
Os primeiros quatro aperitivos são tomados de pé em modo de cocktail volante, tudo bom, destaque para uma espuma de chá com pó de hibiscos e sumo de frutos vermelhos.
Passamos depois pela sala de comer, apenas com uma mesa comunitária, mas que mesa: uma roda de madeira pesada e larga da autoria do romeno Mircea Anghel. Em redor cabem meia-dúzia de pessoas com distância Covid e cabe mais arte e design: por cima candeeiro Tom Dixon, nas paredes fotografias de Daniel Blaufuks.
Eu e o meu amigo seguimos para a chef’s table, na própria cozinha, um balcão onde vemos os fogões e a mise en place. Estamos muito próximos da acção e também dos aromas de salteados e afins, que dificilmente se esgueiram pelo exaustor, encastrado no tecto alto.
Nada disto incomoda quem gosta de estar em cozinhas e menos ainda quem gosta de ovas de esturjão de Ossetra, também conhecido por caviar – do caro, do muito caro. Vêm num taco, à base de leite gordo, no topo natas azedas a disputar protagonismo com as bolinhas salinas. Abertura estrondosa.
O segundo prato sólido é outra gulodice de luxo. Tosta finíssima de trigo e chiles jalapeño barrada com abacate, no topo gamba rosa do Algarve e ovas de ouriço do mar, a textura adstringente da gamba crua e a untuosidade do ouriço a fazerem-nos salivar.
Vamos de hummm em hummm, com mais três momentos que ficam na cabeça. Corações de frango à la cabidela, que é na verdade um creme espesso, menos avinagrado mas mais complexo. Lombo de Wagyu do Chile com pasta de molho de francesinha, a carne crua servida numa fatia pincelada no prato. E a perdiz de caça com molho de amendoim, este espesso e achocolatado à maneira do mole mexicano.
Despedimo-nos com quatro sobremesas abaixo do resto, ainda assim extraordinário o sorvete de romã com azeite e leite de amêndoa.
Em síntese. O The Art Gate tem à frente e ao lado cozinheiros que andaram no fine dining. Hugo Candeias, o chef, esteve no Hoja Blanca, em Barcelona, com uma estrela Michelin. Ao lado está Micael Duarte, ex-Prado, outro jovem talentoso. Isso nota-se na técnica apurada e no receituário, que é sempre mais mexicano do que português, apesar de o conceito do restaurante se anunciar como uma parceria. Serviço e carta de vinhos ficam aquém do resto.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.